terça-feira, 26 de julho de 2016

A trilogia



Aldrabice, sonsice, parlapatice, eis, em síntese, a esfera governativa em que nos movemos, segundo a criteriosa definição de Alberto Gonçalves, aplicada ao governo, à maioria governativa (englobando «certo PSD unido na oposição subtil a um reduto de sanidade chamado Pedro Passos Coelho»), e ao PR, a que poderemos apor ainda, como síntese englobante e marca definidora - a vigarice - específica de um povo com uma lisura mental estilhaçada, logo após a injecção dos fundos monetários europeus que lhe permitiram viver à tripa-forra à custa do erário alheio.
E, no entanto, a nossa ingenuidade mansa, ou a nossa crença optimista no Deus protector – seja Sebastião do nevoeiro ou Santo António da fidelidade devota da nossa amiga - não querem conceber uma tão negra perspectiva do nosso próximo futuro a desabar, como afirma Alberto Gonçalves. Não é possível tão categórica mistificação de uma perene satisfação e promessas de progresso do Governo PS, a cada machadada que nos é atirada pelos senhores da Europa –  do Continente, diria Jardim, e nós com ele, neste momento. Certamente que Alberto Gonçalves se vai arrepender por ser tão peremptório, ainda ontem o ministro Augusto Santos Silva mostrou bem o contrário, à jornalista que o entrevistou, forcejando por lhe apontar os índices de uma economia em frangalhos. Ele não deixou, e contrapôs sempre com dados positivos, injectando esperança, à falta de outras injecções.
Quanto à segunda parte do seu artigo – Pokémons -  quem poderá contestar tais verdades? É caso para vivermos com o coração nas mãos, com os actos de terrorismo que brotam a cada passo, criando o estado generalizado de violência, com fundamento religioso, talvez, sem fundamento algum, na proliferação do «Mal pelo Mal», como outrora, com requinte, se criou uma “Arte pela Arte”, desligada de pruridos de orientação ideológica:
Procuremos somente a Beleza, que a vida
É um punhado infantil de areia ressequida,
Um som de água ou de bronze e uma sombra que passa
 (Eugénio de Castro, “Clépsidra”)
Não, nunca se pode  viver de exclusividades. O Bem pelo Bem é fraqueza, o Mal pelo Mal é loucura, a Arte pela Arte é Beleza sem alma. A dualidade Corpo-Alma define o Homem, enquanto não for reduzido à condição bestificadora da fera, (movida por instintos, diz-se, mas mesmo assim, amando os seus – o que parece, contudo, não ser o caso do irracional corporizado, em homem, do nosso tempo:
Verão Gelado
Alberto Gonçalves
DN, 24/7/16
Um governo. Uma maioria. Um presidente. O primeiro, movido pelo oportunismo, pela intrujice e por incompetência, actua com gloriosa irresponsabilidade. A segunda, movida pela pressão das clientelas e pelo fanatismo ideológico, exige com urgência inéditos paradigmas de loucura. O terceiro, movido por um pavor clínico da rejeição, persegue transeuntes com comendas e faz figuras incompatíveis com o cargo. Mesmo à distância, não seria difícil adivinhar o futuro, a breve prazo, de um país assim. Para nossa desgraça, a distância é nula e o país é aquele em que vivemos: difícil é imaginar pior conjugação de circunstâncias. E o futuro, escusado lembrar, é negro como a noite. Trata-se de azar? Só em parte. Sobretudo trata-se de um crime, cujos autores sairão impunes e cujas vítimas serão inúmeras.
Ao contrário do que alguns esperam, isto não é um regresso a 2011, quando apesar de tudo havia no PS uma ou duas pessoas com vergonha na cara. E havia no poder ascendente uma ou duas pessoas que, cobardias de lado, teimaram em evitar a queda. E havia uma "Europa" disponível para nos amparar na dita.
Ao contrário do que temem outros, isto nem sequer é uma réplica da situação grega, onde até a demência do Syriza depressa se viu invadida por vestígios de realidade. As "sanções", ou a "prepotência de Bruxelas", são o que hoje nos impede de prosseguir jovialmente o caminho da Venezuela ou de um paraíso progressista similar, repleto de consciência social e miséria. Não sei se, cansada de corrigir incorrigíveis, a odiada "ingerência externa" impedirá tamanhas conquistas amanhã.
No fundo, isto é muito simples. E muito triste. O dr. Costa, que é tão escrupuloso e sério quanto fluente na língua, está disposto ao que calha para sobreviver politicamente. Sejam um produto de incidentes neurológicos ou uma artimanha para servir amigos, as recentes declarações sobre o Novo Banco são um mero exemplo, entre dezenas, daquilo que uma criatura radicalmente desprovida de bom senso é capaz. Em poucos meses, Portugal transformou-se numa história para assustar criancinhas, investidores e contribuintes em geral. O caso é de tal maneira grave que a recorrente questão acerca do carro usado não se aplica: do dr. Costa, ninguém aceitaria, nem dado, um carro com 0 km.
Infelizmente, não falta quem o siga até ao stand. Por conveniências sortidas, temos o PS dos negócios, o PCP dos sindicatos e o BE da moral. E o PR dos "afectos". E certo PSD unido na oposição subtil a um reduto de sanidade chamado Pedro Passos Coelho. Cada elemento da divertida trupe prepara-se para espatifar o país e, graças à tradicional tendência para culparmos terceiros, espera terminar a proeza sob aplausos. Com jeito, este processo de destruição metódica acabará imputado à UE, à Alemanha, ao brexit, à instabilidade na Síria, ao sr. Trump e a três futebolistas franceses.
A verdade é que caímos nas mãos de gente particularmente perigosa. O resto é tudo mentira.
Sábado, 23 de julho
Pokémons
Camiões que atropelam nas esplanadas de Nice. Machados que retalham nos comboios da Baviera. Punhais que esfaqueiam nas estâncias dos Alpes. Metralhadoras que disparam em Munique. Por algum motivo que escapa à análise mais cuidada, toda a sorte de utensílios desatou a atacar, e frequentemente a matar, transeuntes despreocupados.
Se ao menos houvesse um factor comum à revolta dos objectos inanimados, poderíamos identificá-lo e, quem sabe, combatê-lo. Mas não há. Ou melhor: há, mas não se pode dizer. Só um racista e um xenófobo da pior espécie seria capaz de notar que, atrás do volante ou das peças de cutelaria, existem sujeitos de carne, osso e convicções fortemente orientadas por uma religião em particular. Sejamos francos: queremos um mundo fundamentado na desconfiança? É justo discriminar uma crença pacífica apenas porque uma quantidade razoável dos seus praticantes costuma ser vista nas imediações de traquitanas usadas na chacina de inocentes? Vamos confundir o islão com os atentados que animam as notícias e, aos poucos, modificam o nosso quotidiano?
Não contem comigo. Quando me apetece afligir com a intolerância religiosa, aflijo-me com as escolas que penduram crucifixos, com o "In God We Trust" que enfeita as notas de dólar, com as cautelas securitárias do "estado judaico" e com os pares de mórmones que às vezes passeiam na rua ao lado. Isso sim, é grave e susceptível de arrasar um modo de vida. Os muçulmanos encontrados na extremidade de machados e do que calha são uma conversa diferente. E polémica.
Para muitos, esses muçulmanos não representam as comunidades a que pertencem, tão sossegadas que, para não criar rebuliço, até evitam denunciar os elementos "radicalizados" à polícia ou pendurá-los preventivamente num poste. Para outros - ou para os mesmos, consoante os dias -, esses muçulmanos são de certeza vítimas de deficiências na integração social, fruto do desemprego, do descontentamento face ao T3 de renda técnica e de atrasos no rendimento mínimo. Para um terceiro grupo de pensadores, esses muçulmanos limitam-se a vingar, e bem, a opressão exercida por regimes imperialistas e capitalistas.
Para mim, até estes argumentos sofrem de discriminação enviesada. O islão, religião de paz, nada tem a ver com a violência acidental que assola a Europa. O problema são os islamofóbicos que, aposto, subornam bugigangas diversas para incriminar muçulmanos. Se a ideia é perseguir uma ameaça real, persiga-se islamofóbicos. Ou gambozinos. Ou Pokémons.

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