quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Saberes, sabores



Haja quem saiba, eu apenas gostaria de saber mais para compreender melhor, mas fico-me pela ligeireza do que vai acontecendo e depois se esquece. Há, contudo,  quem estude os factos e os saiba relacionar, embora muitas vezes manipulado por ideologias que outros repelem e por isso contestam. Um texto de José Milhazes sobre a actual destruição pelo KGB dos registos dos condenados do Gulag, como meio de iludir a História para os vindouros. Parece crime, mas mereceu um comentário de apoio a Putin. Outro artigo de José Milhazes compara a ambiciosa política de ocupação de Putin à criminosa de Brejnev e vem à baila a ocupação de Praga nos anos sessenta (e oito), dados desta vez reforçados por outro comentador que aprendeu bem a História. Quanto ao texto de Rui Tavares, senti a mesma incompreensão do seu comentador, que transcrevo, ao ler o seu inabitual apoio nos valores democráticos, condenando ocupações daqueles que defende sempre, desmascarado na sua falsa virtude, como joguete de outros interesses que o seu comentador não deixa escapar.
E vem-me ao pensamento ligeiro, o poemazinho “Manias” de Cesário Verde, caricatura mundanal para nosso desfastio, definidor trocista do bicho homem, de tantas variantes, e que o poeta fixou na sua, bem desprestigiante – mas nem sequer diversa, afinal, da amálgama de sentimentos ou interesses de que se compõe a infinita natureza humana, de “tremente mão nervosa” chafurdando nas ambições específicas de cada um:
“O mundo é velha cena ensanguentada  Coberta de remendos, picaresca, A vida é chula farsa assobiada Ou selvagem tragédia romanesca…”

Rússia: país com passado imprevisível e presente previsível /premium
OBSERVADOR, 11/6/2018
Muitos dos formados no KGB dirigem a actual Rússia e trazem os seus velhos métodos para a vida política. Agora, estão a ser destruídas as fichas de registo dos reclusos do Gulag.
Os dirigentes autoritários e ditatoriais reescrevem o passado e desenham o presente e o futuro à sua maneira, para melhor ficarem na fotografia, mas o objectivo final é sempre o mesmo: limitar os mais elementares direitos e liberdades democráticas.
O Museu da História do Gulag, sistema de campos de concentração existentes na União Soviética estalinista, denunciou que as fichas de registo dos reclusos de um dos mais cruéis sistemas de extermínio estão a ser destruídas pelas autoridades russas.
Roman Romanov, o director desse museu que se encontra em Moscovo, acrescentou que isso significa a destruição total de informação sobre a permanência dos prisioneiros em numerosas dezenas de campos de trabalho forçado espalhados pela União Soviética.
Estes documentos são de importância vital porque fixam o destino dos presos políticos depois da sua condenação pelos tribunais estalinistas e até à sua libertação ou morte. Se o recluso morria na prisão, o seu dossier era enviado para os arquivos para ser “eternamente conservado”. Todavia, se tivesse a sorte de sair em liberdade, o dossier era destruído, mas era obrigatória a conservação das fichas de registo, o que permitia aos familiares e estudiosos saberem pelo inferno que tinham atravessado milhões de pessoas.
Escusado será dizer que a decisão de destruir as fichas de registo foi tomada por organizações como o Serviço Federal de Segurança (FSB) e o Serviço de Informações Externo (SVR), herdeiros da polícia política soviética KGB, a 12 de Fevereiro de 2014, e trazia o carimbo “para serviço interno”, ou seja, era secreta.
Aliás, ela só se tornou do conhecimento público quando historiadores e familiares receberam, aos seus pedidos de informação, a resposta de que esses documentos eram destruídos depois de o antigo recluso ter feito 80 anos.
Segundo Seruei Prudovski, um dos estudiosos que denunciou este “branqueamento do passado”, desconhece-se a quantidade de pessoas que foram alvo de repressão na era soviética (1917-1991), mas afirma que, em 1937-1938, foram presas mais de 1,7 milhões de pessoas por motivos políticos. A organização não-governamental “Memorial” calcula que o número total de habitantes da União Soviética que foram vítimas de repressão ronda os 12 milhões.
Decisões como esta ou como a proibição do filme “A morte de Estaline”, as dificuldades cada vez maiores de aceder aos arquivos do regime comunista visam impedir o esclarecimento de episódios da história mal contados. Isto é tanto mais evidente num país como a Rússia, onde não se realizou um “processo de descomunização” das estruturas de Estado, como foi feito na Alemanha em relação ao nazismo depois da Segunda Guerra Mundial, e onde a polícia política não foi tocada pelas mudanças originadas pelo fim da União Soviética.
Muitos dos formados no KGB dirigem a actual Rússia e trazem os seus velhos métodos para a vida política. Prova disso é uma reportagem emitida pela cadeia de televisão BBC, onde se pode ver que os serviços secretos russos continuam a recorrer aos métodos clássicos de intimidação dos jornalistas estrangeiros durante o Campeonato do Mundo de Futebol de 2018.
Não há dúvida que para Vladimir Putin é importante que esta prova corra sem o mínimo percalço e os estrangeiros saiam da Rússia com uma imagem de que o regime funciona às mil maravilhas. Faz lembrar a política dos dirigentes soviéticos quando da realização dos Jogos Olímpicos de Moscovo em 1980. À excepção do boicote internacional, provocado pela invasão do Afeganistão por tropas soviéticas em 1979, a capital soviética era uma montra quase ideal do chamado “socialismo desenvolvido”. Para já não se falar dos êxitos da “comunidade socialista” no campo do desporto.
Mas, nove anos depois, o dito “campo socialista” desmembrou-se e, em 1991, a União Soviética desmoronava-se como um baralho de cartas. Eu não sou supersticioso, mas…
P.S. Se Hugo Chávez, Lenine, Álvaro Cunhal, Octávio Pato merecem ter ruas e avenidas com o seu nome em Portugal, porque é que não se deve fazer o mesmo com Frank Carlucci, embaixador norte-americano que muito contribuiu para a implantação da democracia no nosso país? Porque apoiou o golpe de Pinochet no Chile? Argumento de peso que se deve ter em conta, mas os acima citados foram santinhos? Dois pesos e duas medidas…

