segunda-feira, 11 de julho de 2016

Coisas mirabolantes



Comezinhas, ao que parece. Sei que nada sei nem saberei, mas, se soubesse, quem sabe se não  utilizaria o meu saber com idêntica sabedoria à desses sabedores? O certo é que os exemplos de tais saberes vão alastrando pelo mundo com cada vez mais eficiência e usufruto.
Nem sei que dizer. Apenas me limito a transpor da internet, o sítio por excelência de uma sabedoria prestável e propícia ao pasmo:

1º texto:
As portas giratórias
DN,9 Julho 2016
A expressão soa melhor no original, em inglês: "Revolving doors". É de portas giratórias que falamos quando falamos do fabuloso destino profissional de Durão Barroso, escolhido para ser o presidente não executivo da Goldman Sachs, o "banco do Mundo". É de portas giratórias que falamos quando queremos identificar os caminhos seguidos por uma bem urdida teia que funde interesses corporativos com agendas políticas. O "banco do Mundo" para onde agora vai Durão Barroso, ou "a firma", como também é desdenhosamente apelidado, tem, entre outras medalhas na lapela, a responsabilidade de ter ajudado a maquilhar, durante anos, as contas públicas da Grécia. Quando a coisa correu mal, Atenas caiu do Olimpo com o estrondo conhecido.
A contratação do ex-presidente da Comissão Europeia e ex-primeiro-ministro de Portugal só pode deixar boquiabertos os distraídos ou os ingénuos. No final do ano passado, o "Corporate Europe Observatory", uma organização sem fins lucrativos que se dedica à denúncia e divulgação de más práticas lobistas em Bruxelas, publicou uma investigação interessante: depois de abandonar funções, Durão Barroso assumiu um papel mais ou menos ativo em 22 organizações diferentes. E nove dos 26 comissários da segunda Comissão Barroso que haviam deixado o cargo em 2014 passaram pelas tais portas giratórias em direção a corporações com links a grandes interesses económicos. No aparentemente entediante mundo de Bruxelas, gere-se poder e criam-se leis e regulamentos que afetam 500 milhões de pessoas, vulgo clientes.
Todos temos direito a alimentar ambições profissionais, e a classe política não deve ser impedida de ter um emprego uma vez fora do seu habitat natural. Mas há casos gritantes como este de Durão Barroso, em que só nos é dada a oportunidade de termos futuro porque tivemos um determinado passado.
Não deixa, igualmente, de ser irónico que o mandato do ex-primeiro-ministro português na presidência da União Europeia tenha coincidido com os anos negros da economia no Velho Continente e que tenha sido precisamente um dos rostos mais diabólicos do conjunto dos predadores financeiros que arrastaram países para o fundo a escolhê-lo como empregador.
A ironia (leia-se descaramento) consegue ser tão refinada, que essa mesma Europa deambulante pós-Barroso que mobilizou a saída do Reino Unido esteja agora na base dos motivos invocados pelo gigante Goldman Sachs para recorrer aos serviços de Durão: "mitigar os efeitos negativos" do Brexit.
As portas giratórias são um mistério da carpintaria. Não fecham. Só abrem.

2º Texto:
O grande facilitador
Pedro Marques Lopes
D.N, 10/7/16
Durão Barroso nunca foi um político, foi alguém que andou na política. Estar na política pressupõe ter como primeiro pensamento servir os outros. Ora, o sócio do Clube Bilderberg, o professor do Instituto Politécnico de Macau, o membro do conselho internacional da Ópera de Madrid, o chairman da UEFA Foudation for Children, o professor convidado da Universidade de Princeton, o homem do Institute of Public Policy de Belgrado, o consultor da McDonough, o administrador do The European, o presidente da Fundação do Palácio de Belas-Artes de Bruxelas, o copresidente do centro europeu para a cultura, o presidente honorário da European Business Summit, o administrador de mais uma série de conselhos e palestrante em tudo o que é sítio nunca esteve interessado em servir a comunidade. O homem sempre foi um facilitador.
E depois de ter andando a construir, com cuidado e habilidade, a sua carreira, chegou ao topo: tornou-se o facilitador-mor. O homem que vai facilitar para o maior banco de "investimentos" do mundo, o Goldman Sachs. Esse banco que alberga tudo o que são indivíduos que se disfarçaram de políticos para depois poderem facilitar melhor. Essa organização de rapazes e raparigas de poucos escrúpulos e muita ganância.
O Durão, de banca, não percebe nada, mas também ninguém lhe exige que saiba. Durão vai para facilitar. Pega no smartphone, acede à lista de contactos que pacientemente foi construindo e dá uma palavrinha pelo seu novo patrão. Parece que também vai ajudar o Goldman a "mitigar" os efeitos do brexit. Uma nota de humor, pois claro. Não deixa de ser cómico que um dos maiores responsáveis pelo estado a que a União Europeia chegou, e que em grande parte levou a que a Grã-Bretanha saísse, venha agora cobrar para ajudar uma empresa a suavizar os efeitos dessa saída. Talvez não seja humor, talvez seja mesmo um gigantesco nojo.
Para atingir o lugar cimeiro da arte de facilitar foi preciso passar por várias fases e cumprir várias etapas. Não se chega a grande facilitador assim do pé para a mão. Facilitando uma cimeira nos Açores chegou a presidente da Comissão Europeia, facilitando e dizendo ámen a tudo o que vinha da Sra. Merkl lá foi mantendo o cargo, entre muitas outras facilitações menores.
Quer lá Durão Barroso saber que a Goldman Sachs tenha estado no cerne da crise que ainda estamos a viver, que este banco seja o verdadeiro símbolo de tudo o que levou ao caos financeiro. Que essa organização tenha sido a campeã do subprime, que tenha ajudado a esconder défices para depois especular e ganhar fortunas com esses próprios défices. Quer lá ele saber que "esse supermercado de especulação e risco", nas palavras do jornalista do Le Monde Marc Roche tenha ajudado a semear desemprego e miséria por esse mundo fora. Quer ele, sobretudo, lá saber que a sua ida para este banco deteriora de uma maneira gravíssima a imagem de toda a classe política: um indivíduo que vai facilitar negócios aproveitando toda a rede de contactos que adquiriu enquanto presidente da Comissão Europeia e que vai pôr ao dispor de um banco de investimentos tudo o que sabe sobre o funcionamento e a estratégia dos países europeus. Digamos que fez um estágio na Comissão, recolheu números de telefone na agenda, tirou as informações relevantes e agora vai facilitar.
Sim, este homem foi primeiro-ministro de Portugal e presidente da Comissão Europeia. Um tipo que andou a estagiar para grande facilitador nos cargos por onde passou. Com indivíduos como este não admira que a imagem da classe política esteja na lama e que a Europa tenha chegado aonde chegou.

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