José Manuel Durão Barroso também nunca foi pessoa que
eu amasse, depois do salto que deu para Presidente da Comissão Europeia,
abandonando o país, que governava, às urtigas. Também nunca soube dos motivos
do seu êxito, passando despercebido, ao que parecia, lá fora, mastigador das
palavras, convencional nos critérios, mais a reboque dos outros, julgava eu, do
que construtor de decisões, a quem, aparentemente, ninguém ligava. Mas não
devia ser certo tal conceito complexado, pois foi reeleito segunda vez para
presidente da Comissão Europeia. Leio, além disso, na Internet, a sua sintética
mas vasta biografia de êxitos e de grã-cruzes, nacionais e estrangeiras, e pergunto-me
se é justa a espécie de aversão que me fez sentir, excepto quando apoiou a
política de contenção de Passos Coelho, creio que pela simples e justa razão de
que dívidas são para pagar, embora ele não devesse estar incluído entre os
devedores e portanto não sendo desfalcado como fomos nós, os que por cá ficámos
a aguentar a crise, e alguns bem pior, que perderam os respectivos empregos. Ao
contrário desses, Durão Barroso foi conquistando sucessivamente novos empregos
para si, que culminam espectacularmente neste da Goldman Sachs, e pergunto-me se
o que não fala em mim é a inveja por tão apoteótica vida de ascensão
permanente. Já foi comparado ao cherne, eu comparo-o à traça que tudo vai
roendo, em proveito próprio. À traça? Mas esta vai roendo obscuramente e Durão
Barroso vai-se afirmando sem medo, às claras, creio que não prejudicando
ninguém. Como a traça, me parece antes, depois de ponderar, que vão engordando outros, à custa do sangue
alheio, na obscuridade dos seus truques manhosos, desfalcando aqueles que neles
confiaram, ou o país a quem não pagam o que deveriam, e assim o vão dilapidando
e empobrecendo, sem trabalho, que julgo que Durão Barroso sempre teve, para
chegar onde chegou.
Por isso, digamos, como a cara esposa de Durão Barroso,
quando o ajudou a promover na campanha eleitoral de 2002 – destaco da Internet,
mas também me lembro – os versos de Alexandre O’Neill que o definem:
Sigamos o cherne, minha amiga!
Desçamos ao fundo do desejo
Atrás de muito mais que a fantasia
E aceitemos, até do cherne um beijo,
Senão já com amor, com alegria…
Mas os textos do Público – de João Miguel Tavares e de
Francisco Teixeira da Mota apresentam outras razões:
A última traição de
Durão Barroso
Tópicos: Marine
Le Pen; PS; Durão Barroso; União Europeia; Banca; Ricardo Salgado; Comissão Europeia; Bloco de Esquerda
Pode
ir? Pode. Devia ir? Obviamente que não. A entrada de Durão Barroso na Goldman
Sachs, 21 meses após ter deixado a presidência da Comissão Europeia, mostra
ainda menos sentido de Estado do que a sua ida para a presidência da Comissão
Europeia, dois anos após ter sido eleito primeiro-ministro de Portugal. E prova
mais uma vez aquilo que todos já sabíamos desde 2004: a única coisa que
realmente preocupa Durão Barroso é o bem-estar de Durão Barroso.
Sem
Durão não teria havido Santana, e sem Santana não teria havido Sócrates – não
daquela maneira, pelo menos –, pelo que a dívida que o homem já tinha para com
Portugal não há ordenado da Goldman Sachs que possa pagar. Agora fica a
acumular dívida portuguesa com dívida europeia: o impacto político da sua ida
para chairman da
empresa em Londres é enorme, e a UE não merecia ter de lidar com mais isto
neste momento. Veja-se o que se disse da sua contratação por essa Europa fora,
com Marine Le Pen à cabeça, via Twitter: “Barroso na Goldman Sachs: nenhuma
surpresa para quem sabe que a UE não serve os povos, mas a alta finança.” É
isto que vai ser dito e repetido até à náusea. A nova opção de carreira de
Durão Barroso encaixa como uma luva na narrativa da extrema-direita e da
extrema-esquerda. Em boa verdade, nem é preciso ir aos extremos. Ana Catarina
Mendes mostrou no sábado o que o PS pensa do assunto: “Durão Barroso foi
presidente da Comissão Europeia nos piores anos do projeto europeu. E que
prémio podia ele ter? Ficar naquela que foi a principal causadora da destruição
dos direitos sociais na União Europeia.”
É
claro que definir a Goldman Sachs como “a principal causadora da destruição dos
direitos sociais na União Europeia” é absolutamente patético e demonstra como
hoje em dia a esquerda do PS e o Bloco de Esquerda diferem tanto entre si
quanto Dupond e Dupont. Aliás, se o mundo “neoliberal” fosse tão a preto e
branco como o pintam, e a Goldman Sachs o Big Brother do capitalismo
planetário, certamente que não teria ficado a arder, como ficou, com 834
milhões de dólares no BES. Ninguém passa a perna à Goldman? Pelos vistos,
Ricardo Salgado passou. Mas este não é tempo para discutir subtilezas. Bem ou
mal, com argumentos exagerados ou não, a verdade é que a Goldman Sachs se
tornou numa sinédoque da selvajaria do mercado de capitais, tanto em Portugal
como na China. O seu nome é tóxico, e certamente que Durão Barroso lê
suficientes jornais para saber isso.
Assim
sendo, por que é que aceitou o convite, quando ainda há dois meses apareceu
todo pintalegrete no Expresso a
exibir o seu magnífico estatuto na Universidade de Princeton? A justificação
que desta vez apresentou ao semanário não é menos patética do que as
declarações de Ana Catarina Mendes: “É-se criticado por ter cão e por não ter.
Se se fica na vida política é porque se vive à conta do Estado, se se vai para
a vida privada é porque se está a aproveitar a experiência adquirida na
política.” Uma resposta tão medíocre quanto esta é indigna da sua inteligência
– e da nossa. Durão Barroso tem consciência das implicações da sua decisão, mas
está-se simplesmente nas tintas. Já Passos Coelho, quando se trata de proteger
os da sua tribo, parece não ter consciência de coisa alguma: em vez de fazer
como António Costa, que se limitou a um desejo irónico de felicidades, optou
por uma longa e palavrosa defesa do ex-presidente da Comissão Europeia. Perdeu
uma óptima oportunidade para ficar calado.
Parabéns,
ó Barroso!
Público, 15/07/2016
Desculpa tratar-te por tu mas não resisto. É verdade que não
te conheço pessoalmente mas, para mim, és um herói como os jogadores da
selecção a quem estamos autorizados a tratar por tu pela intimidade que com
eles fomos criando diariamente na sua odisseia por terras de França.
Odisseia
que não é superior à tua. Para mim, já és, com toda a justiça, uma figura
mítica como um Vasco da Gama ou um Afonso de Albuquerque que povoam o nosso
imaginário nacional. E só os invejosos poderão achar que estou a exagerar.
Também
tu deste – quase ia escrevendo “destes” na emoção com que te escrevo... – novos
mundos ao mundo enquanto levantavas bem alto o nome de Portugal por essas
terras da estranja fora. Esta lança que cravaste no novo continente ao
conseguires o lugar de chairman (!) e consultor no maior banco de investimento
norte-americano só pode ter uma classificação: sublime!
As
reacções dos invejosos de todo o mundo – sobretudo franceses ressabiados com a
vitória no Stade de France dos teus companheiros no Olimpo – só vêm sublinhar o
teu admirável feito ao saltar do topo da Europa para um dos topos da América.
Esses miseráveis Moscovicis, Désires e outros a criticarem-te e a falarem de
falta de ética devem estar a ver-se ao espelho.
Só
quem não conhecesse a fibra de que és feito poderá ter ficado surpreendido com
este teu acrobático salto. Eu lembro-me bem que quando estavas cá no topo
nacional também soubeste dar o salto para Bruxelas, com evidente sacrifício
pessoal mas em nome de uma nobre missão: defender os interesses nacionais em
terras bárbaras. Com esse teu salto, homenageaste, de uma forma inesquecível, a
epopeia dos portugueses que também iam a salto para França.
Depois,
enquanto estiveste nesse teu exílio nunca se te ouviu um queixume, uma palavra
de desagrado. Lembro-me bem que nesse teu esforço de bem servir, quando foste
obrigado a ir passar umas curtas férias à Grécia, soubeste fazê-lo de forma a
não onerar o orçamento da Comissão Europeia. São pequenos pormenores a que os
comentadores, sempre prontos a criticar, não sabem dar valor mas que definem
uma personalidade, um carácter.
Quero
dizer-te que tenho acompanhado a tua brilhante carreira política sempre com o
coração nas mãos e com a certeza que procuras sempre servir o teu país da
melhor maneira. És aquilo que se chama um “político de mão cheia”, uma figura
ímpar no panorama nacional e internacional.
A
recente publicação no Reino Unido do relatório do Irak Inquiry com conclusões
devastadoras quanto à forma como foi decidida a invasão do Iraque enganando tudo
e todos numa sinistra cruzada contra os infiéis, infelizmente, não dá o devido
valor à tua participação nessa – mais uma – odisseia da tua vida. Sim,
lamentavelmente, neste relatório, na parte que respeita à histórica cimeira dos
Açores em que o teu papel – como todos nós vimos – foi determinante, o teu nome
nem sequer é referido!
A
histórica Cimeira dos Açores em 16 de Março de 2003, para o tal Sir John
Chilcot autor deste mísero relatório, só contou com a presença do senhor Blair,
do presidente Bush e do primeiro-ministro Aznar. Basta este facto para se
perceber a falta de fiabilidade e profundidade deste relatório. Mas – e isso é
o que importa – alguém ouviu de ti uma queixa? Uma reclamação? Exigiste o teu
lugar ao sol junto dos responsáveis? Não!
Soubeste
– como sempre – calar o que certamente te ia na alma, mostrando, uma vez mais a
tua resiliência. Veio este relatório, mais uma vez, reafirmar a inexistência de
armas de destruição maciça no Iraque. É por demais evidente que esse tal Sir
nunca te ouviu, numa evidente manifestação de parcialidade. Eu não me esqueço
que, na altura da invasão, declaraste publicamente no nosso país que tinhas
visto as provas da existência dessas armas que justificavam aos olhos da
opinião pública a invasão. Enfim, esse tal de Chilcot fica bem na companhia dos
Moscovicis e outros que tais.
A
terminar e quanto a esta tua ida para a Goldman Sachs – um nome gravado a
letras de ouro nesta difícil construção da Europa – não posso deixar de lembrar
as tuas lapidares palavras: “É-se criticado por ter cão e por não ter. Se se
fica na vida política é porque se vive à conta do Estado, se se vai para a vida
privada é porque se está a aproveitar a experiência adquirida na política”.
Brilhante e arrasador, como sempre. Ou ainda, nas palavras de Morais Sarmento,
um comentador insuspeito: "Ele vai desempenhar um lugar para o qual nunca
um português foi nem é provável que seja tão brevemente convidado. Não é um
lugar de representação, um alto-comissário para os refugiados”.
Sim,
tu não és um palhaço pobre a tratar das misérias dos desgraçados que ainda
sofrem as consequências da invasão do Iraque. Como tu próprio disseste: “Podia
ter aceitado ocupações mais tranquilas, mas gosto de posições de desafio”. Ah,
ganda Durão Barroso, és tu e a Goldman Sachs!
Advogado,
francisco@teixeiradamota.pt
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