Hoje, já ninguém se atreveria a exprimir-se da forma tão
sonoramente descortês como o fez Guerra
Junqueiro, no seu «Finis Patriae», na altura da indignação pátria contra
o Ultimatum inglês de ocupação dos territórios do interior da África,
que se estendiam entre as fronteiras de Angola e Moçambique, pintadas a cor de
rosa no mapa:
Ó cínica Inglaterra, ó bêbeda impudente,
Que tens levado, tu, ao negro e à escravidão?
Chitas e hipocrisia, evangelho e aguardente,
Repartindo por todo o escuro continente
A mortalha de Cristo em tangas d'algodão.
Que tens levado, tu, ao negro e à escravidão?
Chitas e hipocrisia, evangelho e aguardente,
Repartindo por todo o escuro continente
A mortalha de Cristo em tangas d'algodão.
A tua bíblia! o teu Cristo!... A tua bíblia é uma
agenda
Em que a virtude heróica a cifras se reduz.
……………
Em que a virtude heróica a cifras se reduz.
……………
Até nos sentimos embaraçados com a virulência do longo
ataque, pobres que somos e tão destemidos na descortesia, mas serve a
referência para apoiar os dizeres do leitor José Amaral, que nas Cartas à
Directora, expõe um parecer em abono de Junqueiro « É que a
velha Albion nunca gostou de repartir os seus pertences; pelo contrário, viveu
séculos coloniais à custa de outros povos e civilizações.»
Os
versos de Junqueiro servem, pois, apenas de complemento a um conceito
generalizado sobre a arrogância forte de um país civilizador de mundos, porque
grande conquistador, e permanecendo isolado, embora mantendo o seu domínio
sobre zonas que há muito desejariam ser livres, o que destrói uma ideia de
coesão nacionalista no Reino Unido. O RU soube impor-se na CEE de que fez
parte, mas aos valores democráticos subjacentes aos económicos que a ela
presidiram, outras artimanhas de visões e outros comportamentos dos povos dessa Comunidade e
das políticas belicistas dos povos em redor, fizeram destruir a harmonia da
União Europeia. Os textos que seguem informam conscienciosamente sobre tais
dados, o do historiador Rui Tavares historiando o percurso inglês de
isolacionismo versus desejo de complementaridade europeia.
O
futuro a Deus pertence, é o slogan dos homens manhosos que tudo fazem para
traçar o seu futuro de acordo com os interesses próprios, sem acreditar em
Deus. Até nós temos um BE empenhado no seu futurozinho malandro, que irá avante
se não se erguerem outros valores que contrariem tão extraordinário
atrevimento. E não será António Costa que o vai contrariar.
1 -Orgulhosamente
sós, ou o princípio do fim?
José Amaral, VNGaia
Público, 27/6/2016 ()
O
Reino Unido votou e escolheu meter-se na sua concha deixando a UE, à qual nunca
pertenceu de corpo inteiro.
É
que a velha Albion nunca gostou de repartir os seus pertences; pelo contrário,
viveu séculos coloniais à custa de outros povos e civilizações.
Agora,
vamos ver se a UE se reforça, unindo-se em torno deste revés, ou se se
desagrega em várias ilhas cercadas de muitas fronteiras.
Resumindo:
parece que o sonho de Jean Monnet começou a desintegrar-se.
2- Projecto europeu versus valores europeus?
Pedro Jordão
Quando o embrião de uma “ideia europeia” nasceu no
pós-guerra, 60 milhões de seres humanos tinham perdido as vidas numa tentativa
de integração dos povos europeus sob uma visão única, unificada e impositiva.
Após esse trauma, o ideal de uma associação pacífica de europeus definiu-se em
torno de valores civilizacionais como a Liberdade,
o Primado dos Cidadãos,
a Tolerância. E
a Democracia.
Mas hoje alguns apresentam-se como “defensores da Europa” de um modo que a
desfigura.
