domingo, 19 de agosto de 2018

Mais um caso “à portuguesa”



Muito grave, naturalmente. As vias e a sua manutenção, os aeroportos e a sua localização, o despovoamento do interior em benefício do litoral - ao contrário do que se pretendia, como consequência da rede rodoviária - e o empobrecimento e degradação da ferrovia, etc., de que a perda do turismo será consequência nefasta. Tudo isto é descrito com acerto e severidade, por Bagão Félix, mas nós não queremos saber, quem cá ficar que repare. Somos dos países com mais auto-estradas, no nosso novo-riquismo repentino, de deslumbramento pascácio. Provavelmente também com mais automóveis, que gostamos de chegar depressa para a patuscada. O dinheiro foi-nos emprestado, mas com a obrigação de abandonarmos os campos, coisa de difícil manutenção, sem os mecanismos dos povos mais industrializados. O resultado vê-se também na dimensão dos incêndios, beleza panorâmica de duradoira expressão.
No meio destas informações que Bagão Félix tão bem dramatiza, os seus “apanhados” filológicos e botânicos, de tanto significado, como lições a não perder. Porque as primeiras perdem-se, não há dúvida, com um PM que ganha sempre, no assento que soube usurpar e onde impera, sorriso rasgado de orgulho preenchido.
OPINIÃO
Auto-estradas, caminhos-de-ferro, aeroportos
Nesta tríade, quem faz o papel do rapaz, do velho e do burro?
ANTÓNIO BAGÃO FÉLIX
PÚBLICO, 10 de Agosto de 2018
1. Tive de me deslocar a zonas de Portugal a que antes só chegaríamos por estradas sinuosas e lentas. Percorri não sei quantas auto-estradas todas interligadas – e quase sem tráfego – e assim o que era longe perto se tornou. Este é um dos traços mais visíveis da nossa adesão europeia, em forma de betão. Paradoxal é que, ao mesmo tempo, zonas recônditas do nosso país, agora abraçadas por estas vias de comunicação, estejam a ser despovoadas e subtraídas de serviços essenciais para a fixação das pessoas. Por outras palavras, o íman de atracção funciona do interior para o litoral e não ao contrário.
Como não há fome que não dê em fartura, já somos um dos países com uma maior extensão de auto-estradas por habitante), muito à frente da Alemanha, Itália, França e Reino Unido.
Como um dia o então Presidente Cavaco Silva advertiu, "em Portugal ainda se confunde custo com benefício. Uma estrada é toda ela custos. O benefício é o trânsito que passará nela. Se não houver trânsito não há benefício".
2. Ao invés, o comboio foi perdendo importância relativa e a ferrovia não acompanhou a primazia viária. A avaliar pelas notícias parece que chegámos ao grau de quase indigência no plano das infra-estruturas ferroviárias e na qualidade e modernização da maquinaria e comboios.
Há uns bons anos, um amigo estrangeiro falava-me de um critério “infalível” para determinar o grau de desenvolvimento de um país visitado. Essa aferição não recorria, no entanto, aos exigentes e manipuláveis itens definidos pelas agências internacionais.
Tratava-se, tão só, de considerar, em conjunto, alguns sinais exteriores, daqueles que são mais depressa apreendidos pelas pessoas: a quantidade de (pequenas) obras sempre inacabadas nas ruas; o estado de limpeza e higiene dos sanitários públicos, em especial nos comboios; e o grau de qualidade e de eficiência das telecomunicações. Ou seja, uma sábia mistura de produtividade, comportamento social e tecnologia.
Fazendo uma viagem no “must” Alfa Pendular, verificamos a degradação lenta das carruagens. Sujas, descuidadas, com ar condicionado desregulado (“a culpa é do Verão”, disse um governante sem corar...), com casas de banho sem higiene (a que não será alheia a incivilidade de passageiros). Imagino o que será fora da linha do Norte ou em composições secundárias...
