Nos tópicos fornecidos pela
Internet sobre o artigo de Teresa de Sousa, parece faltar o nome de António
Costa, como figura não de emissor de convénios mas de receptor de uma provável sanção ou um provável
perdão de um défice excessivo que não obedeceu ao estabelecido. E no entanto,
António Costa figura no seu texto, nessa qualidade, vamos esperar que a omissão
seja prenúncio de que também o défice irá passar despercebido até ao final do ano,
segundo dá a entender António Costa com um optimismo que nos encoraja a nós,
contra ventos e marés. O que ele não deve esquecer é que a via que seguiu de
desprezo pelas normas de austeridade lhe foi facilitada pelo empenhamento do
governo anterior de corresponder às solicitações da Europa credora, através de
um FMI interveniente em força para um saldar de dívida como nos competia. A honestidade
de Passos Coelho pode ter criado um clima propício à confiança na política
económica de António Costa, como exige indignadamente Teresa de Sousa, perplexa
ante as descomposturas de Wolfgang Schäuble ameaçadoras de um novo resgate para
o nosso país.
Mas é sobre a França e a nova
política francesa de François Hollande, em rodriguinhos amistosos com a Grã
Bretanha, após o resultado do Brexit, que se inicia o texto de Teresa de Sousa “Os
cemitérios estão lá”, com a referência à homenagem aos mortos ingleses
e americanos da 1ª Guerra, os portugueses (e os demais) não contando, que também
lá estiveram, bichos do sul, sem prestígio, apenas carne para canhão nas tais trincheiras, desnecessário prestar-lhes
homenagem a esses – eram muitos milhares –as homenagens da nação francesa visando
sobretudo estabelecer estratégias económicas e possibilitar a via das ambições
políticas dos mandatários franceses com a Grã Bretanha, isolada mais que nunca da
unidade europeia, após o seu Brexit, jogando as suas cartadas e aceitando as
cartadas de ex-parceiros, como as de F. Hollande, em repúdio pela srª Merkel e outros
países assustados de uma União a ruir, alguns dos quais talvez também em
debandada, não sabemos ainda, esperemos que a França não. Os cemitérios estão
lá, em França, da homenagem aos mortos de além-Atlântico. Mas os mortos são
sempre muitos nas guerras, quer se trate de soldados quer se trate de civis,
bem o vimos na segunda guerra, bem o vemos na perfídia destes atentados sem tir-te
nem guar-te que vão precipitando o fim da confiança. A união faz a força, vozes
há assustadas com a perda da Inglaterra para a unidade europeia. Teresa de
Sousa explica isso bem. Mas a mudança é a ordem natural das coisas. E, com a
cremação dos corpos e a indiferença pelas vidas – apesar do aparato ainda dos
funerais – a vala comum é provavelmente o que nos espera, no cataclismo
universal que preparamos.
Os cemitérios estão lá
Público, 3/07/2016
Reino Unido; Angela
Merkel; François Hollande; Jean-Claude
Juncker; União Europeia; Wolfgang
Schäuble; Brexit
1. Já nos habituámos aos
campos de cruzes a perder de vista. A Europa continua a prestar homenagem às
suas tragédias maiores com a dignidade exigida. François Hollande, David
Cameron e os herdeiros da coroa britânica estiveram ontem no Somme onde se
travou a mais mortífera e longa batalha da I Guerra. Uma guerra de trincheiras
em que a arma eram os próprios soldados. A França tem a sua quota parte de
cemitérios ingleses e americanos, daqueles que deram a vida por ela. É sempre
bom lembrar a História nestes dias em que a Europa está à beira de mergulhar no
caos. Foi no Somme que o Presidente francês voltou a insistir pela enésima vez
que “a decisão foi tomada, não pode ser adiada e não pode ser cancelada”.
Imagina-se que a obsessão de Hollande não seja pela sua preocupação com o
funcionamento da democracia britânica. O mais provável é que tenha a ver com a
sua estratégia para ganhar as primárias do PS, que já não conseguirá evitar, e
as presidenciais da Primavera de 2017. O Presidente iniciou uma deriva europeia
para mostrar que não está prisioneiro de Berlim. O seu primeiro-ministro,
Manuel Valls anunciou que o mundo financeiro da City será “welcome” em Paris
(será difícil, mas enfim, não custa tentar). Tudo leva a crer que resolveu
apostar numa jogada paralela com o SPD alemão, parceiro mais pequeno da
coligação que governa a Alemanha e, também ele, a tentar demarcar-se da
chanceler e da sua política europeia até às eleições, em Setembro. Os dois
ministros dos Negócios Estrangeiros (Frank-Walter Steinmeier é do SPD)
elaboraram um extenso plano para o futuro da Europa no sentido da “ever closer
union” e para tentar provar a capacidade de liderança franco-alemã, embora com
protagonistas diferentes. Ainda hoje não se sabe bem a razão pela qual o chefe
da Diplomacia alemã convocou para Berlim os outros cinco fundadores, a não ser
um sinal de regresso ao passado. Merkel tem visto a sua popularidade
relativamente desgastada pelas sucessivas crises a que tem de responder. Mesmo
assim, disse o que devia sobre os refugiados e voltou a mostrar um sentido
europeu ao combater o revanchismo contra Londres. O SPD continua a marcar passo
nas sondagens. Depois de ter mantido o silêncio sobre as políticas de
austeridade impostas por Berlim, passou agora a criticar abertamente a chanceler
pela sua gestão da crise do euro. “As políticas de austeridade antes de 2013
que a chanceler promoveu enfraqueceram a solidariedade e a unidade da União
Europeia”, diz Norbert Spinrath, deputado alemão social-democrata, ao site
Politico. O próprio vice-chanceler e ministro da Economia, Sigmar Gabriel,
reagindo ao Brexit, insistiu em que a Europa “tem de seguir um caminho que os
cidadãos entendam”. Noutra declaração, defendeu a redução do número de
comissários, numa altura em que, politicamente, isso é absolutamente
impossível. Alinhou com a pressa francesa. Neste novo puzzle alemão, falta
compreender as razões que levaram o ministro das Finanças, Wolfgang Schauble, a
falar sobre um novo resgate a Portugal, a propósito de nada e com efeitos que
ele próprio sabe quais são. Ameaça? Pressão? Aviso? Seja o que for, incluindo
uma boa intenção para pastorear as ovelhas tresmalhadas para a relva
fresquinha, Schauble tem consciências do efeito das suas palavras e no custo
adicional que elas têm para um país que tenta pôr-se de pé outra vez. Dá, por
vezes, a ideia de que a estável cena política alemã está a entrar numa pequena
zona de turbulência, baralhando os sinais. Mas o que é de mais é de mais.
2. António Costa não podia ficar calado perante as
palavras de Wolfgang Schauble. Por mais voltas que se lhes dê, não é sequer
possível minimizá-las. Ninguém consegue compreender a razão de tanta sanha
punitiva em Berlim e em Bruxelas contra Portugal (ou contra este Governo),
depois de tantos sacrifícios, de tanta destruição, quando precisamos de
reconquistar a confiança dos investidores para conseguir pôr a economia a
crescer. A estranheza das suas palavras foi ainda mais evidente porque ocorreu
em pleno tremor de terra do “Brexit”, com a Europa profundamente dividida quanto
ao seu significado e sobre o que é preciso fazer a médio longo prazo para
superar os danos. O que ganhou o ministro das Finanças alemão com os seus
comentários? Mostrar que a linha dura continua, ignorando absolutamente os seus
efeitos sobre a realidade política europeia em acelerada e perigosa
transformação? Desviar as atenções do “Brexit”, que terá um impacte assinalável
na economia alemã? Disfarçar a situação do Deutsche Bank?
3. Ninguém duvida que, no peito de Jean-Claude
Juncker, bate um coração europeu. Não há porventura outro líder que tenha
permanecido tanto tempo à frente do seu país e à frente de instituições
europeias (o Eurogrupo e a Comissão). A boa velha Europa está-lhe no sangue.
Talvez por isso não consiga entender que essa Europa já não existe e é preciso
encontrar outras formas de salvá-la. Não há uma explicação cabal para que o
presidente da Comissão tenha adoptado um tom conflituoso com o Reino Unido
(Saíste? Agora aguenta) e que acredite que a punição vá dissuadir outros países
de tentarem seguir o caminho de Londres. Em primeiro lugar, não se vislumbra
essa tentação em nenhum governo europeu, mesmo nos países de Leste com governos
nacionalistas. Outros, como a Holanda, são membros do euro e a saída da união
monetária é muito mais complicada do que a saída da União Europeia. Juncker tem
pressa para fazer o quê? Para pôr de pé um “salto em frente” em torno do qual
ninguém se entende? A sua atitude só fortalece os que olham para Bruxelas como
um poder centralizador e arrogante que não leva em conta o que pensam os
cidadãos europeus. O presidente da Comissão perdeu, ele próprio, o controlo que
deveria manter sobre o colégio de comissários, que ignoram o que ele diz e se
dedicam a defender as suas posições nacionais. Juncker não quer sanções. Valdis
Dombrovskis quer aplicá-las a todo o custo e quanto mais pesadas melhor. Pierre
Moscovici coloca-se a meio da ponte num equilíbrio instável. O Governo
português já sabe que o melhor que vai conseguir é a “pena suspensa”, ou seja,
as sanções ficam suspensas até ao final deste ano e, se tudo correr bem,
desaparecem.
4. “A Europa não pode salvar o Reino Unido”, escreveu
Natalie Nougayrède, na sua coluna no Guardian. “Está demasiado atarefada a
tentar salvar-se a si própria”. E o Reino Unido está mergulhado numa crise
política profunda, sem ninguém para conduzir o barco, com os seus dois grandes
partidos decapitados e sem estratégia. Entretanto, o resto de mundo olha
atónito para tamanha capacidade de autodestruição. Obama avisa para os efeitos
económicos do “Brexit” a médio prazo e no mundo inteiro. Xi Jinping, enquanto
centraliza todo o poder nas suas mãos para controlar uma aterragem acidentada
da economia chinesa, preocupa-se com a estabilidade no seu primeiro parceiro
comercial. Andrew Small, do German Marshall Fund, acrescenta que “os líderes
asiáticos costumam estar de acordo sobre muito pouca coisa, excepto numa:
querem que o Reino Unido fique”.
Ontem Eduardo Lourenço lembrou que “a Europa não
existe sem o Reino Unido”. Por tudo e mais alguma coisa, mas também porque é “a
mãe da democracia europeia”. Palavras simples para descrever a Europa neste
momento. Os cemitérios estão lá para nos lembrarem da nossa própria História.
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