Ainda bem que vão aparecendo pessoas ambiciosas de poder, mesmo que
aparentem desestabilizar o mundo em que vivemos. Tal implica leituras,
conceitos, movimentação, formação, evolução, embora, connosco, o termo
estagnação venha mais facilmente ao nosso pensamento do que progressão, a nossa
juventude parecendo mais virada para os prazeres efémeros, dadas as fracas
hipóteses de uma prestação laboral reconhecida. João Miguel Tavares duvida, contudo, que outros motivos movam Santana Lopes que os da ambição de poder
e é essa a imagem que aparenta, há muitos anos, de tentativas de acesso
facilmente abortadas. Quanto a Marine Le
Pen, inicialmente, suspensa da sua guerrilha ideológica com a vitória de E.
Macron, pôde retomar a sua verve destrutiva dos valores democráticos, escudada
nos DDT do mundo. E o mundo gira assim, e talvez não seja mau que assim seja,
embora a movimentação grevista da esquerda, no caso português, pelo menos, só
traga destruição – a destruição de um povo sem grandes competências
intelectuais, mas docilmente obedientes às vozes protectoras dos que os apoiam,
escudados, aparentemente, em doutrina, mas não em ética e indiferentes ao
estado económico de um país de muita laracha e pouco empenhamento no trabalho
real. Cá e lá más fadas há. Mas JMT encontra aspectos positivos na formação de
mais um partido por cá, que poderá reforçar um governo mais à direita, ou mais
ao centro, afinal, já que A. Costa está de pedra e cal no posto que usurpou, de
gente que o aceitou. Depende das alianças que escolher, mas julgo que não
abandonará os amigos de agora, pese embora a retoma das greves, que
inicialmente permaneceram em pousio, por deferência dos parceiros. Dois textos
de JMT, julgo que clarividentes.
I - OPINIÃO
Marine Le Pen na Web Summit – será que pode?
Dentro daquilo que são os meus valores fundamentais,
Boaventura Sousa Santos e Marine Le Pen são apenas irmãos desavindos.
JOÃO MIGUEL TAVARES
PÚBLICO, 16 de
Agosto de 2018
Muito me tenho eu divertido com o entra-e-sai
do nome de Marine Le Pen da lista de oradores da próxima Web Summit, mais as
reacções descabeladas que tenho visto por aí. Como bom liberal que sou,
qualquer político ou académico nacionalista, colectivista, proteccionista e
iliberal está nos antípodas de tudo aquilo em que acredito, seja ele de
extrema-direita ou de extrema-esquerda. Dentro daquilo que são os meus valores
fundamentais, Boaventura Sousa Santos e Marine Le Pen são apenas irmãos
desavindos – ambos admitem o uso de
políticas autoritárias e cerceadoras das liberdades individuais como forma de
alcançar objectivos ideológicos, e a tolerância para com essa mecânica
autocrática é muito mais importante para mim do que qualquer diferença nos
objectivos que pretendam alcançar. Um é mais amigo de Nicolás Maduro, Evo
Morales e Daniel Ortega; a outra prefere Putin, Orbán ou Trump; mas ambos
odeiam de morte o liberalismo e, muito provavelmente (embora não o admitam
abertamente), a democracia liberal.
O caso é interessante por a Web Summit ter o
apoio do governo português. É
questionável que os nossos impostos devam servir para patrocinar intervenções
da senhora Le Pen no Pavilhão Atlântico. Tal como é questionável que
sirvam para pagar a actuação da Banda do Exército em manifestações de
propaganda ao regime venezuelano. Ou a transformação dos departamentos de
ciências sociais das universidades portuguesas em campos de treino e
recrutamento da extrema-esquerda. O
problema está na duplicidade de critérios – a intolerância para com a
extrema-direita contrasta com a tolerância para com a extrema-esquerda – e numa
manipulação da linguagem que descamba rapidamente em desrespeito pela liberdade
de expressão. E aí, sim, tocam numa das minhas vacas sagradas.
Desde
logo, Marine Le Pen é apelidada de fascista, racista e até nazi. Problema:
ela não admite ser nada disso. Defender que a França deve ser dos franceses não
é o mesmo que defender que a França deve ser dos cristãos brancos. Ser
nacionalista, embora triste, não é o mesmo que ser fascista, racista ou nazi.
Dir-se-á: Le Pen não o diz abertamente porque não pode, mas lá no fundo é o que
pensa. Talvez sim. Mas então usem o mesmo critério em relação ao Partido
Comunista, que na aparência se diz democrático, mas lá no fundo, no fundo, quer
é instituir uma ditadura do proletariado e continua a defender a Síria e a
Coreia do Norte.
O problema do deslizamento dos
conceitos é evidente no comunicado do SOS Racismo sobre o caso. “O racismo
não é uma opinião”, dizem. Na verdade, o racismo é precisamente isso –
uma opinião, um juízo subjectivo que reflecte uma forma pré-concebida de ver o
mundo. O racismo é um preconceito discriminatório, moral e juridicamente
inaceitável no século XXI – mas isso não significa que possa ser eliminado
enquanto opinião. O racismo não é, isso sim, uma verdade científica. Tal como o
criacionismo não pode ser ensinado em escolas, também o racismo não pode ser
propagado por instituições respeitáveis. Daí não decorre, contudo, que os
racistas devam ser impedidos de falar – e muito menos Marine Le Pen, que afirma
não o ser. O convite à senhora Le Pen é polémico, sem dúvida. Mas bem mais grave é isto: há uma mania muito contemporânea de querer
cortar o pio às opiniões que consideramos abjectas. E isso representa um
retrocesso político escandaloso para quem acredita no respeito pela liberdade
de pensamento e de expressão.
II - OPINIÃO
Aliança: divorciar à direita para casar
à esquerda?
Em termos ideológicos, aquilo
que o Aliança vem acrescentar ao sistema político é zero. Há mais divergências
ideológicas dentro do PS do que aquelas que irão existir entre o PSD de Rui Rio
e o Aliança de Pedro Santana Lopes.
JOÃO MIGUEL TAVARES
PÚBLICO, 21 de Agosto de 2018
Eu não votaria em Pedro
Santana Lopes nem para delegado de turma, mas isso não significa que a sua
intuição política deva ser desvalorizada. Santana foi esperto: esta
era a altura certa para criar um novo partido à direita, aproveitando o
descontentamento que reina no PSD, a apatia do CDS e a dificuldade que o PS
sempre terá em chegar à maioria absoluta. Imaginem que António Costa fica a
dois ou três deputados dos 116 e que o novo partido de Santana Lopes tem esses
dois ou três deputados — de repente, o novo Aliança pode conseguir um
protagonismo, e um poder, que jamais alcançaria noutra conjuntura política.
Era agora ou nunca.
Dir-me-ão: se é para casar com António Costa, o que não falta são
pretendentes. Desde logo, Rui Rio. Certo. Mas isso é pressupor
que a formação do Aliança se justifica por razões ideológicas, e que Santana só
decidiu avançar porque havia uma bonita horta da direita portuguesa que Rio tem
deixado ao abandono. Não é nada
disso. É tudo, e só, uma questão de influência e acesso ao poder, porque é
precisamente a isso que está reduzida a mansa política portuguesa pós-Passos.
Em termos ideológicos, aquilo que o
Aliança vem acrescentar ao sistema político é zero. Há mais divergências ideológicas dentro do PS do que aquelas que irão
existir entre o PSD de Rui Rio e o Aliança de Pedro Santana Lopes.
Leram a descrição do “espaço
político” que o partido quer ocupar, segundo o Expresso?
É o banalíssimo espaço do centro-direita português, onde cabe tudo aquilo que
lá se queira enfiar, e que vai do CDS à direita do PS. O Aliança diz que vai ser “um partido personalista,
liberalista e solidário”, o que significa coisa nenhuma. “Europeísta, mas sem dogmas”, o que dá para
tudo. Disposto a enfrentar “a agenda
moral da extrema-esquerda”, o que é banal como um bocejo. Preocupado com
a “cultura”, a “inovação”, a “justiça”, a “desertificação” e o “mar” (juro).
E, sobretudo — vade retro! —
um partido desejoso de “evitar rótulos e preconceitos ideológicos infundados”.
É típico cozido à portuguesa. Tudo para
dentro da panela. Onde a cada momento soprar o vento, lá estará Santana Lopes a
largar as velas.
Poupem-me, já agora, a
comparações com o movimento que levou Macron ao Eliseu ou com o papel do
Ciudadanos. Esses deram uma resposta inovadora a sistemas políticos em
desagregação acelerada, e a sua mais-valia foi a apresentação de caras novas em
regimes velhos. Ora, se Santana Lopes é uma cara nova, eu sou
o Lourenço Ortigão. Ideologicamente falando, Santana não tem nada para oferecer, e é até ridículo a Iniciativa
Liberal estar a acusá-lo de roubar as suas ideias. Santana nunca foi, e nunca
será, um liberal — e até já deixou claro que o seu novo partido será
conservador nos costumes.
Aquilo que Santana tem, e
pode ser proveitoso para certos descontentes do PSD que vão ficar fora das
listas de Rio, é capacidade discursiva, reconhecimento público, palco mediático
e tarimba política — e isso significa capacidade de colocar deputados em São
Bento, que é mais do que qualquer novo partido tem para oferecer. Note-se ainda
que há vários movimentos independentes pelo país surgidos via autárquicas (Rui
Moreira, desde logo), e que se Santana conseguir agregar esses movimentos pode
alcançar resultados surpreendentes fora de Lisboa. O momento era mesmo este — e
Santana intuiu isso bem. Mas
ponham de lado as reflexões ideológicas, se faz favor. É de poder puro e
simples que estamos a falar.
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