sábado, 25 de agosto de 2018

O Pote de Azeite do nosso hedonismo


Estas “Férias” de Alberto Gonçalves que durante um mês o deixam arredado das escritas semanais, e tenho pena – afinal eram só quatro artigos em Setembro, que, porque são bons, não deviam desaparecer deste nosso cenário sem férias de tolices que por aqui se praticam e a ele não custariam muito a esculpir, para os sem férias, pelo menos, (sem férias de computadores, de que o progresso esplendorosamente nos rodeou) – dizia eu, pois, que as “Férias” de Alberto Gonçalves me fizeram recordar as de “M. Hulot”, hilariantes, como já o fora o “Mon Oncle” desempenhado pelo mesmo desajeitado Jacques Tati, espécie de geringonça destruidora do aprumo e boas maneiras requeridas na sociedade de elites dos anos sessenta. Mas não julgo que Alberto Gonçalves se risse com a seriedade desengonçada de Jacques Tati a causar destroços, pois não é esse o fito da sua sátira sinuosa a respeito das férias dos novos tempos que apontam por vezes para uma nova forma de elitismo cultural pela evasão física por longas paragens, indiscutivelmente enriquecedoras culturalmente, se se traduzirem em algo mais do que descanso na praia ou no campo. Mas deixo para um comentarista – Cipião Numantino – a análise do seu artigo «Ir Longe…», com a sua carga irónica, de quem nos reconhece o atraso e o pedantismo, elegendo, com AG, o “dolce far niente” ou o doce faz  o que te apetece de um repouso tranquilo de férias.

Procuro antes, preguiçosamente, na Internet, como Curiosidades para as nossas férias, os seguintes items:

- Origem da palavra FÉRIAS: Apesar de bem diferentes, as palavras férias em português, e vacation, em inglês (cognata de vacaciones, em espanhol, e vacances, em francês) têm origem no latim. As palavras de que derivam, entretanto, são diferentes. Enquanto férias vem de feriae (= dias em que os romanos não trabalhavam por razões religiosas), vacation vem de vacationem (= lazer ou folga do trabalho), que por sua vez deriva de vacare (= vazio, livre). Duas palavras em português, uma comum e outra incomum, também derivam indirectamente de vacare: vácuo (espaço vazio) e vacuidade (= qualidade ou estado de vazio, ausência ou falta).
- Sinónimo de FÉRIAS: 2 sinónimos de férias para 1 sentido da palavra fériasdescansofolga.
A palavra férias aparece também nas seguintes entradas: trégua – 7 sinónimos: Suspensão, interrupção (do trabalho); descanso, repouso, pausa; férias; armistício
- Campo lexical de FÉRIAS: brincadeira / alegria / lazer / passeios / cinema / arraiais / concertos / verão  /praia / calor. Acrescento “regresso temporário ao lar, à terra”, dos emigrantes…
- Etimologia da palavra Feira: A palavra vem do latim e significa féria, "dia de festa". Na alta idade média, por influência da Igreja,  os nomes dos dias da semana, com excepção de sábado e domingo, eram designados em latim:  secunda feria, tertia feria... Das línguas românicas, a única que adoptou essa designação foi o português, e desde a origem do idioma. Em sentido litúrgico, o latim féria corresponde a "dia de festa", "dia de repouso", "dia feriado". Porém, como nesses dias era costume os mercadores levarem as suas mercadorias para mostrarem, em praça pública, aos frequentadores das festividades religiosas, as expressões secunda feria, tertia feria... passaram a denominar os dias da semana. Foi perdida a noção original de "dia de repouso", devido ao predomínio das "feiras" comerciais sobre as "férias" litúrgicas. Fonte: CUNHA, António Geraldo da.  Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992.

E para dar uma de risonhas “férias” a este triste comentário defraudado, ainda da Internet extraio, do “Auto dos Mistérios da Virgem ou de Mofina Mendes”, do seu entrecho profano, a cena de dança da desastrada pastora Mofina nome simbólico de desdita,  feliz com o pote de azeite com que o amo Paio Vaz a despede, imagem da nossa imprevidência como país e do conceito pessimista subentendido na fala final de Mofina Mendes:


Paio Vaz: Pois Deus quer que pague e peite tão daninha pegureira, em pago desta canseira toma este pote de azeite e vai-o vender à feira; e quiçais medrarás tu o que eu contigo não posso.
Mofina Mendes: Vou-me à feira de Trancoso logo, nome de Jesus, e farei dinheiro grosso. Do que este azeite render comprarei ovos de pata, que é a coisa mais barata que eu de lá posso trazer; e estes ovos chocarão; cada ovo dará um pato, e cada pato um tostão, que passará de um milhão e meio, a vender barato. Casarei rica e honrada por estes ovos de pata, e o dia que for casada sairei ataviada com um brial de escarlata, e diante o desposado, que me estará namorando: virei de dentro bailando assim dest’arte bailado, esta cantiga cantando.
Estas cousas diz Molina Mendes com o pote de azeite à cabeça e, andando enlevada no baile, cai-lhe, e diz:
Paio: Agora posso eu dizer, e jurar, e apostar, que és Mofina Mendes toda.
Pessival: E s’ela baila na boda, qu’está ainda por sonhar, e os patos por nascer, e o azeite por vender, e o noivo por achar, e a Mofina a bailar; que menos podia ser?
Vai-se Mofina Mendes, cantando.
Mofina: Por mais que a dita me enjeite, pastores, não me deis guerra; que todo o humano deleite, como o meu pote de azeite, há-de dar consigo em terra.

Ir longe: subsídios para uma análise inútil às férias de Verão /premium
OBSERVADOR, 24/8/2018
A crónica pediu férias do dr. Costa, do prof. Marcelo, da dona Catarina do alojamento local, dos comunistas festivos, da oposição muda e, em suma, de um país que, contado ou visto, não se acredita.
Algures no caminho, as férias perderam o significado original: a interrupção prevista e regulamentada do trabalho. Em princípio, a dispensa do expediente bastaria para legitimar o conceito. O indivíduo entraria de férias no momento em que, provisoriamente, deixasse de aparecer no emprego sem risco de despedimento por justa causa ou obrigação de “baixa” médica. O modo de ocupação desse período deveria ser irrelevante. Ainda que torrasse as manhãs a dormir, as tardes a sublinhar “A Bola” e as noites a contemplar anúncios de aparelhos para a surdez na CMTV e na TVI, o indivíduo cumpriria os critérios que definem as férias e, na altura devida, regressaria à labuta com a sensação do lazer cumprido.
Sucede que não é assim. O consumismo contemporâneo, que os sacerdotes da esquerda e do Vaticano justificadamente condenam nos outros, decidiu que as férias só se consagram se o indivíduo for a algum lado. E não chega um lado qualquer. Reunir o agregado e arrastá-lo para quinze dias no T2 de um cunhado na Brandoa pode ser muito lindo (e é), mas não preenche os requisitos. O objectivo é ir longe, se bem que com condições. A primordial é a proximidade ao mar.
Embora uns poucos passem as férias em cidades no “estrangeiro”, de modo a poderem queixar-se dos selvagens que, ao invés deles, andam ali a fazer turismo, o mar comanda a vida da vasta maioria. As caravelas afundaram há séculos, a frota pesqueira foi desmembrada pela CEE e o país nunca cheirou uma medalha olímpica na natação. Não obstante, quem nos tira o mar tira-nos tudo. No que toca às férias, o mar é o equivalente estival dos fins-de-semana invernais na “neve” (uma obsessão que torna estranhíssima a nossa ausência nos campeonatos de esqui). Nos inúmeros inquéritos com que os confrontam, os portugueses não se limitam a gostar do mar: “não conseguem” estar a menos de 7 cm do dito. Não é esclarecido em que se traduziria tal “inconseguimento”. Se, com requintes de crueldade, mantiverem o indivíduo afastado da praia, ele sofre um ataque de pânico? Explode? Inscreve-se no PAN?
Certo é que, como dizia o poeta, há mar e mar, há o Dafundo e há Radhanagar. O gabarito das férias depende da distância entre o mar frequentado e a residência habitual do banhista. A distância ideal ronda os seis mil quilómetros, leia-se locais permeáveis aos adjectivos “exótico” e “paradisíaco” (por razões que percebo perfeitamente, os paraísos medem-se pelo afastamento face a Portugal; sobre o exotismo tenho dúvidas). Caso, por isto (€) ou por aquilo (€), o Havaí ou o Vietname não fiquem à mão, sobram os arquipélagos espanhóis ou Cabo Verde. Caso nem estes dêem jeito (€), há sempre o Algarve.
“O Algarve?”, exclama o interlocutor horrorizado (em geral, eu). “Ah, não é esse Algarve…”, sossega-nos o veraneante com um sorriso de desdém. E de seguida baixa a voz e junta a mão à boca para falar de um recanto “totalmente diferente” das Albufeiras e das Quarteiras do costume, uma Arcádia algarvia ignorada pela ralé e descoberta, presume-se, pelo próprio veraneante, um Serpa Pinto moderno e um felizardo. Ele, e os milhares de criaturas que partilham em segredo semelhante milagre.
Extravagante ou paroquial, após seleccionarmos o destino, importa alcançá-lo. Para quê? Ora essa, para descansar, nadar, comer, beber, ler, conviver, não é? Não é? Ou não é? É. E não é. Explico. Na Antiguidade Clássica, i.e., antes da invenção das “redes sociais”, as pessoas, coitadas, viam-se obrigadas por falta de alternativa a cometer de facto as actividades acima referidas. Hoje, o suplício acabou e as actividades são meramente instrumentais. As pessoas descansam, nadam, comem, bebem, etc. apenas o suficiente para fotografar tão grandiosos eventos, publicar as fotografias no Facebook, no Instagram e Noquecalha e provar aos amigos (força de expressão) o muito que descansam, nadam, comem, bebem, etc. Limitar o tempo perdido em disparates permite dedicar o tempo ganho à manipulação do telemóvel, a trocar figurinhas no campeonato da felicidade de que todos saem vencedores.
É aqui que um destino remoto é fundamental. Um “post” no Facebook ilustrado pelo retrato da família a trucidar sardinhas no quintal do cunhado não suscita mais de doze “likes”, nove de pena, dois da família e um de inveja, este a cargo do desgraçado que nem da Brandoa pôde desfrutar. Imagens de termómetros, tremoços, pés e criancinhas também não favorecem a aura cosmopolita. Impõe-se, pois, a identificação geográfica da “selfie”, a qual, no meio da esplanada, dos cocktails e do sushi e do livro (a escolher), convém incluir um cartaz toponímico das Maldivas, uma enseada típica de Barbados ou, em desespero, um ex-libris algarvio, por exemplo o inglês bêbedo ou o arquitecto cego.
O assunto vem a propósito de quê? De nada. Acontece que a crónica pediu férias do dr. Costa, do prof. Marcelo, da dona Catarina do alojamento local, dos comunistas festivos, da oposição muda e, em suma, de um país que, contado ou visto, não se acredita. E eu dei-lhe férias. Em Outubro, espero, a crónica retribuirá a generosidade.

