Muito grave, naturalmente. As vias e a sua manutenção, os aeroportos e
a sua localização, o despovoamento do interior em benefício do litoral - ao
contrário do que se pretendia, como consequência da rede rodoviária - e o
empobrecimento e degradação da ferrovia, etc., de que a perda do turismo será consequência
nefasta. Tudo isto é descrito com acerto e severidade, por Bagão Félix, mas nós não queremos saber, quem cá ficar que repare. Somos
dos países com mais auto-estradas, no nosso novo-riquismo repentino, de
deslumbramento pascácio. Provavelmente também com mais automóveis, que gostamos
de chegar depressa para a patuscada. O dinheiro foi-nos emprestado, mas com a
obrigação de abandonarmos os campos, coisa de difícil manutenção, sem os
mecanismos dos povos mais industrializados. O resultado vê-se também na
dimensão dos incêndios, beleza panorâmica de duradoira expressão.
No meio destas informações que Bagão Félix tão bem dramatiza, os seus “apanhados”
filológicos e botânicos, de tanto significado, como lições a não perder. Porque
as primeiras perdem-se, não há dúvida, com um PM que ganha sempre, no assento
que soube usurpar e onde impera, sorriso rasgado de orgulho preenchido.
OPINIÃO
Auto-estradas, caminhos-de-ferro, aeroportos
Nesta tríade, quem faz o papel do rapaz,
do velho e do burro?
ANTÓNIO BAGÃO FÉLIX
PÚBLICO, 10 de Agosto de 2018
1. Tive de me deslocar a zonas de Portugal a que antes só
chegaríamos por estradas sinuosas e lentas. Percorri não sei quantas
auto-estradas todas interligadas – e quase sem tráfego – e assim o que era
longe perto se tornou. Este é um dos
traços mais visíveis da nossa adesão europeia, em forma de betão. Paradoxal é
que, ao mesmo tempo, zonas recônditas do nosso país, agora abraçadas por estas
vias de comunicação, estejam a ser despovoadas e subtraídas de serviços
essenciais para a fixação das pessoas. Por outras palavras, o íman de atracção
funciona do interior para o litoral e não ao contrário.
Como não há fome que não dê em fartura, já somos um dos países com
uma maior extensão de auto-estradas por habitante), muito à frente da Alemanha,
Itália, França e Reino Unido.
Como um dia o então Presidente Cavaco Silva advertiu, "em Portugal
ainda se confunde custo com benefício. Uma estrada é toda ela custos. O
benefício é o trânsito que passará nela. Se não houver trânsito não há
benefício".
2. Ao invés, o comboio foi
perdendo importância relativa e a ferrovia não acompanhou a primazia viária. A
avaliar pelas notícias parece que chegámos ao grau de quase indigência no plano
das infra-estruturas ferroviárias e na qualidade e modernização da maquinaria e
comboios.
Há uns bons anos, um amigo estrangeiro falava-me de um critério
“infalível” para determinar o grau de desenvolvimento de um país visitado. Essa
aferição não recorria, no entanto, aos exigentes e manipuláveis itens definidos
pelas agências internacionais.
Tratava-se, tão só, de considerar, em conjunto, alguns sinais
exteriores, daqueles que são mais depressa apreendidos pelas pessoas: a quantidade de (pequenas) obras sempre
inacabadas nas ruas; o estado de limpeza e higiene dos sanitários públicos, em
especial nos comboios; e o grau de qualidade e de eficiência das
telecomunicações. Ou seja, uma sábia mistura de produtividade, comportamento
social e tecnologia.
Fazendo uma viagem no “must” Alfa Pendular, verificamos a degradação
lenta das carruagens. Sujas, descuidadas, com ar condicionado desregulado (“a
culpa é do Verão”, disse um governante sem corar...), com casas de banho sem
higiene (a que não será alheia a
incivilidade de passageiros). Imagino o que será fora da linha do Norte
ou em composições secundárias...
3. Estradas,
caminhos-de-ferro e, claro está, aeroportos. O de Lisboa, cada vez mais
no meio da cidade, está a rebentar por todos os lados e, qualquer dia, é
preciso ir de véspera para chegar a tempo de embarcar. A ANA continua no seu
ritmo desenfreado de aumento de taxas aeroportuárias, sem que ninguém com isso
se escandalize. Há muitos anos se diz da iminente exaustão da Portela e da
necessidade de uma nova infra-estrutura. Depois de abandonada a ideia otária da
Ota, chegámos à solução do Montijo, com estudos para cá, estudos para lá,
discursatas por uma coisa e o seu contrário, impactos ambientais de umas aves
ou de uns passarões, nova ponte por fazer ou adiar. Conclusão: ainda tudo na mesma, com o Aeroporto de Lisboa nas últimas e
a qualidade a deteriorar-se a olhos vistos.
Há até quem tenha tido a ideia de
o aeroporto de “Lisboa + 1” ser Beja,
que fica a uma distância demasiado longa sem haver as infra-estruturas
rodoviárias ou ferroviárias adequadas. Aliás, no Terminal Civil de Beja, inaugurado
há sete anos (Abril de 2011), o movimento em 2015 foi de 233 passageiros (não
chega a um passageiro por dia) e de 38 aeronaves (média de três por mês) e, no
primeiro trimestre deste ano, houve apenas 29 passageiros! Há dias, o novo e
gigante Airbus A380 aterrou em Beja, que tem pista suficiente (que Lisboa não
tem) mas não tem passageiros (que Lisboa tem a mais)...
Este investimento apostava em
taxas aeroportuárias competitivas e na utilização intensiva por operadores de
baixo custo. Os estudos prévios – certamente bem pagos e estimulantes para
sustentar ideias mirabolantes ou megalómanas – previram um milhão de passageiros
em 2015 e 1,8 milhões em 2020!
Segundo a ANA, o aeroporto de
Beja deve ser entendido como um “sunk cost” (custo irrecuperável), tendo
assentado em “critérios políticos e não financeiros”. O seu custo, anunciado
como atingindo os 33 milhões de euros, terá chegado, segundo o Tribunal de
Contas, a 79 milhões, depois de derrapagens e de erros de construção. Eis um
tão expressivo quanto infeliz exemplo de mau investimento com dinheiro público,
mas sem “accountability” política. Tudo sem escândalo. Afinal, nada de anormal.
Não há culpas, nem responsáveis que, na sua maioria, ainda habitam os
corredores do poder. Tudo numa boa. À portuguesa!
Auto-estradas, caminhos-de-ferro, aeroportos. Nesta tríade, quem faz
o papel do rapaz, do velho e do burro?
IPSIS
VERBIS
CITAÇÃO I: “Nunca viajo sem o meu diário.
É preciso ter sempre algo extraordinário para ler no comboio” (Oscar Wilde, 1854-1900)
CITAÇÃO II: “Ninguém é ateu num avião em
turbulência” (Erica Jong, 1942 -)
OXIMORO: Ver um eclipse
PALÍNDROMO (capicua de letras): Adias a data
da saída (a propósito dos atrasos
nos aeroportos)
ERRO ORTOGRÁFICO FREQUENTE: Combóio em vez de comboio
TROCADILHO: Robles rublos
Se não há dúvida que no capítulo
das comunicações demos um enorme salto e estamos no pelotão da frente, já
quanto aos outros dois requisitos não progredimos e até, em parte, teremos
regredido.
SCIENTIA
AMABILIS
OLEANDRO (Nerium
OLeander Miller)
Por falar em auto-estradas, o oleandro, também conhecido por aloendro,
alandro, cevadilha, adelfa e outros nomes vernáculos, é uma planta arbustiva
que habita em muitos dos seus separadores centrais, esbatendo o monopólio do
asfalto. É visto sobretudo a sul do Tejo, designadamente sob a forma espontânea
e pode atingir alguns metros de altura. As suas flores hermafroditas são
vermelhas, rosadas ou brancas e as folhas longas e estreitadas. É pouco
exigente quanto a solos e resistente às diferenças climáticas e, na altura da
floração, apresenta-se como muito ornamental e airoso. Trata-se, todavia, de um
género botânico de elevada toxicidade (pode ser mesmo letal), em particular as
folhas e o látex das ramagens, por via da oleandrina e da neriantina,
substâncias extraordinariamente tóxicas. Deveria haver, sobretudo nas cidades e
povoações, aviso sobre esta perigosa característica. O concelho de Alandroal no
Alentejo raiano deve-lhe o seu nome, pois que significa lugar onde há muitos
alandros.
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