Também
recordo os coloridos campos de papoilas vermelhas, por entre outros tons
brancos, verdes ou amarelos, avistados do comboio, quando ia para férias nos
meus tempos de Coimbra, tal como recordo os montes da infância, de penedos e
lajes alternando com os espaços salpicados de tojo amarelo, de rosada queiró,
de urze violácea, e de giesta amarela ou de amoras silvestres que nos tingiam a
boca de preto, montes onde levávamos a cabrinha branca que tínhamos no quintal
juntamente com a pitinha branca que punha ovos e chocava pintainhos.
Mas
a pequena crónica de Miguel Esteves Cardoso – «Viva a selvajaria»
- despertou-me para uma realidade brutal em que não pensara, neste viver
sedentário rodeado de casas e ruas e espaços comerciais, com a praia ao longe e
o comboio próximo.
Uma
cronicazinha que vale um tratado, síntese acutilante de um fenómeno de atropelo
criminoso – mais um – pela destruição que vamos produzindo sistematicamente na
Mãe-Terra. Não bastavam as tais descargas poluentes nos rios e mares, a
poluição dos ares, a destruição das florestas, tudo isso que é assustador para
o equilíbrio, e que os meninos estudam
logo no primeiro ciclo, para se inteirarem do mal que tudo isso causa à Terra e
à Vida e se habituarem a respeitá-las como a si próprios. Mas tal não acontece,
o mundo cobarde da droga, juntamente com o mundo poderoso da ambição sem
escrúpulos, ou o próprio desenvolvimento científico e tecnológico vão contribuindo
para destruir qualquer espécie de respeito.
E
é assim que as flores que ornam as cidades e as vilas se compram nos
supermercados do LIDL, “brilhantes e duradouras” em pacotes baratos. Também é
certo que nunca vi tantas hortênsias e cameleiras, de cores variegadas, nas
aldeias e vilas, que dantes cheiravam melhor, embora com menos cores, e menos
casario novo ajardinado dos emigrantes precavidos, na nova era de prosperidade.
Mas o quadro que descreve Miguel Esteves Cardoso das brigadas mal pagas e
destruidoras das papoilas e todas as flores de Maio também a mim sensibilizou, com
saudades da minha juventude, com uma pena infinita desta Terra “a entristecer” .
Viva a selvajaria
Público, 11/06/2016
Na Inglaterra mais de 90% dos prados contêm misturas de 5
flores selvagens que nunca coexistiram espontaneamente nas paisagens inglesas.
Vieram todas de pacotes de sementes, ubíquas e baratas, que se proclamam como
“flores selvagens”.
Em
Portugal também causam feridas nos olhos as flores de cores brilhantes e
duradouras de mais que provêm dos sortidos económicos que se compram nos
supermercados da LIDL.
Aqui
em Colares, mal começam a nascer as papoilas, os malmequeres e dezenas de
outras plantas maravilhosas (como os cardos roxos e as violetas), aparecem
brigadas de pessoas mal pagas, exploradas e sacrificadas, cuja horrenda missão
é chover glifosato assassino sobre as plantas que nos deram a alegria de
nascerem à beira das estradas.
Mataram
as papoilas. Mataram as combinações espontâneas das flores de Maio e de Junho.
Assistimos à matança. Foi horrível. Mataram a Primavera. Foi como se o mundo
inteiro à nossa volta tivesse passado para preto-e-branco.
Entretanto
a Bayer - a bilionária e gigantesca fábrica que nos deu a magnífica
Aspirina - processou a União Europeia por esta ter dito que o pesticida
chamado thiacloprida prejudicava (e matava) as muito necessárias e
beneficientes abelhas.
Hoje
em dia o falso e interesseiro coexistem facilmente com a verdade e a inocência.
A roupa é a mesma. Até a gama de cores é parecida.
A
única coisa que importa é que a Primavera está ser morta à medida que nasce. É
um acto químico de censura.
Mataram
a primavera.
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