UM COMENTÁRIO:
Cipião Numantino
Parece uma crónica sem sentido do nosso estimado AG. Mas a intenção está lá. As férias, meus caros ou, no mínimo, a ausência delas. Muitos ainda somos do tempo em que se aperaltava o renault "catrel"  ou quem tivesse mais guita, o estupendo citroen boca de sapo, e eis-nos a emalar a trouxa e zarpar nem que fosse aqui ao lado para o bairro da Porcalhota ou para lá do Marão onde sempre mandaram os que lá estão. O fito era mesmo impressionar os confrades e, por vezes conseguia-se o efeito plenamente, que dava como prémio de consolação a oferta de um copo três de tintol com alternativa para um pirulito gasoso que sabia que nem ginjas. Isto era "in illo tempore" e, como sempre, mudam-se os tempos mudam-se as vontades. Como bem escreveu AG, as pessoas descansavam. Ou dormiam. Ou jogavam à bisca lambida ou coleccionando os cromos do futebol. Na província, sobretudo, atacava-se a malha ou jogava-se o chinquilho no que concerne aos homens enquanto, as mulheres, se entretinham a costurar um ou dois vestiditos de chita para as petizas e, no resto do tempo, pois então, toca de costurar a casaca das vizinhas que a maledicência sempre foi um dos desportos nacionais mais procurados e invocados. De uma forma ou de outra descansava-se, poorra! Agora a coisa mudou. Ir ao Algarve é já coisa de pelintra e mesmo que o destino seja passar por Boliqueime, deixou de dar qualquer pedigree. Cancun, Acapulco e Riviera Maya, idem aspas. Isso é para a pelintragem dos vizinhos que andam a pagar o popó às prestações há 120 meses e ainda só se pagou metade, recomeçando-se o efeito logo que, esta sim, seja uma geringonça que como aquela que nos governa, abane mais que pinheiro com ventos dominantes de 200 Kms/hora. Agora almeja-se Bora-Bora, ou Pukhet, ou Maldivas, ou Hawai. Isso sim, isso é ter pedigree e só o ato de colocar umas selfies no Face por lá veraneando, faz esfregar mais o ego dos viajantes tugas, do que certamente o pai das manas Mortágua sentiu depois de contemplar os mações de notas após aquelas incursões revolucionárias a uns quantos bancos nacionais. O êxtase é total. E a convicção antecipada de que todos aqueles que por cá ficaram se vão roer de inveja e despeito isso, então, é uma espécie de orgasmo transcendental que vale bem ter que passar fome o resto do ano por pouco ou nada sobrar para o essencial. É isso. O povão vive de aparências. E o governo ou desgoverno que nos enquadra acha tudo normal. Ou seja a anormalidade passou a ser normal. Ou, melhor, o normal é mesmo viver-se como anormais. No resto tudo ao molho e fé em Alá. Em especial no que toca aos comunistas, esses adoram festas. E entretêm-se mais comezinhamente por cá, com as manifestações culturais que de cultura têm tanto como zurrapa tem de puro vinho. Festas para eles é "coltura" e, palavra de honra, que não percebo onde se arranja tanto dinheiro para tão variadas festas. A coisa vai em tal onda que, não tarda muito, cada condomínio terá a sua festa privada onde não faltará a barraquinha dos comes e bebes do Partido, onde não faltam os copos três a preceito, as sacrossantas bifanas e sandes de coiratos, enquanto se esquenta o buchão com uma espécie de mixórdia a que eles pomposamente chamam sopa. Lá vem depois o foguetório de encerramento. Na prática e na forma que, ver umas bojarditas a estoirar, talvez os faça sentir importantes quando sabem que são uns pobres de Cristo. E as férias de muitos deles são a trabalhar bem duro na festa do Avante já que, com tantas manifestações e greves de zelo, têm o ano inteiro para descansar nos seus locais de trabalho.
E é tudo. Ao que parece o AG vai de férias. Em Outubro deu a entender que por aqui o iríamos reencontrar. Oh louvado seja ele. Amen.  Que tenha umas boas férias e nós, também!...

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