quinta-feira, 21 de julho de 2016

Cherne é bastante



José Manuel Durão Barroso também nunca foi pessoa que eu amasse, depois do salto que deu para Presidente da Comissão Europeia, abandonando o país, que governava, às urtigas. Também nunca soube dos motivos do seu êxito, passando despercebido, ao que parecia, lá fora, mastigador das palavras, convencional nos critérios, mais a reboque dos outros, julgava eu, do que construtor de decisões, a quem, aparentemente, ninguém ligava. Mas não devia ser certo tal conceito complexado, pois foi reeleito segunda vez para presidente da Comissão Europeia. Leio, além disso, na Internet, a sua sintética mas vasta biografia de êxitos e de grã-cruzes, nacionais e estrangeiras, e pergunto-me se é justa a espécie de aversão que me fez sentir, excepto quando apoiou a política de contenção de Passos Coelho, creio que pela simples e justa razão de que dívidas são para pagar, embora ele não devesse estar incluído entre os devedores e portanto não sendo desfalcado como fomos nós, os que por cá ficámos a aguentar a crise, e alguns bem pior, que perderam os respectivos empregos. Ao contrário desses, Durão Barroso foi conquistando sucessivamente novos empregos para si, que culminam espectacularmente neste da Goldman Sachs, e pergunto-me se o que não fala em mim é a inveja por tão apoteótica vida de ascensão permanente. Já foi comparado ao cherne, eu comparo-o à traça que tudo vai roendo, em proveito próprio. À traça? Mas esta vai roendo obscuramente e Durão Barroso vai-se afirmando sem medo, às claras, creio que não prejudicando ninguém. Como a traça, me parece antes, depois de ponderar, que vão engordando outros, à custa do sangue alheio, na obscuridade dos seus truques manhosos, desfalcando aqueles que neles confiaram, ou o país a quem não pagam o que deveriam, e assim o vão dilapidando e empobrecendo, sem trabalho, que julgo que Durão Barroso sempre teve, para chegar onde chegou.
Por isso, digamos, como a cara esposa de Durão Barroso, quando o ajudou a promover na campanha eleitoral de 2002 – destaco da Internet, mas também me lembro – os versos de Alexandre O’Neill que o definem:
Sigamos o cherne, minha amiga!
Desçamos ao fundo do desejo
Atrás de muito mais que a fantasia
E aceitemos, até do cherne um beijo,
Senão já com amor, com alegria…
Mas os textos do Público – de João Miguel Tavares e de Francisco Teixeira da Mota apresentam outras razões:

A última traição de Durão Barroso 
Pode ir? Pode. Devia ir? Obviamente que não. A entrada de Durão Barroso na Goldman Sachs, 21 meses após ter deixado a presidência da Comissão Europeia, mostra ainda menos sentido de Estado do que a sua ida para a presidência da Comissão Europeia, dois anos após ter sido eleito primeiro-ministro de Portugal. E prova mais uma vez aquilo que todos já sabíamos desde 2004: a única coisa que realmente preocupa Durão Barroso é o bem-estar de Durão Barroso.
Sem Durão não teria havido Santana, e sem Santana não teria havido Sócrates – não daquela maneira, pelo menos –, pelo que a dívida que o homem já tinha para com Portugal não há ordenado da Goldman Sachs que possa pagar. Agora fica a acumular dívida portuguesa com dívida europeia: o impacto político da sua ida para chairman da empresa em Londres é enorme, e a UE não merecia ter de lidar com mais isto neste momento. Veja-se o que se disse da sua contratação por essa Europa fora, com Marine Le Pen à cabeça, via Twitter: “Barroso na Goldman Sachs: nenhuma surpresa para quem sabe que a UE não serve os povos, mas a alta finança.” É isto que vai ser dito e repetido até à náusea. A nova opção de carreira de Durão Barroso encaixa como uma luva na narrativa da extrema-direita e da extrema-esquerda. Em boa verdade, nem é preciso ir aos extremos. Ana Catarina Mendes mostrou no sábado o que o PS pensa do assunto: “Durão Barroso foi presidente da Comissão Europeia nos piores anos do projeto europeu. E que prémio podia ele ter? Ficar naquela que foi a principal causadora da destruição dos direitos sociais na União Europeia.”
É claro que definir a Goldman Sachs como “a principal causadora da destruição dos direitos sociais na União Europeia” é absolutamente patético e demonstra como hoje em dia a esquerda do PS e o Bloco de Esquerda diferem tanto entre si quanto Dupond e Dupont. Aliás, se o mundo “neoliberal” fosse tão a preto e branco como o pintam, e a Goldman Sachs o Big Brother do capitalismo planetário, certamente que não teria ficado a arder, como ficou, com 834 milhões de dólares no BES. Ninguém passa a perna à Goldman? Pelos vistos, Ricardo Salgado passou. Mas este não é tempo para discutir subtilezas. Bem ou mal, com argumentos exagerados ou não, a verdade é que a Goldman Sachs se tornou numa sinédoque da selvajaria do mercado de capitais, tanto em Portugal como na China. O seu nome é tóxico, e certamente que Durão Barroso lê suficientes jornais para saber isso.
Assim sendo, por que é que aceitou o convite, quando ainda há dois meses apareceu todo pintalegrete no Expresso a exibir o seu magnífico estatuto na Universidade de Princeton? A justificação que desta vez apresentou ao semanário não é menos patética do que as declarações de Ana Catarina Mendes: “É-se criticado por ter cão e por não ter. Se se fica na vida política é porque se vive à conta do Estado, se se vai para a vida privada é porque se está a aproveitar a experiência adquirida na política.” Uma resposta tão medíocre quanto esta é indigna da sua inteligência – e da nossa. Durão Barroso tem consciência das implicações da sua decisão, mas está-se simplesmente nas tintas. Já Passos Coelho, quando se trata de proteger os da sua tribo, parece não ter consciência de coisa alguma: em vez de fazer como António Costa, que se limitou a um desejo irónico de felicidades, optou por uma longa e palavrosa defesa do ex-presidente da Comissão Europeia. Perdeu uma óptima oportunidade para ficar calado.

Parabéns, ó Barroso!
Público, 15/07/2016
Desculpa tratar-te por tu mas não resisto. É verdade que não te conheço pessoalmente mas, para mim, és um herói como os jogadores da selecção a quem estamos autorizados a tratar por tu pela intimidade que com eles fomos criando diariamente na sua odisseia por terras de França.
Odisseia que não é superior à tua. Para mim, já és, com toda a justiça, uma figura mítica como um Vasco da Gama ou um Afonso de Albuquerque que povoam o nosso imaginário nacional. E só os invejosos poderão achar que estou a exagerar.
Também tu deste – quase ia escrevendo “destes” na emoção com que te escrevo... – novos mundos ao mundo enquanto levantavas bem alto o nome de Portugal por essas terras da estranja fora. Esta lança que cravaste no novo continente ao conseguires o lugar de chairman (!) e consultor no maior banco de investimento norte-americano só pode ter uma classificação: sublime!
As reacções dos invejosos de todo o mundo – sobretudo franceses ressabiados com a vitória no Stade de France dos teus companheiros no Olimpo – só vêm sublinhar o teu admirável feito ao saltar do topo da Europa para um dos topos da América. Esses miseráveis Moscovicis, Désires e outros a criticarem-te e a falarem de falta de ética devem estar a ver-se ao espelho.
Só quem não conhecesse a fibra de que és feito poderá ter ficado surpreendido com este teu acrobático salto. Eu lembro-me bem que quando estavas cá no topo nacional também soubeste dar o salto para Bruxelas, com evidente sacrifício pessoal mas em nome de uma nobre missão: defender os interesses nacionais em terras bárbaras. Com esse teu salto, homenageaste, de uma forma inesquecível, a epopeia dos portugueses que também iam a salto para França.
Depois, enquanto estiveste nesse teu exílio nunca se te ouviu um queixume, uma palavra de desagrado. Lembro-me bem que nesse teu esforço de bem servir, quando foste obrigado a ir passar umas curtas férias à Grécia, soubeste fazê-lo de forma a não onerar o orçamento da Comissão Europeia. São pequenos pormenores a que os comentadores, sempre prontos a criticar, não sabem dar valor mas que definem uma personalidade, um carácter.
Quero dizer-te que tenho acompanhado a tua brilhante carreira política sempre com o coração nas mãos e com a certeza que procuras sempre servir o teu país da melhor maneira. És aquilo que se chama um “político de mão cheia”, uma figura ímpar no panorama nacional e internacional.
A recente publicação no Reino Unido do relatório do Irak Inquiry com conclusões devastadoras quanto à forma como foi decidida a invasão do Iraque enganando tudo e todos numa sinistra cruzada contra os infiéis, infelizmente, não dá o devido valor à tua participação nessa – mais uma – odisseia da tua vida. Sim, lamentavelmente, neste relatório, na parte que respeita à histórica cimeira dos Açores em que o teu papel – como todos nós vimos – foi determinante, o teu nome nem sequer é referido!
A histórica Cimeira dos Açores em 16 de Março de 2003, para o tal Sir John Chilcot autor deste mísero relatório, só contou com a presença do senhor Blair, do presidente Bush e do primeiro-ministro Aznar. Basta este facto para se perceber a falta de fiabilidade e profundidade deste relatório. Mas – e isso é o que importa – alguém ouviu de ti uma queixa? Uma reclamação? Exigiste o teu lugar ao sol junto dos responsáveis? Não!
Soubeste – como sempre – calar o que certamente te ia na alma, mostrando, uma vez mais a tua resiliência. Veio este relatório, mais uma vez, reafirmar a inexistência de armas de destruição maciça no Iraque. É por demais evidente que esse tal Sir nunca te ouviu, numa evidente manifestação de parcialidade. Eu não me esqueço que, na altura da invasão, declaraste publicamente no nosso país que tinhas visto as provas da existência dessas armas que justificavam aos olhos da opinião pública a invasão. Enfim, esse tal de Chilcot fica bem na companhia dos Moscovicis e outros que tais.
A terminar e quanto a esta tua ida para a Goldman Sachs – um nome gravado a letras de ouro nesta difícil construção da Europa – não posso deixar de lembrar as tuas lapidares palavras: “É-se criticado por ter cão e por não ter. Se se fica na vida política é porque se vive à conta do Estado, se se vai para a vida privada é porque se está a aproveitar a experiência adquirida na política”. Brilhante e arrasador, como sempre. Ou ainda, nas palavras de Morais Sarmento, um comentador insuspeito: "Ele vai desempenhar um lugar para o qual nunca um português foi nem é provável que seja tão brevemente convidado. Não é um lugar de representação, um alto-comissário para os refugiados”.
Sim, tu não és um palhaço pobre a tratar das misérias dos desgraçados que ainda sofrem as consequências da invasão do Iraque. Como tu próprio disseste: “Podia ter aceitado ocupações mais tranquilas, mas gosto de posições de desafio”. Ah, ganda Durão Barroso, és tu e a Goldman Sachs!
Advogado, francisco@teixeiradamota.pt

Nenhum comentário: