Comezinhas, ao que parece. Sei que nada sei nem
saberei, mas, se soubesse, quem sabe se não
utilizaria o meu saber com idêntica sabedoria à desses sabedores? O
certo é que os exemplos de tais saberes vão alastrando pelo mundo com cada vez
mais eficiência e usufruto.
Nem sei que dizer. Apenas me limito a transpor da
internet, o sítio por excelência de uma sabedoria prestável e propícia ao
pasmo:
1º texto:
As portas giratórias
DN,9 Julho 2016
A
expressão soa melhor no original, em inglês: "Revolving doors". É de
portas giratórias que falamos quando falamos do fabuloso destino profissional
de Durão Barroso, escolhido para ser o presidente não executivo da Goldman
Sachs, o "banco do Mundo". É de portas giratórias que falamos quando
queremos identificar os caminhos seguidos por uma bem urdida teia que funde
interesses corporativos com agendas políticas. O "banco do Mundo"
para onde agora vai Durão Barroso, ou "a firma", como também é
desdenhosamente apelidado, tem, entre outras medalhas na lapela, a
responsabilidade de ter ajudado a maquilhar, durante anos, as contas públicas
da Grécia. Quando a coisa correu mal, Atenas caiu do Olimpo com o estrondo
conhecido.
A
contratação do ex-presidente da Comissão Europeia e ex-primeiro-ministro de
Portugal só pode deixar boquiabertos os distraídos ou os ingénuos. No final do
ano passado, o "Corporate Europe Observatory", uma organização sem
fins lucrativos que se dedica à denúncia e divulgação de más práticas lobistas
em Bruxelas, publicou uma investigação interessante: depois de abandonar
funções, Durão Barroso assumiu um papel mais ou menos ativo em 22 organizações
diferentes. E nove dos 26 comissários da segunda Comissão Barroso que haviam deixado
o cargo em 2014 passaram pelas tais portas giratórias em direção a corporações
com links a grandes interesses económicos. No aparentemente entediante mundo de
Bruxelas, gere-se poder e criam-se leis e regulamentos que afetam 500 milhões
de pessoas, vulgo clientes.
Todos
temos direito a alimentar ambições profissionais, e a classe política não deve
ser impedida de ter um emprego uma vez fora do seu habitat natural. Mas há
casos gritantes como este de Durão Barroso, em que só nos é dada a oportunidade
de termos futuro porque tivemos um determinado passado.
Não
deixa, igualmente, de ser irónico que o mandato do ex-primeiro-ministro
português na presidência da União Europeia tenha coincidido com os anos
negros da economia no Velho Continente e que tenha sido precisamente um dos
rostos mais diabólicos do conjunto dos predadores financeiros que arrastaram
países para o fundo a escolhê-lo como empregador.
A
ironia (leia-se descaramento) consegue ser tão refinada, que essa mesma Europa
deambulante pós-Barroso que mobilizou a saída do Reino Unido esteja agora na
base dos motivos invocados pelo gigante Goldman Sachs para recorrer aos
serviços de Durão: "mitigar os efeitos negativos" do Brexit.
As
portas giratórias são um mistério da carpintaria. Não fecham. Só abrem.
2º Texto:
O grande facilitador
Pedro Marques Lopes
D.N, 10/7/16
Durão
Barroso nunca foi um político, foi alguém que andou na política. Estar
na política pressupõe ter como primeiro pensamento servir os outros. Ora, o
sócio do Clube Bilderberg, o professor do Instituto Politécnico de Macau, o
membro do conselho internacional da Ópera de Madrid, o chairman da UEFA
Foudation for Children, o professor convidado da Universidade de Princeton, o
homem do Institute of Public Policy de Belgrado, o consultor da McDonough, o
administrador do The European, o presidente da Fundação do Palácio de
Belas-Artes de Bruxelas, o copresidente do centro europeu para a cultura, o
presidente honorário da European Business Summit, o administrador de mais uma
série de conselhos e palestrante em tudo o que é sítio nunca esteve interessado
em servir a comunidade. O homem sempre foi um facilitador.
E
depois de ter andando a construir, com cuidado e habilidade, a sua carreira,
chegou ao topo: tornou-se o facilitador-mor. O homem que vai facilitar para o
maior banco de "investimentos" do mundo, o Goldman Sachs. Esse banco
que alberga tudo o que são indivíduos que se disfarçaram de políticos para
depois poderem facilitar melhor. Essa organização de rapazes e raparigas de poucos
escrúpulos e muita ganância.
O
Durão, de banca, não percebe nada, mas também ninguém lhe exige que saiba.
Durão vai para facilitar. Pega no smartphone, acede à lista de contactos que
pacientemente foi construindo e dá uma palavrinha pelo seu novo patrão. Parece que
também vai ajudar o Goldman a "mitigar" os efeitos do brexit. Uma
nota de humor, pois claro. Não deixa de ser cómico que um dos maiores
responsáveis pelo estado a que a União Europeia chegou, e que em grande parte
levou a que a Grã-Bretanha saísse, venha agora cobrar para ajudar uma empresa a
suavizar os efeitos dessa saída. Talvez não seja humor, talvez seja mesmo um
gigantesco nojo.
Para
atingir o lugar cimeiro da arte de facilitar foi preciso passar por várias
fases e cumprir várias etapas. Não se chega a grande facilitador assim do pé
para a mão. Facilitando uma cimeira nos Açores chegou a presidente da Comissão
Europeia, facilitando e dizendo ámen a tudo o que vinha da Sra. Merkl lá foi
mantendo o cargo, entre muitas outras facilitações menores.
Quer
lá Durão Barroso saber que a Goldman Sachs tenha estado no cerne da crise que
ainda estamos a viver, que este banco seja o verdadeiro símbolo de tudo o que
levou ao caos financeiro. Que essa organização tenha sido a campeã do subprime,
que tenha ajudado a esconder défices para depois especular e ganhar fortunas
com esses próprios défices. Quer lá ele saber que "esse supermercado de
especulação e risco", nas palavras do jornalista do Le Monde Marc Roche
tenha ajudado a semear desemprego e miséria por esse mundo fora. Quer ele,
sobretudo, lá saber que a sua ida para este banco deteriora de uma maneira
gravíssima a imagem de toda a classe política: um indivíduo que vai facilitar
negócios aproveitando toda a rede de contactos que adquiriu enquanto presidente
da Comissão Europeia e que vai pôr ao dispor de um banco de investimentos tudo
o que sabe sobre o funcionamento e a estratégia dos países europeus. Digamos
que fez um estágio na Comissão, recolheu números de telefone na agenda, tirou
as informações relevantes e agora vai facilitar.
Sim,
este homem foi primeiro-ministro de Portugal e presidente da Comissão Europeia.
Um tipo que andou a estagiar para grande facilitador nos cargos por onde
passou. Com indivíduos como este não admira que a imagem da classe política
esteja na lama e que a Europa tenha chegado aonde chegou.
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