Foi Eça de Queirós que nos deixou um conto maravilhoso
sobre uma fortuna obtida ao simples toque de uma campainha, por artes e manhas
aliciadoras do Belzebu, a um amanuense, Teodoro, ser magro e corcovado, do muito curvar ante os superiores
responsáveis da sua subsistência diária. O toque representaria a morte do
Mandarim na distante China, e a herança incalculável que dele receberia, com
esse seu simples gesto - um mundo de felicidade e bem-estar, de consideração
alheia e de arrogância específica resultante da muita riqueza provinda desse
toque. A ambição e o desespero ante as suas imutáveis condições de vida de
desprezado social o fazem ceder um dia à proposta tentadora. Toca a campainha,
enriquece num fausto jamais visto, a consideração alheia supera qualquer
expectativa, mas o remorso de ter matado o Mandarim o persegue – pretexto para
uma maravilhosa viagem à China na inútil tentativa de devolução da fortuna à
família do Mandarim.
Transcrevo apenas a parte final do conto:
E a vós, homens, lego-vos apenas, sem
comentários, estas palavras: “Só sabe bem o pão que dia a dia ganham as nossas
mãos: nunca mates o Mandarim!”
E todavia, ao expirar, consola-me
prodigiosamente esta ideia: que do Norte ao Sul e do Oeste a Leste, desde a
Grande Muralha da Tartária até as ondas do Mar Amarelo, em todo o vasto Império
da China, nenhum Mandarim ficaria vivo, se tu, tão facilmente como eu, o
pudesses suprimir e herdar-lhe os milhões, ó leitor, criatura improvisada por
Deus, obra má de má argila, meu semelhante e meu irmão!
Vem o conto a propósito da nossa profunda sabedoria,
na artimanha de comer as sopas do Mandarim, que tantos contribuímos para matar
e bem nos aviámos, sem escrúpulos, numa dívida que teríamos todos forçosamente
que pagar, excepto, talvez, os que souberam arrecadar os proventos do Mandarim
em ignotos e edénicos sítios.
Mas ontem foi um dia feliz para nós, portugueses, e
também para os espanhóis, por as sanções por incumprimento nosso de acordos que
pendiam sobre a Península Ibérica terem sido eliminadas por alguns
representantes da U E que se mostraram compinchas. No entanto, o artigo
seguinte mostra a falta de unanimidade nas votações sobre o sancionamento, e
assim o transcrevo, para termos presente a espada pendente ainda sobre as
nossas cabeças, caso queiramos continuar às sopas do Mandarim. Devemos ter sempre em conta os seus
descendentes, ou puros representantes, imaculados e escrupulosos que são, na
moral:
Presidente do Eurogrupo “desapontado” com recomendação
da Comissão
Público,
27/07/2016
Dijsselbloem
estava à espera de que a conclusão de que Portugal e Espanha não tomaram uma
acção efectiva tivesse consequências.
O
presidente do Eurogrupo mostrou esta quarta-feira estar desiludido com a
decisão da Comissão Europeia de recomendar o cancelamento da aplicação de
multas a Portugal e Espanha.
Num
comunicado citado pela agência Reuters, Jeroen Dijsselbloem afirmou “ser
desapontante que não haja uma sequência para a conclusão de que Espanha e
Portugal não tomaram uma acção efectiva para consolidar os seus orçamentos”.
O
presidente do grupo que reúne os ministros das Finanças da zona euro afirmou
ainda que “tem de ser claro que, apesar de todos os esforços já adoptados,
Espanha e Portugal estão ainda em perigo”.
A
recomendação da Comissão de não
aplicação de multas a Portugal e Espanha é precisamente dirigida ao
conselho, composto pelos governos dos vários países da UE. Num cenário
considerado pouco provável, caso uma maioria qualificada do conselho não
concordasse com a recomendação da Comissão, a decisão poderia ser alterada.
Jeroen
Dijsselbloem disse ainda, de acordo com a Reuters, que iria
esperar que a Comissão clarificasse a sua decisão e, depois, discutir o tema
com os outros países da zona euro.
E não posso resistir a transcrever mais um belo soneto
de sabedoria básica que nos transmitiu António Botto:
Homem que vens de
humanas desventuras,
Que te prendes à vida, te enamoras,
Que tudo sabes mas que tudo ignoras,
Vencido herói de todas as loucuras.
Que te prendes à vida, te enamoras,
Que tudo sabes mas que tudo ignoras,
Vencido herói de todas as loucuras.
Que te ajoelhas
pálido nas horas
Das tuas infinitas amarguras
E na ambição das causas mais impuras
És grande simplesmente quando choras.
Das tuas infinitas amarguras
E na ambição das causas mais impuras
És grande simplesmente quando choras.
Que prometes
cumprir para esquecer,
E trocando a virtude no pecado
Ficas brutal se ele não der prazer.
E trocando a virtude no pecado
Ficas brutal se ele não der prazer.
Arquitecto do
crime e da ilusão,
Ridículo palhaço articulado,
Eu sou teu companheiro, teu irmão.
Ridículo palhaço articulado,
Eu sou teu companheiro, teu irmão.
António Tomaz Botto (n. em Concavada, Abrantes a 17 Ago 1897 , m. no Rio de Janeiro
a17 Mar 1959)
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