quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Três tristes textos



De João Miguel Tavares, sobre a Igreja e os badalados casos de pedofilia, o Papa Francisco na ribalta da sua humilhação papal, santificada pela bondade, de Maria João Marques sobre a recusa de uma exposição cá, por Marine Le Pen e o seu nacionalismo rebarbativo, de Miguel Magalhães Ramalho sobre as políticas  anti-ecologistas de Donal Trump. Para esses textos, um ou dois comentários elucidativos de apoio ou oposição, entre as dezenas por eles recebidos. Três tristes textos, sobre um mundo prazenteiro e inconsciente .
I - OPINIÃO
A Igreja, a pedofilia e o celibato
Uma Igreja séria avaliaria o impacto do celibato no comportamento dos padres abusadores e tiraria daí consequências.
JOÃO MIGUEL TAVARES
PÚBLICO, 25 de Agosto de 2018
No início, a Igreja escondeu. Silenciou. Negou. Depois desvalorizou. Evitou pronunciar-se. Negociou acordos com vítimas. Finalmente falou. Pediu perdão. Criticou o clericalismo e as estruturas de pecado. Impôs certas normas de conduta e separou o que é pecado do que é crime. Pediu perdão outra vez. E tem pedido perdão com regularidade, à medida que saem mais notícias e mais documentários e mais filmes e mais relatórios sobre a dimensão catastrófica da pedofilia no seio da Igreja Católica. Pedir perdão é bom? Sim, no sentido em que é uma obrigação moral. Não, se se transformar numa expiação inútil, num arrependimento improdutivo e numa desculpa para a inacção – tipo: o Papa já assumiu a culpa da Igreja, o que é que querem mais?
Queremos muito, muito mais. Pedir perdão pode ser duro e humilhante, mas não faz com que a Igreja realmente saia da sua zona de conforto. Todas as missas começam pelo reconhecimento de que somos pecadores – já sabemos, muito obrigado, que os homens e a Igreja fizeram, fazem e farão coisas horríveis. É próprio da sua natureza. Aquilo que me parece imprescindível é que a Igreja discuta o que manifestamente não quer discutir, e que arranje forma de responder a estas perguntas essenciais: existe, ou não, uma relação entre celibato e pedofilia? O voto de castidade, conjuntamente com o voto de obediência, potenciou ou não a tremenda tragédia do abuso de crianças, ainda por cima maioritariamente rapazes, o que é uma anomalia estatística (fora da Igreja, os menores abusados são maioritariamente de sexo feminino)? A obrigatoriedade de abstinência sexual numa Igreja liderada em exclusivo por homens que exercem o seu magistério de forma largamente solitária contribuiu, ou não, para a massificação da criminalidade sexual no seio do clero?  
Pedidos de perdão oriundos do Vaticano já ouvi muitos. Respostas a estas questões não ouvi uma única. A última carta do Papa Francisco pode ser muito humilde e sentida, mas sobre isto diz zero – reconhece apenas que o número de “clérigos ou pessoas consagradas” envolvidas em abusos é “notável”. Mas porque é que é “notável”? Essa é a pergunta a que a Igreja não se atreve a responder. A que se deve este número absurdo de padres abusadores, que têm feito mais pelo ateísmo no mundo do que as obras completas de Karl Marx? Há paralelos com outras Igrejas? Os protestantes, os ortodoxos, os muçulmanos, os budistas têm a mesma incidência de comportamentos pedófilos no seio do seu clero?
Já existem estudos que mostram que não, que a incidência da pedofilia no seio da Igreja Católica é, de facto, superior, mas o que me interessa aqui não é iniciar uma guerra de links – até porque na internet há de tudo, para todos os gostos. O que me interessa é sublinhar que ninguém é capaz de responder melhor a estas questões do que a própria Igreja – tivesse ela a coragem de enfrentar a dura realidade e, em última análise, revolucionar a sua organização interna. Uma Igreja séria e sólida faria necessariamente duas coisas: 1) produziria um grande relatório, independente e público, à escala mundial, sobre a pedofilia na Igreja Católica nos últimos 50 anos. 2) Avaliaria o impacto do celibato no comportamento dos padres abusadores e tiraria daí consequências sérias. Quando isto for feito, a Igreja estará verdadeiramente a enfrentar a tragédia da pedofilia. Enquanto não o fizer, os pedidos de perdão são apenas formas santas de olhar para o Céu enquanto se continua a sujar a Terra. 
DOIS COMENTÁRIOS:
Diogo Cabral, 27.08.2018: Bem ... se a Igreja Católica tivesse seguido a sugestão do próprio Apóstolo Paulo nada disto tinha acontecido ... ou, pelo menos o problema tinha sido bastante minimizado!!! O Apóstolo Paulo na carta que escreveu à congregação dos Coríntios abordou este problema e disse que, embora o Celibato fosse a melhor forma para o Cristão se dedicar totalmente à evangelização "em vista da imoralidade sexual, cada homem deve ter a sua própria esposa, e cada mulher o seu próprio marido." Cor 7: 1-9. Ou seja, o Celibato NÃO é uma imposição para quem quer exercer cargos de sacerdote/ancião, pois os próprios apóstolos eram casados! Sugestão para a Igreja Católica: remover a obrigatoriedade do "Voto de Celibato" para quem quer ser sacerdote! Vai resolver uma boa parte do problema em questão!
Manuel Serra72: Concordo com o artigo do João Miguel Tavares. Seria interessante saber a que ponto o celibato está relacionado com os casos de pedofilia. Como agnóstico que sou e sem defender de maneira nenhuma este tipo de práticas, acho que muito devemos à religião cristã que é muito mais do que os reducionismos que lêem nos comentários. A nossa civilização assenta nesse pilar que é o Cristianismo. E mais para o bem do que para o mal. E chocam-me os comentários ignorantes e muito habituais à Igreja que vão muito para lá do âmbito do artigo. Ainda assim inventou-se a palavra Islamofobia para pôr as pessoas com medo de comentarem o Islão. Felizmente não existe a equivalente "Cristianofobia" ...

A inutilidade do diálogo com extremistas /Premium
O que fazer com os extremistas? Debate-se? Ignoram-se? Ostracizam-se? Durante tempo de mais agiu-se como se a incitação à violência não estivesse relacionada com a violência. Que anjinhos tantos foram
OBSERVADOR, 22/8/2018
Li por aí muitas tiradas lindas e pomposas que nos garantem que perante Marine Le Pen e derivados há que debater, rebater, vencer pelos argumentos, conversar piedosa e pacientemente até trazer as ovelhas tresmalhadas que seguem estes produtos políticos tóxicos de volta ao bom caminho. É argumentação muito bonita, quase digna de uma parábola no Novo Testamento do bom pastor que nunca abandona quem se perde pelos extremismos – mas de uma ingenuidade assombrosa.
Sobre proibições e censura já perorei a semana passada. Sucede que, lá porque uma pessoa ou um ideário político não é ilegal e, donde, proibido, tal não significa que tenhamos de divulgar e, pior, conversar com tais ideólogos ou seguidores. Como aparentemente muitos parecem defender. O argumento vai na linha ‘se não se divulga e não se conversa, esta exclusão só dá força ao excluído’.
Suspiro. É um caso típico de nunca se aprender nem com as lições mais ostensivas. Os argumentos que leio para defender o convite para a Webb Summit a Marine Le Pen são tal qual os que lia para defender a liberdade de expressão dos extremistas islâmicos dentro da Europa. A quantidade de vezes que me disseram – quando eu clamava que deixar estas pessoas a falarem à solta era perigoso, que estavam a usar as liberdades que lhes disponibilizávamos contra nós – que não, o Ocidente venceria estes obscurantistas dando-lhes liberdade e provando com a tolerância que somos superiores. Deixá-los dizer que os crentes deviam guerrear e matar os infiéis. Tinham todo o direito de dizer isto. Só se torcia o nariz quando (e a quem) de facto guerreasse e matasse infiéis.
Durante tempo de mais agiu-se como se a incitação à violência não estivesse relacionada com a violência. Que anjinhos tantos foram. Só ao fim de demasiados atentados terroristas – de demasiadas mortes – se endureceu a legislação que limita a liberdade de expressão nos casos de incitação à violência ou nos discursos de ódio vindos dos radicais islâmicos.
Finalmente lá se percebeu que não, que a maneira mais eficaz de combater esta erva ruim era não lhe dar espaço para crescer. Ao fim de vários anos a apelar ao ódio e à violência e a radicalizar jovens, protegido pelas leis e pela claque da liberdade de expressão absolutaAnjem Choudary (por exemplo) foi preso por incitação ao terrorismo. Não sem que outros continuassem a defender o seu direito à liberdade de expressão sem limites e a prisão como um abuso estatal.
Casos como os de Marine Le Pen são mais ambíguos. Estamos no fio da navalha e reconheço que não tenho respostas absolutas para estes casos. Sei, porém, que o mantra da liberdade de expressão sem limites e a necessidade de debate não colam.
É possível que haja uma fina barreira vermelha entre a incitação ao terrorismo e à violência e ao discurso de ódio. Em boa verdade temos todos o direito de odiarmos quem quisermos, desde que não lesemos direitos do nosso objecto de ódio. Não faz sentido ilegalizar sentimentos. Mas se o ódio é expresso em palavras públicas, levanta-me reservas. Não podemos enterrar a cabeça na areia e fingir que o discurso da extrema direita é só palavras inócuas. Os membros destes grupos começam a ser estudados e, sem surpresa, verifica-se que desumanizam e diabolizam os indivíduos que odeiam – dos mexicanos às feministas. E sabemos bem que diabolizar e não ver o outro como partilhando da nossa humanidade é o primeiro passo para aceitar ou perpetrar violência sobre esse outro.
Já pelo menos dois massacres foram feitos nos Estados Unidos por dois sinistros incels – os celibatários involuntários que não conseguem ter namoradas nem casos sexuais e se vingam das mulheres que os repudiam matando a eito. Ora esta cultura incel divulga pela net um brutal ódio às mulheres e revela desejos de vingança. Quem pode garantir que os massacres não são incentivados por este discurso de ódio? (De resto, discurso de ódio contra as mulheres é o que não falta pelas redes sociais.)
Não sei a resposta a dar a estes ódios, e outros, que brotam publicamente. Mas sei que, não sendo solução criminalizá-los, é irresponsável e cúmplice dar-lhes palco, estender-lhes convites, normalizá-los, legitimá-los. Inclusive palco online. A maioria das pessoas que usa a internet tem a mesma capacidade crítica sobre o que lê que Homer Simpson tinha para a televisão.
Também é inútil tentar conversar com radicais para os converter à sensatez. Lamento dar a notícia a quem ainda não tinha percebido esta realidade. Devemos conhecê-los, vigiá-los, mas é perda de tempo tentar recuperá-los. Os que aderem a estes movimentos têm tendências tribais fortes e não são necessariamente permeáveis factos e informação que contrariem crenças; pelo contrário, fornecer informação, mesmo se contraditória, serve para reforçar as posições iniciais.
Há sinais aqui e ali que vão no bom sentido. O Reino Unido proibiu há pouco tempo a entrada a agitadores de extrema-direita. Fez muito bem: não se devem importar temporariamente produtos radioativos; são perigos de segurança pública. Tal como seria inaceitável permitir a entrada a um conferencista islâmico que pregue o rancor ao mundo não muçulmano sunita, ou que se estendesse a passadeira a um oficial norte-coreano que explicasse como organizar campos de concentração para opositores políticos ou ao guerrilheiro de extrema-esquerda que acumula com professor de explosivos, também não há necessidade de receber estes provocadores carregados de mensagens de ódio.
UM COMENTÁRIO:
Carlos Martins M.: Lamento informar mas é inútil conversar com pessoas como a Maria João Marques para que sejam convertidas à sensatez. Temos simplesmente que a vigiar e desistir de a recuperar, pois pessoas como ela têm tendências tribais fortes e não deixam que as suas crenças sejam abaladas por factos e informação. Antes pelo contrário, deturpam a realidade e manipulam a informação para que sejam consistentes com as suas crenças. E assim vivem: patetas e felizes com a sua visão dualista e simplista do mundo. A fim de moldar a realidade para que esta seja consistente com as suas crenças, a MJM tenta, num claro e patético esforço, colar o partido de Marine Le Pen aos movimentos islâmicos extremistas que apelam à morte dos infiéis, aos atentados covardes contra civis, à dominação das mulheres e à perseguição dos homossexuais. Pessoas sensatas sabem que o crescimento exponencial de partidos nacionalistas surgem como reacção às posições ideológicas defendidas por gente da estirpe de MJM. O partido de Le Pen defende o proteccionismo económico e a intolerância zero à criminalidade e à imigração não europeia. E, por este motivo, entende MJM, na sua visão deturpada do mundo, que o discurso de Le Pen é um discurso de ódio. Por oposição, o discurso do islamismo, do socialismo e do comunismo é um discurso de paz. Pessoas que defendem o silenciamento e a censura de opiniões divergentes deveriam ter vergonha na cara de se chamarem democratas. Todos os ditadores e apoiantes de sistemas totalitários acham que têm a razão do seu lado e que defendem ideias nobres mas, como a história se encarrega de confirmar, estão profundamente errados .E não há nada que me incomode mais do que ouvir pessoas profundamente erradas que atacam a democracia e a cultura ocidental com o sorriso pateta de quem se acha moralmente superior e não tem vergonha de demonstrar essa arrogância publicamente.

III - Da patranha do aquecimento global
OBSERVADOR, 22/8/2018
Trump afirmou que o aquecimento global era uma conspiração dos chineses para prejudicar a economia dos EUA. Quem se atreve a duvidar do chefe do país mais desenvolvido e poderoso do mundo?
Nestes últimos tempos temos sido alarmados com os efeitos do aquecimento global e da mudança climática, que ameaçariam o nosso futuro confortável e a que temos direito. Tudo isto é obra de cientistas de todas as nações, os quais, num conluio irresponsável, nos alarmam, sabe-se lá porquê, sobre o que está e virá a acontecer ao nosso planeta.
Francamente! Lá porque a concentração de CO2 e do metano na atmosfera aumentou para o dobro, querem convencer-nos que o nosso querido clima está a aquecer e a modificar o regime dos ventos, originando tufões e chuvas diluvianas. Que disparate! Tufões sempre existiram (talvez não tão fortes…) e as chuvas torrenciais são normais (ultimamente não tanto…) por esse mundo fora. Qual é então o problema? Por amor à economia mundial aguentem! Não sejam piegas…
Os gelos dos pólos estão a derreter, causando a subida do nível do mar? Que disparate! Quem é que não reparou quando o copo do nosso gin tónico vem cheio com gelo até acima, o liquido não transborda quando ele se derrete. Então?
E quando esses ecologistas tontos que há anos nos alarmam, por exemplo, com a destruição das florestas tropicais? Ora é muito mais útil e dá mais dinheiro que os terrenos desflorestados sejam plantados com soja, que vai alimentar o gado, ( que produz metano que, por coincidência, tem forte efeito de estufa), que dará a carne para os hamburgers do país de Trump, o grande líder dos EUA. Quem pode duvidar?
As águas oceânicas estão a aquecer por causa do efeito de estufa? Ora, ora, só vejo benefícios em ter água mais quente, para que os banhos de mar sejam mais agradáveis, para nós e para os nossos queridos turistas.
Esses cientistas dizem que o desaparecimento de inúmeras espécies está a causar uma extinção global semelhante às do passado geológico. Tretas, caros cientistas, então para que servem os jardins zoológicos? E porquê essa preocupação em salvar uns tantos bichos e plantas que não servem à nossa economia e que qualquer cidadão normal nunca viu, a não ser, talvez, na televisão?
Isto são apenas alguns exemplos que provam que o aquecimento global é uma grande patranha e que a nossa vidinha vai continuar como sempre. Era o que faltava que assim não fosse!
Não esqueçamos que o presidente Trump afirmou que o aquecimento global era uma conspiração dos chineses para prejudicar a economia dos EUA. Quem se atreve a duvidar do chefe do país mais desenvolvido e poderoso do mundo?
Deixei para o fim o meu principal argumento. Alguém acredita que os governos da grande maioria dos países do mundo, ao continuarem a comportar-se como têm feito até hoje, produzindo e usando mais viaturas, gastando mais e mais hidrocarbonetos, explorando mais campos petrolíferos, poluindo rios e oceanos, consumindo cada vez mais recursos desejando nos seus programas políticos sempre maior crescimento económico, sem olhar a meios, estarão errados? Esqueceremos nós que esses governos são compostos pelos melhores e mais sabedores cidadãos, livremente escolhidos pelo povo? Sendo assim, não temos o direito de duvidar das suas decisões que serão, certamente, as melhores para o futuro da Humanidade.
Continuemos, pois, a viver a nossa vidinha sem preocupações, como temos feito desde há séculos, até porque nem conhecemos os nossos bisnetos.
DOIS COMENTÁRIOS:
Feliz José Santos: Tudo perfeito excepto uma coisa: não são os governos que usam carros e poluem, são os cidadãos. Somos nós. E é esse o problema. O Trump é apenas mais um triste epifenómeno.
victor guerra: Trump ainda não está na Casa Branca, há dois anos e já é o responsável por todos os problemas da alteração do clima, se é que existe, numa série estatística longa. Mais, Trump saiu do Acordo de Paris e bem, porque a América iria pagar centenas de milhões por ano, para que os grandes poluidores - China, Índia, Rússia - fazerem o "ajustamento" até 2025.


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