3. Estradas, caminhos-de-ferro e, claro está, aeroportos. O de Lisboa, cada vez mais no meio da cidade, está a rebentar por todos os lados e, qualquer dia, é preciso ir de véspera para chegar a tempo de embarcar. A ANA continua no seu ritmo desenfreado de aumento de taxas aeroportuárias, sem que ninguém com isso se escandalize. Há muitos anos se diz da iminente exaustão da Portela e da necessidade de uma nova infra-estrutura. Depois de abandonada a ideia otária da Ota, chegámos à solução do Montijo, com estudos para cá, estudos para lá, discursatas por uma coisa e o seu contrário, impactos ambientais de umas aves ou de uns passarões, nova ponte por fazer ou adiar. Conclusão: ainda tudo na mesma, com o Aeroporto de Lisboa nas últimas e a qualidade a deteriorar-se a olhos vistos.
Há até quem tenha tido a ideia de o aeroporto de “Lisboa + 1” ser Beja, que fica a uma distância demasiado longa sem haver as infra-estruturas rodoviárias ou ferroviárias adequadas. Aliás, no Terminal Civil de Beja, inaugurado há sete anos (Abril de 2011), o movimento em 2015 foi de 233 passageiros (não chega a um passageiro por dia) e de 38 aeronaves (média de três por mês) e, no primeiro trimestre deste ano, houve apenas 29 passageiros! Há dias, o novo e gigante Airbus A380 aterrou em Beja, que tem pista suficiente (que Lisboa não tem) mas não tem passageiros (que Lisboa tem a mais)...
Este investimento apostava em taxas aeroportuárias competitivas e na utilização intensiva por operadores de baixo custo. Os estudos prévios – certamente bem pagos e estimulantes para sustentar ideias mirabolantes ou megalómanas – previram um milhão de passageiros em 2015 e 1,8 milhões em 2020!
Segundo a ANA, o aeroporto de Beja deve ser entendido como um “sunk cost” (custo irrecuperável), tendo assentado em “critérios políticos e não financeiros”. O seu custo, anunciado como atingindo os 33 milhões de euros, terá chegado, segundo o Tribunal de Contas, a 79 milhões, depois de derrapagens e de erros de construção. Eis um tão expressivo quanto infeliz exemplo de mau investimento com dinheiro público, mas sem “accountability” política. Tudo sem escândalo. Afinal, nada de anormal. Não há culpas, nem responsáveis que, na sua maioria, ainda habitam os corredores do poder. Tudo numa boa. À portuguesa!
Auto-estradas, caminhos-de-ferro, aeroportos. Nesta tríade, quem faz o papel do rapaz, do velho e do burro?
IPSIS VERBIS
CITAÇÃO I“Nunca viajo sem o meu diário. É preciso ter sempre algo extraordinário para ler no comboio” (Oscar Wilde, 1854-1900)
CITAÇÃO II: “Ninguém é ateu num avião em turbulência” (Erica Jong, 1942 -)
OXIMORO: Ver um eclipse
PALÍNDROMO (capicua de letras): Adias a data da saída (a propósito dos atrasos nos aeroportos) 
ERRO ORTOGRÁFICO FREQUENTECombóio em vez de comboio
TROCADILHORobles rublos
Se não há dúvida que no capítulo das comunicações demos um enorme salto e estamos no pelotão da frente, já quanto aos outros dois requisitos não progredimos e até, em parte, teremos regredido.
SCIENTIA AMABILIS
OLEANDRO (Nerium OLeander Miller)
Por falar em auto-estradas, o oleandro, também conhecido por aloendro, alandro, cevadilha, adelfa e outros nomes vernáculos, é uma planta arbustiva que habita em muitos dos seus separadores centrais, esbatendo o monopólio do asfalto. É visto sobretudo a sul do Tejo, designadamente sob a forma espontânea e pode atingir alguns metros de altura. As suas flores hermafroditas são vermelhas, rosadas ou brancas e as folhas longas e estreitadas. É pouco exigente quanto a solos e resistente às diferenças climáticas e, na altura da floração, apresenta-se como muito ornamental e airoso. Trata-se, todavia, de um género botânico de elevada toxicidade (pode ser mesmo letal), em particular as folhas e o látex das ramagens, por via da oleandrina e da neriantina, substâncias extraordinariamente tóxicas. Deveria haver, sobretudo nas cidades e povoações, aviso sobre esta perigosa característica. O concelho de Alandroal no Alentejo raiano deve-lhe o seu nome, pois que significa lugar onde há muitos alandros.

Nenhum comentário: