Estas “Férias” de Alberto Gonçalves que durante
um mês o deixam arredado das escritas semanais, e tenho pena – afinal eram só
quatro artigos em Setembro, que, porque são bons, não deviam desaparecer deste
nosso cenário sem férias de tolices que por aqui se praticam e a ele não
custariam muito a esculpir, para os sem férias, pelo menos, (sem férias de
computadores, de que o progresso esplendorosamente nos rodeou) – dizia eu,
pois, que as “Férias” de Alberto
Gonçalves me fizeram recordar as de “M. Hulot”, hilariantes, como já o fora o “Mon Oncle” desempenhado pelo mesmo desajeitado Jacques Tati, espécie de geringonça
destruidora do aprumo e boas maneiras requeridas na sociedade de elites dos
anos sessenta. Mas não julgo que Alberto Gonçalves se risse
com a seriedade desengonçada de Jacques
Tati a causar destroços, pois não é esse o fito da sua sátira sinuosa
a respeito das férias dos novos tempos que apontam por vezes para uma nova
forma de elitismo cultural pela evasão física por longas paragens,
indiscutivelmente enriquecedoras culturalmente, se se traduzirem em algo mais
do que descanso na praia ou no campo. Mas deixo para um comentarista – Cipião
Numantino – a análise do seu artigo «Ir Longe…», com
a sua carga irónica, de quem nos reconhece o atraso e o pedantismo, elegendo,
com AG, o “dolce far niente” ou o
doce faz o que te apetece de
um repouso tranquilo de férias.
Procuro antes,
preguiçosamente, na Internet, como Curiosidades para as nossas
férias, os seguintes items:
- Origem da palavra FÉRIAS: Apesar
de bem diferentes, as palavras férias em
português, e vacation, em
inglês (cognata de vacaciones,
em espanhol, e vacances, em
francês) têm origem no latim. As
palavras de que derivam, entretanto, são diferentes. Enquanto férias vem
de feriae (= dias em
que os romanos não trabalhavam por razões religiosas), vacation vem de vacationem (= lazer ou folga do
trabalho), que por sua vez deriva de vacare (= vazio, livre). Duas palavras
em português, uma comum e outra incomum, também derivam indirectamente de vacare: vácuo (espaço vazio) e vacuidade (= qualidade ou estado de vazio, ausência ou falta).
A palavra férias aparece também nas
seguintes entradas: trégua – 7
sinónimos: Suspensão, interrupção (do
trabalho); descanso, repouso, pausa; férias; armistício
- Campo lexical de FÉRIAS: brincadeira / alegria / lazer / passeios / cinema / arraiais /
concertos / verão /praia / calor. Acrescento “regresso temporário ao lar, à terra”,
dos emigrantes…
- Etimologia da palavra Feira: A
palavra vem do latim e significa féria,
"dia de festa". Na alta idade média, por influência da
Igreja, os nomes dos dias da semana, com excepção de sábado e domingo,
eram designados em latim: secunda
feria, tertia feria... Das
línguas românicas, a única que adoptou essa designação foi o português, e
desde a origem do idioma. Em sentido litúrgico, o
latim féria corresponde a "dia de festa", "dia de
repouso", "dia feriado". Porém, como nesses dias era
costume os mercadores levarem as suas mercadorias para mostrarem, em praça
pública, aos frequentadores das festividades religiosas, as expressões secunda
feria, tertia feria... passaram a denominar os dias da semana. Foi
perdida a noção original de "dia de repouso", devido ao predomínio
das "feiras" comerciais sobre as "férias" litúrgicas. Fonte: CUNHA, António Geraldo
da. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1992.
E para dar uma de risonhas
“férias” a este triste comentário defraudado, ainda da Internet extraio, do “Auto dos Mistérios da Virgem ou de Mofina Mendes”, do seu entrecho
profano, a cena de dança da desastrada pastora Mofina nome simbólico de desdita, feliz com o pote de azeite com que o amo Paio Vaz a
despede, imagem da nossa imprevidência como país e do conceito pessimista
subentendido na fala final de Mofina Mendes:
Paio Vaz: Pois Deus quer que pague e peite tão daninha pegureira,
em pago desta canseira toma este pote de azeite e vai-o vender à feira; e
quiçais medrarás tu o que eu contigo não posso.
Mofina Mendes: Vou-me à feira
de Trancoso logo, nome de Jesus, e farei dinheiro grosso. Do que este azeite
render comprarei ovos de pata, que é a coisa mais barata que eu de lá posso
trazer; e estes ovos chocarão; cada ovo dará um pato, e cada pato um tostão,
que passará de um milhão e meio, a vender barato. Casarei rica e honrada por
estes ovos de pata, e o dia que for casada sairei ataviada com um brial de
escarlata, e diante o desposado, que me estará namorando: virei de dentro
bailando assim dest’arte bailado, esta cantiga cantando.
Estas cousas diz Molina Mendes
com o pote de azeite à cabeça e, andando enlevada no baile, cai-lhe, e diz:
Paio: Agora posso eu dizer, e
jurar, e apostar, que és Mofina Mendes
toda.
Pessival: E s’ela baila na
boda, qu’está ainda por sonhar, e os patos por nascer, e o azeite por vender, e
o noivo por achar, e a Mofina a bailar; que menos podia ser?
Vai-se Mofina Mendes,
cantando.
Mofina: Por mais que a dita
me enjeite, pastores, não me deis guerra; que todo o humano deleite, como o meu
pote de azeite, há-de dar consigo em terra.
Ir longe: subsídios para uma análise
inútil às férias de Verão /premium
OBSERVADOR, 24/8/2018
A crónica pediu férias do dr.
Costa, do prof. Marcelo, da dona Catarina do alojamento local, dos comunistas
festivos, da oposição muda e, em suma, de um país que, contado ou visto, não se
acredita.
Algures no caminho, as
férias perderam o significado original: a interrupção prevista e regulamentada
do trabalho. Em
princípio, a dispensa do expediente bastaria para legitimar o conceito. O
indivíduo entraria de férias no momento em que, provisoriamente, deixasse de
aparecer no emprego sem risco de despedimento por justa causa ou obrigação de
“baixa” médica. O modo de ocupação desse período deveria ser irrelevante. Ainda
que torrasse as manhãs a dormir, as tardes a sublinhar “A Bola” e as noites a
contemplar anúncios de aparelhos para a surdez na CMTV e na TVI, o indivíduo
cumpriria os critérios que definem as férias e, na altura devida, regressaria à
labuta com a sensação do lazer cumprido.
Sucede que não é assim. O consumismo contemporâneo, que os sacerdotes
da esquerda e do Vaticano justificadamente condenam nos outros, decidiu que as
férias só se consagram se o indivíduo for a algum lado. E não chega um lado
qualquer. Reunir o agregado e arrastá-lo para quinze dias no T2 de um cunhado
na Brandoa pode ser muito lindo (e é), mas não preenche os requisitos. O objectivo
é ir longe, se bem que com condições. A primordial é a proximidade ao mar.
Embora uns poucos passem as férias em cidades no “estrangeiro”, de modo
a poderem queixar-se dos selvagens que, ao invés deles, andam ali a fazer
turismo, o mar comanda a vida da vasta maioria. As caravelas afundaram há
séculos, a frota pesqueira foi desmembrada pela CEE e o país nunca cheirou uma
medalha olímpica na natação. Não obstante, quem nos tira o mar tira-nos tudo.
No que toca às férias, o mar é o equivalente estival dos fins-de-semana
invernais na “neve” (uma obsessão que torna estranhíssima a nossa ausência nos
campeonatos de esqui). Nos inúmeros inquéritos com que os confrontam, os
portugueses não se limitam a gostar do mar: “não conseguem” estar a menos de 7
cm do dito. Não é esclarecido em que se traduziria tal “inconseguimento”. Se,
com requintes de crueldade, mantiverem o indivíduo afastado da praia, ele sofre
um ataque de pânico? Explode? Inscreve-se no PAN?
Certo é que, como dizia o poeta, há mar e mar, há o Dafundo e há
Radhanagar. O gabarito das férias depende da distância entre o mar frequentado
e a residência habitual do banhista. A distância ideal ronda os seis mil
quilómetros, leia-se locais permeáveis aos adjectivos “exótico” e “paradisíaco”
(por razões que percebo perfeitamente, os paraísos medem-se pelo afastamento
face a Portugal; sobre o exotismo tenho dúvidas). Caso, por isto (€) ou por
aquilo (€), o Havaí ou o Vietname não fiquem à mão, sobram os arquipélagos
espanhóis ou Cabo Verde. Caso nem estes dêem jeito (€), há sempre o Algarve.
“O Algarve?”, exclama o interlocutor horrorizado (em geral, eu). “Ah,
não é esse Algarve…”, sossega-nos o veraneante com um sorriso de desdém. E de
seguida baixa a voz e junta a mão à boca para falar de um recanto “totalmente
diferente” das Albufeiras e das Quarteiras do costume, uma Arcádia algarvia
ignorada pela ralé e descoberta, presume-se, pelo próprio veraneante, um Serpa
Pinto moderno e um felizardo. Ele, e os milhares de criaturas que partilham em
segredo semelhante milagre.
Extravagante ou paroquial,
após seleccionarmos o destino, importa alcançá-lo. Para quê? Ora
essa, para descansar, nadar, comer,
beber, ler, conviver, não é? Não é? Ou não é? É. E não é. Explico. Na
Antiguidade Clássica, i.e., antes da invenção das “redes sociais”, as pessoas,
coitadas, viam-se obrigadas por falta de alternativa a cometer de facto as
actividades acima referidas. Hoje, o suplício acabou e as actividades são
meramente instrumentais. As pessoas descansam, nadam, comem, bebem, etc. apenas
o suficiente para fotografar tão grandiosos eventos, publicar as fotografias no
Facebook, no Instagram e Noquecalha e provar aos amigos (força de expressão) o
muito que descansam, nadam, comem, bebem, etc. Limitar o tempo perdido em
disparates permite dedicar o tempo ganho à manipulação do telemóvel, a trocar
figurinhas no campeonato da felicidade de que todos saem vencedores.
É aqui que um destino remoto é fundamental. Um “post” no Facebook
ilustrado pelo retrato da família a trucidar sardinhas no quintal do cunhado
não suscita mais de doze “likes”, nove de pena, dois da família e um de inveja,
este a cargo do desgraçado que nem da Brandoa pôde desfrutar. Imagens de
termómetros, tremoços, pés e criancinhas também não favorecem a aura
cosmopolita. Impõe-se, pois, a identificação geográfica da “selfie”, a qual, no
meio da esplanada, dos cocktails e do sushi e do livro (a escolher), convém
incluir um cartaz toponímico das Maldivas, uma enseada típica de Barbados ou,
em desespero, um ex-libris algarvio, por exemplo o inglês bêbedo ou o
arquitecto cego.
O assunto vem a propósito de
quê? De nada. Acontece que a crónica pediu férias do dr. Costa, do prof.
Marcelo, da dona Catarina do alojamento local, dos comunistas festivos, da
oposição muda e, em suma, de um país que, contado ou visto, não se acredita. E
eu dei-lhe férias. Em Outubro, espero, a crónica retribuirá a generosidade.
Parece uma crónica sem sentido do
nosso estimado AG. Mas a intenção está lá. As férias, meus caros ou, no mínimo,
a ausência delas. Muitos ainda
somos do tempo em que se aperaltava o renault "catrel" ou quem
tivesse mais guita, o estupendo citroen boca de sapo, e eis-nos a emalar a
trouxa e zarpar nem que fosse aqui ao lado para o bairro da Porcalhota ou para
lá do Marão onde sempre mandaram os que lá estão. O fito era mesmo impressionar
os confrades e, por vezes conseguia-se o efeito plenamente, que dava como
prémio de consolação a oferta de um copo três de tintol com alternativa para um
pirulito gasoso que sabia que nem ginjas. Isto era "in illo tempore"
e, como sempre, mudam-se os tempos mudam-se as vontades. Como bem escreveu AG,
as pessoas descansavam. Ou dormiam. Ou jogavam à bisca lambida ou coleccionando
os cromos do futebol. Na província, sobretudo, atacava-se a malha ou jogava-se
o chinquilho no que concerne aos homens enquanto, as mulheres, se entretinham a
costurar um ou dois vestiditos de chita para as petizas e, no resto do tempo,
pois então, toca de costurar a casaca das vizinhas que a maledicência sempre
foi um dos desportos nacionais mais procurados e invocados. De uma forma ou de
outra descansava-se, poorra! Agora a coisa mudou. Ir ao Algarve é já coisa de
pelintra e mesmo que o destino seja passar por Boliqueime, deixou de dar
qualquer pedigree. Cancun, Acapulco e
Riviera Maya, idem aspas. Isso é para a pelintragem dos vizinhos que andam
a pagar o popó às prestações há 120 meses e ainda só se pagou metade,
recomeçando-se o efeito logo que, esta sim, seja uma geringonça que como aquela
que nos governa, abane mais que pinheiro com ventos dominantes de 200 Kms/hora.
Agora almeja-se Bora-Bora, ou Pukhet, ou
Maldivas, ou Hawai. Isso sim, isso é ter pedigree e só o ato de colocar umas
selfies no Face por lá veraneando, faz esfregar mais o ego dos viajantes tugas,
do que certamente o pai das manas Mortágua sentiu depois de contemplar os
mações de notas após aquelas incursões revolucionárias a uns quantos bancos
nacionais. O êxtase é total. E a convicção antecipada de que todos aqueles
que por cá ficaram se vão roer de inveja e despeito isso, então, é uma espécie
de orgasmo transcendental que vale bem ter que passar fome o resto do ano por
pouco ou nada sobrar para o essencial. É isso. O povão vive de aparências. E o
governo ou desgoverno que nos enquadra acha tudo normal. Ou seja a anormalidade
passou a ser normal. Ou, melhor, o normal é mesmo viver-se como anormais. No
resto tudo ao molho e fé em Alá. Em especial no que toca aos comunistas, esses
adoram festas. E entretêm-se mais comezinhamente por cá, com as manifestações
culturais que de cultura têm tanto como zurrapa tem de puro vinho. Festas para
eles é "coltura" e, palavra de honra, que não percebo onde se arranja
tanto dinheiro para tão variadas festas. A coisa vai em tal onda que, não tarda
muito, cada condomínio terá a sua festa privada onde não faltará a barraquinha
dos comes e bebes do Partido, onde não faltam os copos três a preceito, as
sacrossantas bifanas e sandes de coiratos, enquanto se esquenta o buchão com
uma espécie de mixórdia a que eles pomposamente chamam sopa. Lá vem depois o
foguetório de encerramento. Na prática e na forma que, ver umas bojarditas a
estoirar, talvez os faça sentir importantes quando sabem que são uns pobres de
Cristo. E as férias de muitos deles são a trabalhar bem duro na festa do Avante
já que, com tantas manifestações e greves de zelo, têm o ano inteiro para
descansar nos seus locais de trabalho.
E é tudo. Ao que parece o AG vai de férias. Em Outubro deu a entender
que por aqui o iríamos reencontrar. Oh louvado seja ele. Amen. Que tenha
umas boas férias e nós, também!...
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