Foi o meu marido que me
mostrou a notícia e logo comentámos a sensaboria e a insensatez da atitude do
PR, e a pelintrice saloia deste país que explora notícias tão foleiras em
jornais e canais sensacionalistas, que têm o condão de excitar as sensibilidades em desabono da reflexão. Mas o
Presidente não tem o direito de entrar em tão míseros jogos contabilísticos nos
seus assomos de falsa poupança para o
país, porque se dispõe a pagar do seu bolso a sua viagem de lazer e apoio ao
nosso onze, em fictícia informação de exemplaridade comportamental na questão
das contas, o que não passa de truque chamativo de popularidade. Diz-se que
Pedro I, após ter castigado cruelmente dois dos matadores de Inês, se tornou num
rei popular, dançando nas ruas com o povo, jeito que provavelmente serviu de modelo para a incontinência de simpatia de Marcelo Rebelo de Sousa. O texto de João Miguel
Tavares é exemplar na descrição do caso e no comentário crítico deste. A nós
deu-nos pena e asco e só me vem à ideia a interpelação da senhora Teresa ao seu
digno marido, sr. João da Esquina, que repudia o arsénico receitado pelo jovem médico Daniel das
Dornas - acabadinho de chegar à aldeia das Pupilas do Sr. Reitor, do inesquecível
Júlio Dinis - modernice prescritiva, essa do arsénico, que aquele desconfiadamente
repele. Mas, para o nosso PR, poderia ser outro produto mais actualizado, não faríamos disso questão.
Tenha juízo Sr.
Presidente
João Miguel Tavares
Público, 9/7/16
Marcelo Rebelo de Sousa decidiu ir a França assistir
ao Portugal-País de Gales. Como estava em Trás-os-Montes, apanhou em Bragança
um dos três Falcon que estão à disposição do governo e da Presidência
para deslocações oficiais. O Correio
da Manhã deu conta disso na quinta-feira. Título: “Viagem de
Marcelo para ver o Euro custa 14 mil euros”. E apresentava as contas: “Uma hora
de voo nesta aeronave (combustível e manutenção) custa cerca de 3500 euros.”
Contactado pelo jornal, o porta-voz da Força Aérea deu-se ao trabalho de
desvalorizar tais números e explicou que os aviões têm de voar de uma maneira
ou de outra, para a tripulação se manter activa, treinada e qualificada: “Se
não fôssemos levar o Presidente, provavelmente o próximo voo estaria vazio.”
Mas Marcelo é Marcelo: que outros não desvalorizem o
que ele tanto gosta de valorizar. Nomeadamente, a sua imaculada seriedade e a
sua probidade acima de qualquer suspeita. E vai daí, para espanto de todos, eis
que surge uma nova notícia no Correio
da Manhã de ontem: “Marcelo paga a fatura da viagem do próprio
bolso”. Fonte oficial de Belém tinha mais contas para mostrar: contabilizava o
valor do combustível (cerca de seis mil euros), dividia-o pelo número de
passageiros (dez, ao que parece) e chegava a um valor por passageiro a rondar
os 600 euros, sendo esse o montante que Marcelo se dispunha assumir. A mesma
fonte adiantava que se a viagem tivesse sido feita em voo comercial, como nas
duas ocasiões anteriores, o custo seria maior, porque implicaria pernoita. Mas,
pelos vistos, isso pouco interessa: Marcelo é mais rápido a sacar da carteira
do que Lucky Luke do revólver.
Eis o ponto a que chegámos: a dignidade do Estado
reduzida a uma vaquinha. A malta quer ir à bola, a malta divide o combustível,
a malta vai. Eu também fiz isso, mas tinha 17 anos. Nunca na minha vida achei
que o Presidente do meu país tivesse de estar envolvido em colectas para
representar Portugal num Europeu. Porque das duas, uma. Ou aquilo foi uma
viagem privada do adepto Marcelo, ou aquilo foi uma viagem pública do
Presidente Marcelo. No primeiro caso, Marcelo deveria ter ido por sua conta. No
segundo caso, é inconcebível que o Presidente da República se sinta na
obrigação de custear parte do combustível de um avião que existe para
transportar Presidentes da República. Isto já não é boa gestão da coisa
pública. Isto é o miserabilismo tornado política oficial da nação. Ver Marcelo
ceder ao mais baixo populismo por causa de uma notícia sobre o consumo de um Falcon aos 100 é coisa que não tem pés na cabeça. Pior: é
snobismo invertido, porque Marcelo só paga porque pode. Ora, uma democracia
séria deve dispensar a fortuna pessoal dos seus dirigentes.
Não é a primeira vez que Marcelo tem este tipo de
atitudes. Já na campanha eleitoral sublinhou várias vezes que estava a pagar as
despesas do seu bolso e até criticou os gastos dos adversários. Recentemente,
recusou o Mercedes de 130 mil euros que Cavaco Silva lhe deixou para ir alugar
um Mercedes mais barato. Embora eu aprecie gestos de contenção e exemplos de
modéstia, convém não cair no ridículo. A democracia tem custos. Se os
portugueses concluírem que Marcelo viajou demais e andou a ir demasiado à bola,
logo tratarão de ajustar contas em 2021. Para já, mais vale cortar na demagogia
do que no combustível. O país está meio falido, mas, que se saiba, ainda não
é uma mercearia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário