Já todos os nobres da escrita expeliram
a sua saturação pela abjecta maneira de “patrioteirar”, “patriotar “ ou
simplesmente “espatriar” - que qualquer dessas formas serviria para “espremer”
o que nos vai na alma amante dos êxitos pátrios, no eterno complexo da nossa mediania,
que nos faz exprimir em exaltação e ruído boçais qualquer fuga casual à tal platitude
existencial, pretendendo assim demonstrar que também somos alguém, num mundo
amplo de realizações e de fugacidade. Os media, que deveriam ser mais
moderados, têm culpa, no exibicionismo que possibilitam desse espírito de
vanglória vaidoso e pueril, responsáveis que são na educação das massas, e
preferindo, pelo contrário, exibir semelhante exaltação insensata e piegas. O caso do ruído em torno do rapazinho vitorioso consolador
espontâneo do jovem francês derrotado – (nítida evocação do episódio com o “pequeno
lorde” justificando ingenuamente a sua corrida vitoriosa ao amigo mais alto,
perdedor) - caso chamariz de publicidade
turística perversa, pela quebra do efeito destruidor da espontaneidade infantil
– constitui pequena amostra desse nosso exibicionismo patrioteiro imoderado a
que todas as forças dos comandos da pátria se uniram sem pejo. Alberto
Gonçalves é um dos que protesta, de forma exemplar. Não poderia perdê-lo,
embora já com atraso. Mas retratos destes são imortais, vão sempre a tempo,
embora sem resultado de maior. A que se junta o da desculpabilização do
terrorismo, não pela mesma camada patrioteira, afinal inócua, mas pela camada
mais perigosa dos generosos amantes e defensores desses terroristas, como seres
idealistas, sofredores dos muitos atentados da vida e merecendo, por isso, o acolhimento
dos povos mais bem instalados nela.
Quem não chora não é patriota
Alberto Gonçalves
DN, 17/7/16
O
vídeo tornou-se viral ou, em língua decente, passou tantas vezes que apetece
rachar o televisor a meio: após a final do Euro, uma criança com a camisola da
selecção portuguesa consola um adepto da selecção francesa em lágrimas, o
adepto aceita o consolo e abraça a criança, toda a gente fica comovidíssima. E
o Turismo de Portugal, que poderia ter encenado o momento, convida o adepto
choroso a visitar o país, de modo a conhecer a nossa hospitalidade e a nossa
tolerância. De seguida, toda a gente volta a insultar os franceses, esses
arrogantes e esses bandalhos. Absurdo? Ainda não viram nada. Excepto quem, por
viver neste lugar hospitaleiro e tolerante, já viu tudo.
Por
mim, já vi uma autarquia dar tolerância de ponto para que os funcionários
aplaudissem futebolistas. Já vi - ou ouvi repórteres descreverem jovialmente -
médicos e enfermeiros que abandonaram hospitais para aplaudir futebolistas. Já
vi o Palácio de Belém dedicado à pândega enquanto, ali pertinho, três militares
acabavam de morrer em serviço. Já vi um presidente católico confessar que maçou
Nossa Senhora de Fátima para interferir em resultados desportivos e prejudicar
terceiros. Já vi governantes e criaturas assim pequeninas esgadanharem-se para
obter a melhor selfie com Cristiano Ronaldo. Já vi um alegado ministro das
Finanças comparecer a reuniões em Bruxelas com um sorriso atarantado e o
cachecol da selecção. E já vi o povo, ou a parte do povo que pode escolher
entre o trabalho e a folia, celebrar nas ruas exactamente ao mesmo tempo em que
na Europa, na exacta Europa que Portugal acabara de conquistar na metáfora
desportiva, uns senhores decidiam o que fazer com um país que, fora das
metáforas, é aparentemente inviável.
Dimensões
distintas? Sim, como as paralelas que só se encontram no infinito. Felizmente,
os grandes poetas conseguem converter o infinito à escala humana. E os poetas
minúsculos conseguem "explicar" que "a nossa selecção venceu
também por outra Europa, uma Europa de iguais, sem ameaças nem sanções". É
escusado dizer que as palavras pertencem a Manuel Alegre, lírico oficial do
pontapé na bola, para quem, pelos vistos, o golo de Éder e a estratégia de
Fernando Santos provam que merecemos viver irresponsavelmente e à custa dos
alemães. Aliás, Alegre confessa que chorou na final, à semelhança de "milhões
de portugueses que teimam em ser patriotas". Todos juntos, agora: e quem
não chora não é patriota.
A
acreditar nas reações indígenas às eventuais sanções, patriotismo não nos
falta. O que nos falta é juízo. Não vale a pena descer aos pormenores técnicos
do que está em jogo (guardem os cachecóis, que este é um jogo diferente): o
detalhe é aborrecido, embora muito menos aborrecido do que as suas
consequências. Em descarado resumo, sucede que, para continuar a sustentar-nos,
a Europa impõe-nos um valor máximo para o desvario, perdão, o défice. O governo
anterior, que graças a umas habilidades discutíveis fora capaz de alguns
progressos, graças a habilidades indiscutíveis e ao desejo de ganhar eleições
descuidou o orçamento de 2015. Por isso é que, quando não culpa a prepotência
de Bruxelas pelas sanções, o governo actual culpa o PSD e o CDS. O governo
actual só não culpa a despesa pública em geral, que de resto pretende aumentar
até ao limite da sobrevivência política do dr. Costa ou da economia nacional,
de acordo com o que falecer primeiro. É a história do sujeito que lamenta as
pessoas que atiram cigarros acesos, acusa os tipos que não limpam as
propriedades e critica a actuação dos bombeiros - e em simultâneo rega o
matagal com gasolina. Bruxelas assusta-se com tamanha irreverência.
Principalmente se praticada com a mão estendida, a irreverência é assim
assustadora.
Para
continuar a existir, o dr. Costa tem de satisfazer as clientelas do seu partido
e as clientelas dos partidos que mandam nele. A cavalo do PS, o BE e o PCP
regulamentam os costumes, ocupam o Estado, afugentam o investimento e
estrafegam o que sobra das débeis contas. O problema português não são as
sanções, afinal um sintoma de que alguém se preocupa com o rumo disto. Nem o
sr. Schäuble. Nem Bruxelas. O problema a sério virá no dia em que a Europa se
canse de corrigir incorrigíveis e nos deixe a passear soberania sozinhos, sem
sanções, sem ameaças, sem vigilância, sem empréstimos e sem um lugar onde cair
mortos. Aí, bons patriotas, choraremos com razão. E não haverá uma criança a
confortar-nos, mesmo contando com Manuel Alegre.
Sexta-feira, 15 de Julho
Enquanto o terror ainda é notícia
Vale
a pena ouvir as platitudes genéricas e às vezes perigosas que os estadistas,
nacionais e internacionais, produzem após cada chacina do terrorismo islâmico?
Vale a pena simpatizar com os ingénuos que declaram em francês ser o que calha
e fazem um "gosto" às propostas de vigílias e compreensão e harmonia
universal? Vale a pena discutir com os canalhas que arranjam sempre
"causas" e "justificações" e "motivações" e
"contextos" para a mera vontade de matar? Vale a pena tolerar a
lengalenga sobre um islão tão moderado que só se dá por ele na hora de lamentar
as vítimas e nunca na hora de evitá-las? Vale a pena alguma coisa? Só isto:
perceber que estamos a perder voluntariamente uma guerra travada no curto prazo
pela violência e no longo prazo pela demografia. Em qualquer dos casos,
trata-se de sangue, e o nosso, pelos vistos, vale pouco.
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