Mil palavras – dez mil talvez –
que definem uma imagem - a de uma capa funcionando como símbolo – de um novo
PSD mercantil e pimpão, na sua forma de ascensão ascética valorizando o seu
representante - espécie de “homem da Regisconta”, executivo da mala, iniciando
a subida da escada, com contas e cifrões à sua volta, e a palavra “success”
complementando-a. Trata-se da capa das 222 PROPOSTAS SOCIAL-DEMOCRATAS (Para
um verdadeiro programa nacional de reformas) que o dedo sagaz de José Pacheco
Pereira condenou, descrevendo-lhe o
simbolismo, com o negativismo da sua superioridade intelectual que, apesar da irascibilidade
que provoca, tão tendencioso e
insistente é na sua agressividade desconcertante e paradoxal, sem uma
réstia de reconhecimento, não só da gravidade do contexto provocador da austeridade
imposta pelo governo anterior, como da honorabilidade do homem Passos Coelho,
não deixamos de admirar pela sagacidade da reflexão e expressividade e
sabedoria do descritivo.
O texto segue, infelizmente
sem a imagem do desenho, texto que merece ser meditado pela nossa juventude de
empenhos na ascensão, pela mediocridade da sua formação:
Uma
imagem que vale mil palavras
02/07/2016 Tópicos
Costuma dizer-se que uma
imagem vale mil palavras e esta, seguramente, vale mais que mil pelo que nos
diz sobre o actual curso do neo-PSD. Pode sempre dizer-se que em si não tem
muita importância, – e não tem, – que pode ter sido um lapso ou uma desatenção,
ou que não justifica que se perca muito tempo com ela. Mas merece, porque ela é
tudo isso e mais do que isso. É “reveladora”, ilumina muita coisa que é dita e,
acima de tudo, muita coisa que não é dita, na vida, nas ideias, no imaginário, visto
que se trata de uma imagem de natureza religiosa, plena de referências muito
antigas à imagética ocidental de carácter escatológico. Trata-se de uma imagem
desprovida de conteúdo político explícito e especialmente de conteúdo político
social-democrata, mas densa de ideologia e espiritualidade. A ideologia é má e
a espiritualidade é banal e “new age”, mas é o que é. A imagem é um tratado
sobre a mentalidade, sobre um certo autodidactismo que se sobrepõe à formação
académica ou à falta dela e, principalmente, fala-nos sobre os mecanismos de
representação do mundo, e do desejo de o atravessar com sucesso, da actual
direcção do PSD. É também uma imagem que revela a “cultura” do consumidor da
Internet, via Facebook e “redes sociais”. A imagem é, aliás, um compósito
copiado de outras imagens de um site na Internet, mas a natureza desse
compósito num documento político é que é relevante e original. Que tenha
passado pela cabeça de responsáveis de uma instituição tão importante na vida
de um partido como um Grupo Parlamentar, onde hoje se senta também Passos Coelho,
é que é “revelador”.
Que imagem é esta de que de certeza o leitor nunca
ouviu falar? Da capa da edição em papel de 222 Propostas Social-Democratas, um
guião para um “verdadeiro programa nacional de reformas”, de autoria do Grupo
Parlamentar do PSD. Uma espécie de programa do governo, apresentado sobre as
cinzas do célebre guião de copy-paste de Portas e que se pretende contrapor ao
Plano Nacional de Reformas do PS, o “falso programa de reformas”, a que alude o
“verdadeiro”. O documento merece discussão em si, mas a capa merece-o muito
mais. Porque a capa é original, mesmo se copiada, a única coisa original no
plano simbólico que vi produzida pelo PSD nos últimos anos. Já vi muita coisa
no PSD, a começar pelo canto do “menino guerreiro”, mas ainda devo continuar
capaz de me surpreender.
A capa tem no centro, como motivo principal, uma
imagem de carácter religioso: a célebre Escada da Divina Ascensão, subida por
João Clímaco a caminho do Paraíso. João Clímaco era também conhecido como “João
da Escada”. Há vários ícones orientais representando-a, exactamente da mesma forma
que aqui o PSD a representa. Só que, aqui, é o Homem da Regisconta que a sobe
com o seu fato de executivo e segurando a mesma pasta que é a sua marca
inconfundível. A versão é a do Homem da Regisconta visto por trás, afastando-se
de nós a caminho do Paraíso e, para saber o caminho, tem uma espécie de folha
de rascunho, de apontamentos de uma reunião, um workshop empresarial, ou
motivacional, que funciona como um blueprint para a salvação. Melhor: tem um “business
plan”. Esse mapa para o divino lugar, implica o uso da informática, da “social
media”, do marketing, do “business”, da estratégia e de uma panóplia de
gráficos de barras e “pie charts” habituais em documentos empresariais e, de
novo, nos cursos de gestão de baixa qualidade. Numa demonstração de grande
originalidade, uma ideia nova é representada pela lâmpada da banda desenhada e
está lá ao lado de um cifrão. Peço desculpa por usar muitas palavras em inglês,
mas é em inglês que está escrita a folha negra com instruções para o caminho
para o “sucesso” com ponto de exclamação: “success!!”.
Cada degrau é um passo a caminho do Paraíso, que, no
Tratado de João Clímaco, se inicia pelo ascetismo e termina pela plena
perfeição das virtudes: Aqui, também o Homem da Regisconta sobe uma mesma
escada no cumprimento do “business plan” escrito nas paredes, onde o negro
predomina para nos ofuscarmos com a luz sagrada da ascese. Como acontece com
muitas das imagens deste tipo, inscritas mesmo que inconscientemente no nosso
imaginário, há uma mescla de caverna de Platão, da escatologia cristã oriental,
posteriormente revista por uma imagética de natureza maçónica. Sim, porque a
imagem é igualmente uma metáfora maçónica, o que não é de admirar no neo-PSD
onde predomina a obediência a várias maçonarias, algumas bem pouco
recomendáveis. O caminho para a “luz”, que espreita detrás de um buraco de
fechadura, igualmente copiadas de um site na Internet, repete uma imagética
maçónica que associa os “mistérios” a um buraco de fechadura, cuja abertura
representa essa iniciação na plena sabedoria. Resumindo e concluindo: o homem
dos dias de hoje, um jovem executivo, ou um profissional de marketing, ou um
diligente “jota”, tem nesta imagem sagrada a sua forma de aceder ao divino, ou
seja, ao sucesso.
O que é que isto tem a ver com o Estado? Nada. Com
reformas políticas? Nada. Com o povo e a melhoria das suas condições de vida?
Nada de nada. Com uma mensagem política subliminar? Sim. É uma mensagem para o
indivíduo, porque é do sucesso individual que se trata no mundo do “empreendedorismo”,
não para um país, ou uma comunidade, uma classe ou uma nação. É uma mensagem
esforçada e antiquada, com décadas de atraso, para o “homem da Regisconta” do
início da informática e da entrada das máquinas de calcular e da moderna gestão
no mundo empresarial. Nem sequer é para o yuppie da bolsa, nem o criativo das
dot.com, nem para as start-up. Na verdade há muita incompetência e muita
ignorância nestas incongruências, mas pouco importa.
É pelo “negócio” que se chega à salvação. É pela
vulgata da linguagem dos “business plan” que se encontra o caminho para a “luz”
ou seja, para o “sucesso”. O neo-PSD dos nossos dias pensa assim, ou seja, não
pensa, tem uma fé. Na prática, quase tudo o que faz é de outra natureza, muito
mais antiquada, a gestão de cunhas e acordos, de controlos e influências, mas
precisa de “espírito”, de uma espécie de religião barata e que não dê muito
trabalho e vai procurá-lo aqui. Não é uma religião verdadeira, é mais uma
seita, uma confraria, uma irmandade, uma loja.
O que é que isto tem a ver com o PSD no seu conjunto
e, acima de tudo, na sua história e identidade? Nada. É uma ideologia neófita
de parte do aparelho que hoje controla o partido. Faço justiça a muitos
dedicados militantes, por exemplo, nas autarquias, que não querem saber disto
para nada. Aprenderam com a sua acção a ser muito mais terra-a-terra e a não
ter ilusões com esta maravilhosa escada para a “luz”. Sabem muito bem, com um
saber de experiência feito, como é a usura da política quotidiana. São
católicos, apostólicos romanos, muitos não são praticantes, muitos são até
naturalmente pouco ou nada religiosos e não querem saber deste mambo jambo
maçónico para nada. Já cá estavam antes e vão continuar a cá estar depois. Mas
este caminho hoje seguido pelos neo-PSDs faz imensos estragos naquele que é o
maior partido político português e, por essa via, a Portugal. Quem deve estar a
rabiar naquele título e por baixo dos pés do Homem da Regisconta é a palavra
“social-democrata”, essa sim que não caminha para o buraco da fechadura
iniciática mas para servir de capacho ao “Homem da Regisconta” que lhe volta as
costas. É aliás esse o lugar que tem na capa. De facto as imagens falam com
muito mais que mil palavras.
Historiador
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