sexta-feira, 29 de julho de 2016

O terrorismo funciona sempre



Sempre funcionou. Quer se chame esclavagismo, pirataria, massacre, nazismo, estalinismo, formas várias de violência, tudo isso funciona enquanto dura, efémero, como todas as coisas, mas eterno enquanto dura, como manto de escuridão que se abate sobre os povos, instalando o medo e é isso que conta. Se consegue impor-se definitivamente, também julgo que não, cada macaco no seu galho, cada religião defendendo os seus princípios, por muita liberdade e pensamento libertino que se vá estabelecendo num mundo a perder noções do Bem e a ganhar cada vez mais formas de prática do Mal, sempre a resvalar, em ondas sucessivas de pânico e acalmia, obrigando cada vez mais o homem a estar atento e a defender-se, passada a surpresa, guardada a dor, bolando para a frente. Esta forma de terrorismo obsceno – como todos, de resto - terá o seu tempo. Outras formas virão, ainda em incubação, na irrequietude dos universos de inconstância, cada vez mais inesperados e assustadores.
Um breve comentário este, ao texto sólido de João Miguel Tavares:

O terrorismo assusta. Mas funciona?
Público, 15/07/2016
A resposta rápida à pergunta do título é “não”. Não, o terrorismo não funciona, e não digo isto no sentido simbólico, mas no sentido histórico e contabilístico: se exceptuarmos o terrorismo que foi (algum, ainda é) colocado ao serviço de movimentos de luta pela independência de um país, não há memória de um grupo terrorista que tenha alcançado os objectivos políticos a que se propôs. Na altura em que somos confrontados com mais uma tragédia em França, sendo altamente provável que muitas outras venham a acontecer, é preciso resistir com o mesmo empenho aos terroristas e aos discursos catastróficos sobre o terrorismo. É claro que isto afecta o nosso modo de vida, exige maior segurança nas cidades e uma revisão urgente da cultura de (não) integração das comunidades islâmicas; mas é igualmente claro que as nossas sociedades democráticas, capitalistas e liberais continuarão livres, solidárias, pujantes e os melhores lugares do mundo para se viver.
A investigadora Page Fortna, da Universidade de Columbia, publicou há cerca de um ano um estudo intitulado Do Terrorists Win? Rebel’s Use of Terrorism and Civil Wars Outcomes no qual analisou 104 grupos rebeldes a combater em guerras civis desde 1989, muitos dos quais utilizando métodos de violência indiscriminada contra a população. A delimitação temporal de Fortna tem a vantagem de deixar de fora os grupos que recorreram ao terrorismo na época das descolonizações, tanto em África como no Médio Oriente, ao mesmo tempo que relembra que quer estejamos a falar do Daesh ou da Al-Qaeda os atentados no Ocidente, apesar de toda a sua cobertura mediática, são um part-time: a maior parte do tempo os seus membros estão a combater em guerras civis, seja no Afeganistão, na Síria ou no Iraque. Quando Page Fortna compara a capacidade dos grupos terroristas com a dos grupos não-terroristas para derrubarem governos, verifica-se que a eficácia dos segundos é muito superior à dos primeiros, que é praticamente nula. A investigadora resumiu assim as suas conclusões: “Sim, os grupos terroristas são assustadores, mas dessa capacidade para assustar não deriva qualquer eficácia política ou militar.”
Eu sinto-me sempre obrigado a repetir isto de cada vez que há um atentado terrorista, porque o próprio acompanhamento mediático destes acontecimentos convida às mais desvairadas suposições. Quem ouça certos comentadores parece que a instituição do califado no coração da Europa é só uma questão de anos, dada a lamentável fragilidade do nosso sistema – talvez em 2022, como no último livro de Michel Houellebecq. Calma. O terrorismo é excelente a prolongar conflitos durante anos, através de acções espaçadas, de baixa intensidade e que envolvem muito poucos meios, mas a única conquista política que alcançarão é algum medo, alguns recrutas e nada mais.
O 11 de Setembro foi uma grande vitória para a Al-Qaeda, mas a médio prazo aquilo que Osama bin Laden conseguiu foi assinar a sua sentença de morte e a sentença de morte do seu grupo, que hoje é uma sombra do que já foi. O Daesh faz – ou outros fazem por ele – atentados espectaculares na Europa, mas as suas chefias são dizimadas e o seu território diminui de dia para dia, apesar de todos os voluntários oriundos do Ocidente. Estes são os factos. Os ataques nas nossas cidades certamente que se irão repetir, de formas trágicas e engenhosas. Mas nenhum grupo terrorista é capaz, só por si, de mudar radicalmente o nosso modo de vida.

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