Um Jose ao que parece conhecedor
dos meandros das políticas, e daí que se apodere de uma citação shakespeariana
de vanglória pessoal encapotada, desdenhosa do resto do mundo - “Que época terrível
esta, onde idiotas dirigem cegos" – ataca o artigo de Paulo
Rangel, como proveniente de um “indígena” pouco esclarecido, autor do tal
artigo (que já aqui transcrevêramos) sobre a probabilidade alarmante de uma
Alemanha com estranho e perigoso rearmamento nuclear, que naturalmente preocupa
os leigos e os menos leigos. Teresa de
Sousa, pelo contrário, adianta um parecer de simpatia sobre Rangel e o seu
artigo, desbravando o assunto e mostrando outros povos interessados em se
apetrecharem militarmente, como o Japão e a China e, evidentemente, os EUA
distraídos com os caprichos do seu desarticulado Trump. Vale a pena, como
sempre, ler Teresa de Sousa, não só
pela seriedade, como pela racionalidade das suas informações, além de,
naturalmente, pela sua delicadeza e educação de grande senhora.
ANÁLISE
A Alemanha em busca do seu lugar
A simples ideia de uma Alemanha
nuclear é, talvez, um dos indicadores mais preocupantes da incerteza que
continua a pairar sobre o futuro da Europa.
PÚBLICO, 5 de Agosto de 2018
1. Paulo Rangel escreveu na última semana um texto a todos os títulos recomendável. O tema era um tanto ou quanto
inesperado, embora não seja a primeira vez que se fala dele. É um tema
perturbador porque, no registo da memória, a Alemanha continua a não ser um
país totalmente normal. Mas não é um
texto alarmista. Apenas uma chamada de atenção oportuna, que abre caminho para
outras reflexões, como o título indica: “Europa pós-Trump: e se a Alemanha se tornasse uma potência nuclear?”
A ideia pode parecer, à primeira vista, absurda. Convém também lembrar que não
é popular na Alemanha, onde se regista ainda uma maioria que não quer largar
mão do pacifismo que dominou a República Federal sobretudo nos anos de 1970 e
1980. Apenas um episódio. Quando, em 1982, Helmut Schmidt e, depois,
Helmut Kohl tentavam convencer os alemães da necessidade da instalação de
mísseis de cruzeiro com ogivas nucleares americanos na República Federal para
reequilibrar os SS-20 instalados pela União Soviética na Alemanha de leste,
manifestações gigantescas encheram as ruas das cidades alemãs. Schmidt
acabou por cair. Parte dos mísseis ainda lá estão. De vez em quando, um líder
político lembra-se deles, normalmente em campanha eleitoral, para dizer que as
armas nucleares americanas devem regressar a casa. O liberal Guido Westerwelle
lembrou-se delas no final do segundo Governo de coligação CDU/CSU-FDP de
Merkel, quando se preparava para uma derrota monumental. Mais recentemente, Martin
Schulz, quando liderou o SPD nas eleições de Setembro passado, lançou a mesma
ideia, que teve o mesmo destino: o
rápido esquecimento. A Alemanha ainda é o país da União Europeia com maior
presença militar americana.
2. A simples ideia de uma Alemanha nuclear é, talvez, um dos indicadores
mais preocupantes da incerteza que continua a pairar sobre o futuro da Europa.
Os argumentos, que Paulo Rangel explica, têm directamente que ver com a crise
da aliança transatlântica, que ficou visível na última cimeira da NATO (14 e 15
de Julho). A chanceler referiu na altura que a Europa se tinha de preparar para
ficar por sua conta em matéria de segurança e defesa. Para além da NATO e da
União Europeia, Trump ataca particularmente a Alemanha. A dúvida está instalada
sobre se os EUA mantêm o seu compromisso com o Artigo 5.º do Tratado de
Washington, que garante a defesa colectiva.
A ameaça mais directa à segurança europeia reemerge no mesmo lugar onde
já esteve: a leste. Não se chama União Soviética, não dispõe do mesmo poderio
nuclear e convencional gigantesco, nem de uma ideologia que disputava ao
Ocidente democrático a hegemonia mundial. Chama-se Rússia, que sempre lá
esteve, o seu apelo internacional é inexistente, a sua ideologia é o
nacionalismo agressivo. Quando sair, o Reino Unido leva com ele uma das duas
únicas capacidades nucleares europeias permitidas pelo Tratado de Não Proliferação.
A questão seguinte também
pareceria óbvia, mas não é. Caberia à França colocar a sua force de frappe nuclear ao
serviço da União Europeia, evitando eventuais tentações alemãs. É difícil. Nos
equilíbrios internos da União, a enorme capacidade económica alemã sempre foi
contrabalançada pela liderança política francesa e pela sua capacidade militar.
Foi assim até ao fim da Guerra Fria quando existiam duas “Alemanhas”. A
ascensão alemã depois da reunificação e o seu poder económico, acentuado pela
crise do euro, apenas sublinharam a importância da superioridade militar
francesa. Hoje, com a ordem internacional liberal a dar lugar ao caos, essa
superioridade torna-se mais evidente e a dimensão militar europeia mais
necessária. Ora, neste domínio, a Alemanha ainda dá os primeiros passos. As
suas Forças Armadas não conseguem sequer manter operacionais as suas
capacidades convencionais. O orçamento da Defesa é mínimo e vai subir devagar.
A opinião pública ainda é pouco favorável às intervenções militares no
estrangeiro. Mas um cenário que ponha em causa os dois pilares em que assentou
a construção da República Federal e o seu regresso ao concerto das nações
civilizadas — a dupla aliança com os EUA e com a França — preocupa cada vez
mais as elites. O Financial Times escrevia na
sexta-feira passada que “muitos na Alemanha se questionam sobre se podem
continuar a confiar nos EUA de Trump”. Mas acrescentava que, em Berlim, há a
consciência de não haver alternativa.
3. É interessante, aliás, comparar o que se passa na Alemanha com o
que está a acontecer no Japão, a outra potência derrotada da II Guerra. Não foi
preciso esperar por Donald Trump para que os japoneses começassem a debater,
discretamente, se o Tratado de Defesa que assinaram com os Estadas Unidos
depois da guerra continua a valer o mesmo. Com a eleição do actual Presidente
essa preocupação aumentou. A emergência da China é a sua razão de ser. Há
sinais pouco tranquilizadores. O Acordo de Comércio Transpacífico, negociado
por Obama com o Japão e mais 11 países da bacia do Pacífico, mas sem a China,
traduzia a preocupação americana em manter o equilíbrio de forças na região,
não apenas militar mas também económico. Trump abandonou o acordo e nem sequer
disse que tenciona renegociá-lo. A saída dos EUA tem um efeito imediato: leva
os países que rodeiam a China, alguns aliados dos EUA, a reavaliarem a sua
capacidade de resistência ao Diktat de
Pequim. Na semana passada, o chefe da diplomacia alemã, Heiko Maas, de visita a
Tóquio, propôs ao seu homólogo uma aliança entre as potências
“multilateralistas”. Os dois países enfrentam os mesmos dilemas, da segurança
ao excedente comercial com os EUA. Também no Japão a questão nuclear vem, de
vez em quando, à baila. Também o Japão dispõe da tecnologia necessária para
fabricar uma bomba atómica num período de tempo curto. Os dois países sentem-se
frustrados por não estarem representados em permanência no Conselho de
Segurança da ONU, apesar do seu poder económico (a terceira e a quarta
economias do mundo).
4. A Alemanha começa a confrontar-se com algumas limitações, que não são
apenas militares. Na imprensa multiplicam-se as histórias sobre o relativo atraso tecnológico O caso
do novo aeroporto de Berlim já é um clássico. Agora, é caso Lidl que
percorre as páginas de alguns jornais. “O desastre do software do Lidl, mais um
exemplo do fracasso digital da Alemanha”, escreve o Handelsblatt. O caso é fácil de
contar. Estava para ser, diz o jornal, “um grande salto em frente digital
da maior cadeia alimentar discount alemã”.
“Mas, depois de sete anos e 500 milhões de euros, o novo sistema de gestão de
inventário criado pela SAP foi declarado morto à chegada.” A SAP é a maior
multinacional alemã de soluções “inteligentes” para as empresas. O sistema, que
estava a ser planeado desde 2011, até teve direito a um pseudónimo simpático,
“eLWIS”, que se lê “Elvis” em alemão. Mas, em Maio do ano passado, o chefe do
departamento de informática do Lidl demitiu-se e o “Elvis” foi declarado morto.
O jornal refere que a responsabilidade talvez seja da mentalidade do “sempre
fizemos assim” que domina o Lidl. O
site Politico contava a história de uma reunião recente da chanceler com os
maiores cientistas alemães no domínio da inteligência artificial para verificar
o estado da arte, depois de uma visita ao centro onde a China desenvolve a
mesma investigação. A investigação científica alemã pode estar ao nível dos
padrões europeus. A transferência para o tecido económico é, dizem os
especialistas, o elo fraco da cadeia. Para além da vantagem americana, que
nenhum país europeu ou outro qualquer consegue sequer desafiar, Merkel
compreendeu que a China aposta todas as fichas na investigação e na inovação. O
risco é a Alemanha cair na auto-satisfação própria de um país que resistiu bem
à crise e que (ainda) tem uma economia altamente competitiva. Mas que continua
a fabricar, como a própria chanceler tem dito várias vezes, aquilo que fabricava
há 100 anos. Não se trata de dizer mal da Alemanha, longe disso. Trata-se
apenas de perceber e de aprender com o debate interno que se trava em Berlim,
no qual a chanceler é uma participante activa e sem ilusões.
UM COMENTÁRIO:
Julio "Que época terrível esta, onde idiotas dirigem
cegos" William Shakespeare 05.08.2018:
Uff! a sorte que temos tido - há pelo menos uma centena de anos - que a
perigosíssima Rússia tenha um problema de logística. Os tipos,
simplesmente, não conseguem sair do seu canto. Bolas! Cambada de inaptos.
Valha-nos, agora, que o Ocidente tem um inimigo que é o próprio Ocidente (
naturalmente comandado pelos russos ) que já não quer defender o Ocidente, por
isso o Ocidente que já ninguém sabe se é Ocidente Ocidente ou só Ocidente tem
de se armar até aos dentes ( porque não com umas bombinhas atómicas ) para
defender o Ocidente que já não é Ocidente dos parvalhões dos russos que não
saem do seu canto. Isto que eu pretendi (talvez não tenha conseguido) explicar,
parece demasiado confuso - para mim é - mas é assim. Vejamos. O povo alemão não
só está cansado de guerras mas, como qualquer povo não quer guerras. Quer a
paz. Isso consubstancia-se não só em qualquer sondagem que se tenha feito ou
faça como no crescente movimento para uma Alemanha livre de armas nucleares.
Aliás, há inclusive uma moratória aprovada em 2010 no Parlamento a exigir do
governo medidas para tal. Provavelmente o tio sam ainda mexe uns cordelinhos. A
discussão (que não há ) de que a Alemanha se torne uma potência nuclear não tem
nem bases nem sentido. O artigo a que Rangel se referiu - que não é de um jornalista mas de um
"pensador" do lobby da rapaziada da pesada - não é outra coisa que a
tremenda confusão que acima procurei explicar. Isto é. Os EUA têm armas
nucleares na Alemanha ( e, actualmente, contra todos os tratados estão a
modernizá-las, o que significa rearmamento) já não quererão defender o Ocidente
e querem-nas só para si. Os ingleses estão de saída e as sua armas serão para
defender o seu novo Ocidente. Os franceses têm-nas também mas, na máxima de De
Gaulle, para se defender a si próprios. Assim, de acordo com o indígena do tal texto vamos dotar a Alemanha
como potência nuclear e esta, ao contrário dos outros, não será para o seu
próprio consumo, mas para defender a Europa e é óbvio, o Ocidente seja isso o
que já for... dos russos, claro. Mas que treta! Resta acrescentar que a Alemanha é signatária dos tratados de não
proliferação nuclear. Está proibida de tal.
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