Sempre funcionou. Quer se
chame esclavagismo, pirataria, massacre, nazismo, estalinismo, formas várias de
violência, tudo isso funciona enquanto dura, efémero, como todas as coisas, mas
eterno enquanto dura, como manto de escuridão que se abate sobre os povos,
instalando o medo e é isso que conta. Se consegue impor-se definitivamente,
também julgo que não, cada macaco no seu galho, cada religião defendendo os
seus princípios, por muita liberdade e pensamento libertino que se vá estabelecendo
num mundo a perder noções do Bem e a ganhar cada vez mais formas de prática do
Mal, sempre a resvalar, em ondas sucessivas de pânico e acalmia, obrigando cada
vez mais o homem a estar atento e a defender-se, passada a surpresa, guardada a
dor, bolando para a frente. Esta forma de terrorismo obsceno – como todos, de
resto - terá o seu tempo. Outras formas virão, ainda em incubação, na
irrequietude dos universos de inconstância, cada vez mais inesperados e
assustadores.
Um breve comentário este, ao
texto sólido de João Miguel Tavares:
O terrorismo assusta. Mas funciona?
Público, 15/07/2016
A resposta rápida à pergunta
do título é “não”. Não, o terrorismo não funciona, e não digo isto no sentido
simbólico, mas no sentido histórico e contabilístico: se exceptuarmos o
terrorismo que foi (algum, ainda é) colocado ao serviço de movimentos de luta
pela independência de um país, não há memória de um grupo terrorista que tenha
alcançado os objectivos políticos a que se propôs. Na altura em que somos
confrontados com mais uma tragédia em França, sendo altamente provável que
muitas outras venham a acontecer, é preciso resistir com o mesmo empenho aos
terroristas e aos discursos catastróficos sobre o terrorismo. É claro que isto
afecta o nosso modo de vida, exige maior segurança nas cidades e uma revisão
urgente da cultura de (não) integração das comunidades islâmicas; mas é
igualmente claro que as nossas sociedades democráticas, capitalistas e liberais
continuarão livres, solidárias, pujantes e os melhores lugares do mundo para se
viver.
A investigadora Page Fortna, da Universidade de
Columbia, publicou há cerca de um ano um estudo intitulado Do Terrorists Win?
Rebel’s Use of Terrorism and Civil Wars Outcomes no qual analisou 104
grupos rebeldes a combater em guerras civis desde 1989, muitos dos quais
utilizando métodos de violência indiscriminada contra a população. A
delimitação temporal de Fortna tem a vantagem de deixar de fora os grupos que
recorreram ao terrorismo na época das descolonizações, tanto em África como no
Médio Oriente, ao mesmo tempo que relembra que quer estejamos a falar do Daesh
ou da Al-Qaeda os atentados no Ocidente, apesar de toda a sua cobertura mediática,
são um part-time: a maior parte do tempo os seus membros estão a combater em
guerras civis, seja no Afeganistão, na Síria ou no Iraque. Quando Page Fortna
compara a capacidade dos grupos terroristas com a dos grupos não-terroristas
para derrubarem governos, verifica-se que a eficácia dos segundos é muito
superior à dos primeiros, que é praticamente nula. A investigadora resumiu
assim as suas conclusões: “Sim, os grupos terroristas são assustadores, mas
dessa capacidade para assustar não deriva qualquer eficácia política ou
militar.”
Eu sinto-me sempre obrigado a repetir isto de cada vez
que há um atentado terrorista, porque o próprio acompanhamento mediático destes
acontecimentos convida às mais desvairadas suposições. Quem ouça certos
comentadores parece que a instituição do califado no coração da Europa é só uma
questão de anos, dada a lamentável fragilidade do nosso sistema – talvez em
2022, como no último livro de Michel Houellebecq. Calma. O terrorismo é
excelente a prolongar conflitos durante anos, através de acções espaçadas, de
baixa intensidade e que envolvem muito poucos meios, mas a única conquista
política que alcançarão é algum medo, alguns recrutas e nada mais.
O 11 de Setembro foi uma grande vitória para a Al-Qaeda,
mas a médio prazo aquilo que Osama bin Laden conseguiu foi assinar a sua
sentença de morte e a sentença de morte do seu grupo, que hoje é uma sombra do
que já foi. O Daesh faz – ou outros fazem por ele – atentados espectaculares na
Europa, mas as suas chefias são dizimadas e o seu território diminui de dia
para dia, apesar de todos os voluntários oriundos do Ocidente. Estes são os
factos. Os ataques nas nossas cidades certamente que se irão repetir, de formas
trágicas e engenhosas. Mas nenhum grupo terrorista é capaz, só por si, de mudar
radicalmente o nosso modo de vida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário