terça-feira, 21 de agosto de 2018

Mas Ulisses regressou mesmo


Ana Sá Lopes, no Editorial de 20/8, e na linha de muitos oposicionistas a uma política de resgate de contas, preferindo continuar a mamar devagarinho do auxílio alheio, condena o facto, tal como deveria ter condenado Passos Coelho, em 2015. Centeno, pelo contrário rejubila com a saída da Grécia da pata europeia financeira, e não posso deixar de citar a referência do Público a António Costa, do mesmo critério de honestidade, naturalmente com o sacrifício das gentes e a condenação dos Varoufakis motards da diversão sem preconceitos: «O primeiro-ministro português, António Costa, felicitou esta segunda-feira o seu homólogo grego pelo fim dos programas de assistência à Grécia, defendendo a reforma da zona euro como a "única via sustentável" para evitar futuras crises económicas: «A Grécia, o país europeu mais atingido pela crise económica e financeira, foi o primeiro e último a pedir assistência financeira – e o único "reincidente" –, e a conclusão do seu terceiro programa assinala também o fim do ciclo de resgates a países do euro iniciado em 2010, e que abrangeu também Portugal (2011-2014), Irlanda, Espanha e Chipre. Face às características únicas da (tripla) assistência prestada ao país, e às fragilidades que a sua economia ainda revela, a Grécia será agora alvo de uma "vigilância pós-programa reforçada", com missões de três em três meses, para garantir que Atenas prossegue, nesta nova era pós-resgates, uma "política orçamental prudente".»
Ana Sá Lopes prefere desfazer na teia de Penélope, motivada esta pela crença no regresso do seu Ulisses, preferindo a editorialista, ao que parece, o empanturramento dos pretendentes da fiel esposa, que lhe iam destruindo os bens do seu homem, ASL pouco exigente nas questões de empanturramento, ao que parece, mesmo que seja à custa do trabalho alheio. Um ponto de vista diverso, certamente, do de outros editorialistas que a precederam, mais cordatos na questão do ressarcimento de dívidas, pese embora, a perda de identidade partidária, como é o caso de Aléxis Tsípras, forçado a seguir o programa imposto pela Troika. Como cá.

Mas prefiro transcrever pontos de vista de vários comentaristas mais amplos de pormenor.
EDITORIAL
Crise grega, um tear de Penélope maldito
Esta segunda-feira, a Grécia sai finalmente do programa da troika, mas não há nada para festejar.
ANA SÁ LOPES
PÚBLICO, 20 de Agosto de 2018,
Quando a crise financeira chegou à Grécia, o chefe do governo em 2010, o socialista George Papandreou, anunciou ao mundo que o que estava para vir seria uma odisseia. Foi. Na trágica odisseia, a Grécia sofreu feridas que vão demorar anos a sarar e o sistema político desabou: desapareceu o partido que fez de Papandreou primeiro-ministro, rosto do pedido de resgate — o PASOK. E o Syriza, que ganhou as eleições afrontando o statu quo e o programa da troika, transmutou-se num partido social-democrata mais ou menos igual aos outros, tornando-se o maior incómodo e a maior derrota ideológica da família da esquerda europeia, de que ainda faz parte.
Esta segunda-feira, a Grécia sai finalmente do programa da troika, mas não há nada para festejar. A chamada “saída limpa” obriga os gregos a superavits orçamentais que poucos economistas consideram possíveis de atingir sem afundar ainda mais o país, onde a taxa de desemprego está nos 20,1% — uma melhoria face ao máximo histórico de 28% atingido em 2014, mas ainda assim uma situação de choque e pavor.
Revistas liberais como The Economist esperam o pior para a economia grega das imposições pós-troika das instituições europeias — nomeadamente o Eurogrupo, presidido por um ministro, Mário Centeno, que procede de um Governo apoiado por partidos da esquerda europeia, primos-irmãos do Syriza mas sem responsabilidades governamentais. Curiosamente, um ex-ministro de Passos Coelho, Miguel Poiares Maduro, assinou, em conjunto com outros académicos, um texto intitulado “Como resolver o problema da dívida grega”, em que se afirma que as medidas propostas pelo Eurogrupo para o período pós-troika não serão capazes de resolver o problema da sustentabilidade da dívida grega, defendendo a sua reestruturação — ou “alívio”, numa linguagem mais agradável — em determinadas condições.Oito anos depois do rebentar da crise, a Grécia é um tear de Penélope maldito. Na Odisseia, Penélope desfazia o que tinha previamente tecido para evitar o segundo casamento, acreditando no regresso de Ulisses. Aqui, as instituições europeias insistem em desfazer um país em nome de uma purificação quase mitológica, ainda que a tecelagem das medidas da troika tenha sido cumprida por aqueles que juraram nunca o fazer. A troika sai da Grécia, mas a festa é nenhuma.



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