O
“projecto europeu” não é um “valor”. É uma visão, uma opção. Existem múltiplas
opções, todas legítimas. Federalismo, confederalismo, mercado comum, geometrias
variáveis de envolvimento, entre outras. As opções devem ser pensadas.
Decididas pelos cidadãos porque eles são a
Democracia. Os valores europeus não podem ser despedaçados, sob pena de o
“projecto europeu” se transfigurar num perigoso objectivo sem alma nem
legitimidade, algo que poderia ser monstruoso e que nada, mas nada mesmo, tem
que ver com os ideais que nos inspiraram.
Não
sou eurocéptico nem eurofanático. Não sou de direita e recuso os (dois)
populismos que fingem ser opostos. Todos os dias estou em contacto com pessoas
de todas as regiões do mundo, ideologias ou religiões. Os meus amigos estão
espalhados pelo mundo, inseridos em culturas e visões distintas. Não sou
xenófobo, pelo contrário. E todos os dias, num ambiente interdependente em que
se diluem distâncias ou fronteiras, lido com fórmulas de interagir com as
consequências do processo sistémico que conhecemos como globalização (que a
maioria dos políticos europeus cita mas não compreende). Defendo uma Europa de
convergência natural, não forçada. Hoje, ser-se “bom europeu” impõe que se
aponte o perigoso ataque dirigido aos valores europeus, exercido por muitos
daqueles que se ostentam como “europeístas” puros.
Dos
valores europeus pouco resta neste “processo”. Como reconheceu um dos poucos
grandes estadistas da Europa, o europeísta Giscard d’Estaing, às escondidas dos
cidadãos está-se a construir, por passos sucessivos dissimulados, algo que se
esconde aos cidadãos. É uma Europa federal, um superestado europeu, e para tal
se presume que, passo a passo, se desmontem gradualmente a soberania, a
identidade e, em última fase, a independência dos países, a transformar
lentamente em regiões de um poder quase imperial centrado em Bruxelas. Na
verdade esta opção, entre outras, é também legítima. Para qualquer verdadeiro
democrata, tolerante e defensor da liberdade, é legítimo ser-se
euro-entusiasta, eurocéptico ou ter outras visões. O que é intolerável e
perigoso é que se tenha imposto um modelo de pensamento único, que é esse, que
tem que ser esse, que não tem discussão. O que é grave é que não se admita que
os cidadãos pensem ou (supremo pecado) que decidam sobre o seu futuro, que se
combata aquilo que se designa por Democracia, um dos pilares inspiracionais da
Europa.
Os
valores europeus são desprezados. Liberdade? Não é permitida a liberdade de
divergência ou mesmo dúvidas sobre a opção federalizante e quem o faça é
apelidado de eurocéptico como se se tratasse de uma classificação criminosa,
como se pensar ideias alternativas fosse agora uma heresia, um crime. Um
político europeu chamou-lhe “vírus”.
Aqui poderá estar uma embrionária “Inquisição”. É assustador. Tolerância? Outro
valor ignorado quando não se aceita, antes se combate ferozmente, a imaginação
criativa sobre o futuro europeu, se não enquadrável no modelo conceptual
imposto. Democracia, um supremo valor do “ideal europeu”? Já não se fala na
“Europa dos Cidadãos”, algo que aterroriza os defensores da visão indiscutível.
Muitos não sabem conviver com a noção de que os cidadãos são a única base
totalmente genuína da Democracia.
Desde
que o Reino Unido teve a coragem democrática de deixar os cidadãos decidir o
seu próprio futuro, o que se vê nas declarações políticas europeias e nos
“convenientes” comentadores é o “horror” perante a possibilidade de outros
países conduzirem essa criminosa actividade que consiste em deixar os cidadãos
decidir, na pureza da Democracia. Nesta dinâmica impositiva a Democracia é
vista como um perigo. A vontade dos Cidadãos é tratada como uma ameaça
subversiva. Políticos europeus agressivamente consideram David Cameron
“irresponsável” por ter consultado os seus cidadãos. É esta a Europa dos
Cidadãos e dos Valores Europeus? Ou o verdadeiro Projecto Europeu foi
sequestrado por políticos que destilam aversão à liberdade, intolerância
perante outras visões, antidemocrático ódio pela ideia de os cidadãos
decidirem? Instalou-se o medo de comentar, de ter ideias, de questionar, de
criar. Os europeus estão a perder dignidade.
Talvez,
afinal, os piores europeus sejam aqueles que falam em “europeísmo” em cada
minuto enquanto destroem os valores europeus. E, a avaliar pela ferocidade com
que desejam punir o Reino Unido como exemplo dissuasor para outros países com
tentações democráticas, esta perversão dos valores europeus irá recriar o ódio
na Europa. E, no futuro, talvez o conflito.
3- A Inglaterra decidiu perder a guerra
Não
uma, não duas, mas pelo menos quatro vezes a Inglaterra lutou até ao fim
contra a possibilidade de ser isolada do continente: em 1713, 1815, 1918 e 1945
conseguiu impedir esse destino que lhe queriam impor. Até que neste nosso
século, com um mercado único europeu criado à sua medida, decidiu mandar a sua
história borda fora. Ainda em 2015 celebrou a vitória de Waterloo contra o
“bloqueio continental”. Em 2016 decidiu dar a Napoleão tudo o que ele queria e
ainda atirar de bónus a Escócia.
Vale
a pena lembrar que para todas essas guerras Portugal foi arrastado, recrutado,
invadido, ocupado e tiranizado. Foi assim que a nossa frágil República se
perdeu e que tivemos uma ditadura de 48 anos. E agora que a Inglaterra —
acompanhada apenas de Gales — decidiu atirar-se para dentro de um poço sem
consultar os seus mais velhos aliados não admira que há quem nos diga que a
água lá no fundo deve estar bem fresquinha.
Melhor
pensar um pouco antes de saltar. Os ingleses e galeses escolheram o tipo de
soberania que está na moda entre políticos à cata de voto fácil: a
soberania-como-propaganda. Em troca têm um primeiro-ministro demitido mas que
não se vai embora, um ministro das Finanças que não fala ao país (nem na
véspera da reabertura dos mercados), e um trio de dirigentes da campanha
vencedora que não se dignam a aparecer em público enquanto os seus
lugares-tenentes aproveitam para desmentir todas as promessas que fizeram: não
vai haver dinheiro a mais para os hospitais, não vai haver imigração a menos e
para haver acesso ao mercado único continuará a ser necessário obedecer às
regras da UE.
Perante
o vazio de poder que se instalou em Londres é em Edimburgo, na Escócia,
que se tomam decisões, se explicam ideias claras, se admitem as dificuldades e
se descreve o rumo a tomar. Nicola Sturgeon, a líder do governo escocês que
quer continuar na UE, é um exemplo de como ser patriota, europeísta,
progressista e responsável perante os seus concidadãos pode hoje em dia ser a
mesma coisa: convidando os cidadãos europeus a permanecer na Escócia,
declarando que o país iniciará contactos para se manter na União e que o
parlamento escocês não tomará nenhuma decisão sobre o "Brexit" sem
defender a maioria de escoceses que votaram pela UE. Concorde-se ou não, está
no seu posto e não fugiu às responsabilidades, ao contrário dos supostos
eurocéticos que nunca apresentaram um plano e continuam sem um. É a diferença
entre a soberania propriamente dita e a soberania-como-propaganda.
Com
a saída do Reino Unido da UE o “bloco liberal”, composto por este país, os
escandinavos e os Países Baixos, perde a sua minoria de bloqueio na UE. Resta a
maioria pró-austeridade que ainda existe no Conselho. Isso torna ainda mais
importante o resultado das eleições de ontem em Espanha. Nas eleições
do ano passado a esquerda espanhola teve nas mãos uma oportunidade de
convergência e não a quis agarrar. Seria bom que, se os resultados o
permitirem, houvesse agora sentido de responsabilidade para se formar um
governo anti-austeridade. Pelos espanhóis e por todos nós.
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