COMENTÁRIO DE fernando Simões, 11/06/2018
Lá tinha de vir o inevitável ataque a Putin, provavelmente o único líder ocidental a proteger o seu país contra a oligarquia financeira que domina o ocidente. A pergunta fundamental é quem faz mover Milhazes no seu ódio contra a Rússia? Putin é um patriota que não hesita em defender o seu povo contra os avanços da judiaria que já em 1917 arrasou a Rússia. 

Tropas soviéticas em Praga: libertadores ou ocupantes? /premium
OBSERVADOR, 20/8/2018
Actualmente, Vladimir Putin tenta repetir a política de “soberania limitada” de Leonid Brejnev, dirigente soviético que ordenou a entrada de tanques em Praga.
A invasão da Checoslováquia há 50 anos por tanques soviéticos, conhecida comoOperação Danúbio”, continua a provocar acesas discussões na Rússia, principalmente à luz da política externa agressiva de Vladimir Putin no antigo espaço soviético. Actualmente, Putin tenta repetir a política de “soberania limitada” de Leonid Brejnev, dirigente soviético que ordenou a entrada de tanques em Praga.
Esta abordagem do Kremlin começou a manifestar-se na invasão da Geórgia em 2008 e tornou-se particularmente evidente depois da ocupação da Crimeia e do Leste da Ucrânia pelas tropas russas em 2014. A tentativa dos checoslovacos de se libertarem do jugo comunista começou a ser comparada às “revoluções coloridas que ocorreram em alguns dos países que fizeram parte da União Soviética até 1991.
Em 2016, o deputado Viatcheslav Nikonov, neto de Viatcheslav Molotov, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros do ditador comunista José Estaline, considerou que “então, na Checoslováquia foi organizada mais uma revolução colorida pelos americanos”. Este defensor ferrenho da política externa de Vladimir Putin não tem dúvidas de que a “Primavera de Praga” foi inspirada de fora para retirar aquele país do “campo socialista”.
Em Novembro do ano passado, na véspera da visita de Miloš Zeman, Presidente da República Checa, a Moscovo, a página do canal televisivo “Zvezda” (Estrela), órgão de informação oficial do Ministério da Defesa da Rússia, publicava um texto onde se afirmava que “a Checoslováquia devia estar grata à URSS por 1968”, “frisando que a entrada de tropas [soviéticas] na Checoslováquia não permitiu ao Ocidente fazer um golpe de Estado no país segundo a tecnologia de realização das revoluções de “veludo” e conservou durante mais 20 anos a paz e concórdia entre todos os povos dos países da Organização do Tratado de Varsóvia”.
Segundo o autor do texto, por detrás da construção do socialismo com rosto humano “começou a destruição do Estado checoslovaco socialista”; tudo o que acontecia, como “compreenderam bem” os dirigentes dos países do Tratado de Varsóvia, era “o avanço da NATO para Leste”.
Este artigo irritou tanto os checos e os eslovacos que Miloš Zeman, um dos aliados de Putin no seio da União Europeia, protestou junto do Kremlin e a televisão russa retirou-o da sua página.
As actuais autoridades russas parecem ainda não ter compreendido o erro dos líderes comunistas soviéticos. Os povos do antigo “campo socialista” não eram atraídos pela NATO, mas sim pelo desenvolvimento económico e social dos países vizinhos. A Checoslováquia, por exemplo, tinha fronteiras com a Áustria, um dos países mais prósperos da Europa de então, onde o desenvolvimento económico estava acompanhado do respeito pelos direitos e liberdades.
Por isso, a Rússia sentir-se-á sempre ameaçada e cercada enquanto não for, pelo menos, um exemplo de bem-estar social e de respeito por aquilo que os seus dirigentes exigem dos outros, respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades. O medo e as ameaças têm apenas efeito temporário. Não é ameaçando e invadindo o território dos países vizinhos que se ganha o respeito deles.
É por esta razão que é difícil acreditar que a Rússia esteja interessada numa solução justa para o problema da Ucrânia. O Kremlin continua a apostar no tudo ou nada: ou a Ucrânia aceita a “soberania limitada”, ou continuará a ver parte do seu território ocupado por tropas russas (os separatistas russófonos não passam de fantoches mandados por Putin). Por isso, o último encontro de Vladimir Putin com Angela Merkel sobre este problema acabou sem resultado.
Correu claramente melhor a participação do dirigente russo no casamento de Karin Kneissl, chefe da diplomacia do governo austríaco de extrema-direita. Traz-nos à memória um dos ditados russos preferidos de Putin: “Quem paga é quem dança a moça”.
A extrema-esquerda portuguesa, que morre de paixão pelo “anti-imperialismo” do Kremlin, certamente não irá comentar a dança. Os fins justificam os meios.
P.S. Moscovo já cantou vitória militar na Síria, mas chegou a hora da reconstrução do país e é preciso dinheiro. O Kremlin pediu dinheiro a Trump, mas recebeu resposta negativa. Putin foi bater à porta de Merkel, lembrando que, se a União Europeia não abrir os cordões à bolsa, os refugiados sírios que já se encontram na Europa não poderão regressar ao seu país e que, nos países vizinhos da Síria, há ainda vários milhões de refugiados que poderão querer ir para o Velho Continente.

COMENTÁRIO DE SHIRI BIRI
 “…neto de Viatcheslav Molotov, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros do ditador comunista José Estaline,…” foi uma ocasião desperdiçada para mencionar que foi quem negociou e celebrou o Pacto entre a URSS comunista e a Alemanha nacional socialista. Pacto que leva o nome dele e do ministro alemão Joachim Von Ribbentrop e que selou a aliança entre Estaline e Hitler para iniciarem a 2ª Guerra Mundial na Europa.
A invasão da Checoslováquia em 1968 foi mais uma demonstração de que o comunismo é uma ditadura sanguinária e que os métodos são sempre os mesmos independentemente do líder da ocasião.
Em 1956 foi a  invasão da Hungria com Nikita Khrushchov (que até foi considerado um moderado após Estaline) a líder da URSS e em 1968 com Brejnev.  Os comunistas são sempre iguais sejam eles Lenine, Trostsky, Estaline, Mao Tse-Tung ou outro qualquer. Só trazem miséria, tortura e morte.
“Moscovo já cantou vitória militar na Síria…”.  A Rússia interveio na Síria em 2015 e teve logo um avião abatido pela Turquia. Depois de ladrar muito lá meteu o rabo entre as pernas e é hoje amiga da Turquia.
A intervenção russa visou a manutenção do ditador Assad no Poder e por aí pode ser considerada uma vitória parcial. Não conseguiram eliminar a oposição ao ditador que seria a vitória total. Pouco fizeram para derrotar o ISIS.  Derrota que só veio a acontecer em 2017 depois de Trump ter tomado posse e ter declarado como objectivo derrotar os terroristas.  Os russos estiveram ano e meio na Síria sem que nada de mal acontecesse ao ISIS.

III – OPINIÃO: Da Checoslováquia à Grécia
A lição a retirar da invasão da Checoslováquia é que ela é ainda relevante hoje, porque a Europa que tentámos construir após a queda do Muro de Berlim se fundamenta num princípio: nunca mais.
Rui Tavares
PÚBLICO, 23 de Agosto de 2018
Na semana passada, como a polémica do momento era sobre a extrema-direita, havia quem só nos desse autorização moral para falar dela, se antes se falasse da extrema-esquerda. Como essa polémica estava relacionada com a história do fascismo na Europa, era impossível falar sobre isso sem que antes nos perguntassem: “Então e o comunismo?” E como essa polémica tinha que ver com uma Le Pen — família conhecida pela minimização e até negação dos crimes da Alemanha nazi e da França de Vichy —, houve nas redes sociais quem exigisse que antes de qualquer pronúncia sobre tais temas se fizesse logo uma denúncia sobre os crimes do estalinismo ou da União Soviética.
Esta semana tive então curiosidade de ver se alguém falaria de um dos mais graves desses crimes — a invasão da Checoslováquia pelas tropas do Pacto de Varsóvia há 50 anos. Com apenas uma exceção — José Milhazes, no Observador — não vi qualquer outra menção à invasão da Checoslováquia entre os comentadores da imprensa nacional. O que é mais curioso, o silêncio foi total da parte dos comentadores de direita que são tão lestos a pedir que comentemos o que dizem e fazem os regimes e políticos de esquerda (quando se trata de desviar o assunto daquilo que dizem ou fazem os líderes políticos da direita).
Em tempos chamei a isto o argumento do “entaladinho”, amálgama de “então-falas-sobre-isto-mas-sobre-aquilo-estás-caladinho”. O argumento do entaladinho produz um debate que não sai do sítio e uma política que não avança para lá do tribalismo e dos lugares-comuns. E isso é lamentável porque, para lá da esquerda e da direita, é essencial entender que cada violação de direitos humanos vale por si mesma e que de todas há lições históricas a retirar.
A lição a retirar da invasão da Checoslováquia é que ela é ainda relevante hoje, porque a Europa que tentámos construir após a queda do Muro de Berlim se fundamenta num princípio: nunca mais. E para fazer valer esse princípio temos de entender que o destino da liberdade e da democracia em cada país europeu está indissociavelmente ligado ao destino de todos os outros países europeus. Como disseram os resistentes húngaros em 1956, quando os tanques soviéticos chegavam a Budapeste (noutra invasão destinada a esmagar veleidades soberanas): “Morremos pela nossa liberdade e pela Europa.” Os húngaros foram abandonados em 1956, tal como os checoslovacos o foram em 1968. A brutal realidade da Guerra Fria e da política de blocos assim o ditava. Mas a partir do momento em que a queda do Muro de Berlim possibilitou a participação destes países no projeto europeu, essa integração europeia só poderia estar baseada na tal promessa: nunca mais.
O problema presente, que pode desembocar em tragédia, é que essa promessa está a ser quebrada. Por um lado, é verdade que os países do Leste europeu têm agora melhores condições de vida (o mais prático argumento, como lembra corretamente José Milhazes, utilizado pelo Ocidente para ganhar a batalha política pelas vontades dos europeus do Leste). Mas é evidente também que se vive naqueles países um clima de retrocesso do Estado de direito e dos valores da democracia perante a indiferença geral das lideranças políticas europeias. E, tal como no período de entre guerras, essa regressão é contagiosa. Começou na Hungria, passou para a Polónia, oferece preocupação na Roménia, e por aí adiante (nos dois primeiros países os governos são de partidos conservadores; no terceiro é de um partido socialista, provando que este é um problema que afeta várias famílias políticas).
E isso leva-nos, ainda que de forma indireta, à Grécia e à sua saída do programa da troika. O que vimos da Europa na Grécia? Independentemente da análise que cada um de nós tiver sobre as origens da crise grega e sobre a forma da sua resolução, uma coisa é certa: vimos uma Europa que se preocupa muito mais com décimas de défice do que com valores democráticos fundamentais. Atenas chorou, enquanto Orbán cantou e riu ao destruir o Estado de direito em Budapeste. E esse é um erro crasso de que ainda estamos a pagar as consequências.
Até Jean-Claude Juncker já admitiu uma vez, em nome das instituições: “Pecámos contra a dignidade dos povos da Grécia, de Portugal e da Irlanda.” Mais do que confissão de pecados, importaria passar ao ato de contrição e a aprender a lição. A Europa de hoje não é felizmente igual à da invasão da Checoslováquia, como a da invasão da Checoslováquia não é igual à do Holocausto nazi. Mas enquanto a Europa de hoje não reencontrar a escala correta das suas prioridades políticas — em que a democracia, os direitos e o bem-estar social não podem deixar de ter precedência sobre a implementação cega dos dogmas de política económica — estaremos sempre em risco de voltar ao pior do nosso passado.

COMENTÁRIO DE MARTINS.RUIJORGE,  Quinta do Anjo 24.08.2018:
Mas que amálgama faz Rui Tavares para se pôr em bicos de pés e dizer "cucu, estou aqui" para as próximas eleições europeias. Nesse afã de se fazer notar faz como o outro dos bonecos: "pisca o olho à direita" enquanto quer dizer que é de esquerda. Contradições insanáveis onde este cronista se afundou há muito. Rui Tavares quer estar em Bruxelas-deve gostar do clima cinzento que faz pandã consigo- mesmo que para isso tenha de incensar um projecto europeu onde ninguém coerentemente de esquerda hoje se revê ou augura futuro.


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