Os povos auto-apelidados do primeiro mundo – o mundo da
cultura, da educação - e que defendem a igualdade social para se saírem bem no
retrato, (mas ai dos que, vindos de baixo, atinjam tal parâmetro igualitário –
nunca perderão o carisma rácico para esses, sobretudo se não tiverem petróleo
para competir e transaccionar) – logo tropeçam nos instintos primários
específicos da “bête humaine” quando as coisas lhes não correm na feição da
superioridade de que fazem gala. Não foram ingleses esses que em Marselha
provocaram desacatos graves no início do campeonato cuja taça os portugueses
conquistaram? Nessa altura, as desordens seriam mais contra os franceses que a
todos acolhiam, e que apareciam como rivais, o RU devia ter mais cuidado com a
imagem de civismo que pretende fazer passar desde a Magna Carta, não tão real
assim, os instintos da corrosiva inveja são comuns ao rico como ao pobre, bem se
vê. Porque, para todos os efeitos, uma saída de tão baixo calibre num jornal
tão reputado como esse que se pronunciou sobre o estado de espírito das
porteiras portuguesas e o lixo francês (que bem poderia incluir o lixo desse
jornal inglês que nelas fala), é bem reveladora dum incomensurável
desequilíbrio espiritual e moral de quem o escreveu e de quem lhe permitiu a publicação, prova de que a
educação, como princípio administrado nos seus colégios, não passa disso. De
princípio. Para inglês ver. E o mundo admirar bacocamente, julgando que é real.
Mas lá, como cá, há de tudo. Como na botica. Como em todo o lado, afinal. Sem, sequer o
espírito do Charlie hebdo.
O nosso Guerra Junqueiro é que não teve receio de chamar
cínica e bêbeda impudente a uma Inglaterra mais poderosa nesse tempo e mais
incontidamente desprezadora ainda, por a democracia e a tal solidariedade, travadora
de instintos, estarem menos na moda, então.
Os nossos jornalistas, do DN e do CM, dos textos infra,
subentendem igual crítica, mas mais
educadamente, segundo o modelo do politicamente correcto dos nossos tempos de
palmadinhas nas costas, pela frente, tempos em que já não há mais terras em cor
de rosa (no mapa) para confiscar – e só petróleo para transacionar por armas -
embora haja sanções económicas para quem não proceder segundo as normas, as
quais, por vezes, só esses se podem dar ao luxo de transgredir com a
necessária elegância do mais ricaço, num mundo de cada vez mais pobretanas e
azarados.
Editorial
O
futebol e as porteiras
DN, 10/7/16
O
Campeonato Europeu acaba hoje sem que nenhuma seleção tenha conseguido
realmente impressionar pela qualidade e a beleza do futebol jogado. Foi um
Europeu desportivamente aborrecido. Como sempre, as equipas Cinderela -
Portugal já o foi em tempos não distantes - consomem o interesse e os elogios
dos comentadores especializados, que se alimentam da novidade e de um toque de
sentimentalismo para aumentar o interesse de uma competição que acontece quando
os melhores futebolistas já estão demasiado cansados para entusiasmarem. Desta
vez, Islândia e o País de Gales - sem dúvida boas surpresas - foram os mais
elogiados, embora na verdade nenhum deles tenha espantado assim tanto no
relvado. Já Portugal tem sido demolido com especial primor do princípio ao
fim da prova. É verdade que a seleção treinada por Fernando Santos chega à
final depois de um percurso demasiado sofrido e facilitado - não encontrou
tenores pela frente. É de elementar justiça aceitar que jogou pouco, mas
na realidade fez sempre o suficiente para chegar à eliminatória seguinte. Também
não beneficiou de penáltis-fantasma - pelo contrário, Ronaldo sofreu duas
grandes penalidades em momentos-chave que poderiam ter facilitado o percurso,
talvez soltando um pouco mais o jogo dos não assim tão medianos futebolistas portugueses.
Talvez faça sentido recordar que a França - com um campeonato também ele
sofrível - ganhou à Alemanha, mas o primeiro golo foi conseguido através de um
penálti pouco evidente, sem ele talvez a história fosse diferente. Quando
os italianos jogam mal e ganham, o que acontece muitas vezes, tantas vezes,
fala-se enfaticamente da invenção do catenaccio - a célebre armadura
defensiva - como se fosse a invenção da máquina a vapor, um contributo
extraordinário para a espetacularidade do jogo e não o extremar tático do
esforço defensivo. Portugal ainda não tem direito a cunhar táticas com nome
estiloso. Simplesmente, é uma má seleção, dizem os críticos, um grupo fraco
e com sorte, carradas dela. E Cristiano Ronaldo, a quem já começam a escrever o
obituário desportivo - apesar de isso ignorar todas as estatísticas e o
contributo que ele dá para tornar excitante um desporto tantas vezes sonolento
e sobrevalorizado -, tem sofrido na pele toda a espécie de dislates. É
espantoso que, num meio onde quase todos os protagonistas cultivam egos XXL,
apenas o de Ronaldo irrite tanta gente. Não há muito a fazer quanto a isto
- exceto jogar bem, jogar melhor. Mas há um outro assunto. Ontem, na página
2 do Financial Times, escreveu-se que, se Portugal ganhar hoje o Europeu,
amanhã as porteiras de Paris irão deitar fora o lixo mais felizes. Que
imagem tão... adequada e elegante, não é? Carlos Tavares, o CEO da Peugeot,
português de Lisboa, o homem que está a dar vida à marca francesa de
automóveis, talvez se junte a elas - seria esclarecedor. Quanto à bola, é
deixá-la rolar.
Porteiras de Portugal
Octávio Ribeiro
Correio da Manhã, 6/7/16
O desdém francês é sinal de medo do nosso futebol. Numa
receção de gala, em Paris, o embaixador de então, um grande português, viu-se
sujeito às piadas chauvinistas de um ministro francês. Esse grande senhor da
diplomacia lusa respondeu à provocação sobre a nossa atual insignificância com
o sorriso frio e um golpe de génio: "Não imagina V. Exª a rede de
informações que temos montada em Paris, com as nossas porteiras e os nossos
taxistas." O francês quase se engasgou, no temor deste capilar poderio
luso. Claro que não há qualquer rede portuguesa em França, para lá da dos
afetos e das remessas financeiras. Mas o receio deste governante francês é
metáfora do ambiente que a imprensa francesa tem montado em torno da nossa seleção.
É de medo este desdém. Se ‘Máriá’, a humilde porteira, lograsse comprar o
duplex da cobertura do prédio, deixaria de ser olhada como doce e gentil.
Passaria a megera meridional. Os povos pobres só são fraternos se
continuarem pobres, fracos e servis. Nunca serão vistos como iguais. Os ideais
filosóficos de 1789 depressa volveram botas napoleónicas. Os filhos dos
nossos emigrantes merecem o orgulho de chegar à final. Boa sorte, jogadores!
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