domingo, 17 de outubro de 2010

Relatórios, sim, mas de relações

- Ouvi na TV, a um rapazinho novo chamado Hugo, que nos países civilizados os governos apresentam ao fim de cada ano um relatório provando o que eles fizeram para melhorar o país. A maior parte tem que se esforçar para ficar lá. Nós aqui, os erros são enormíssimos e ninguém é mudado. Eles são todos primos uns dos outros.
- Por isso não há relatório. Mas acredito que seja antes por não saberem fazer bem as contas.
- Eu acho que o país tinha que se levantar em peso e vir exigir uma mudança radical. Se é preciso vir o FMI, então que venha. Que entre o FMI e quanto antes, diz o Medina Carreira, porque parecendo isso uma calamidade, ele diz que não, só parece. Os bancos mandam neles, os milionários mandam neles. Os banqueiros impõem as suas condições, onde é que vivemos?
- Ainda se houvesse produção suficiente, para a balança comercial…
- disse eu a medo, nas a minha amiga não me deu tempo a desenvolver a ideia e passou-me para as mãos um artigo do SEMANÁRIO com o título “Regalias e salários dos boys socialistas” e o subtítulo “Ex-secretários de Estado e ex-ministros com ordenados milionários em institutos públicos”, contendo ainda o perfil sorridente de Fernando Gomes com expressivo anúncio dos seus êxitos ascensionais. É tão obscenamente vergonhoso, que não posso passá-lo em branco e aqui o deponho:
“Na semana passada, o Governo anunciou as medidas de austeridade mais duras dos últimos anos: corte de 5% nos salários da função pública, redução dos apoios sociais, congelamento das pensões da função pública e aumento de impostos.
No dia 23 de Julho passado, o Governo anunciou mais uma nomeação para uma empresa pública: trata-se de Ana Tomaz, 35 anos, administradora da Estradas de Portugal, com um salário anual bruto de 151.200 euros, mais carro de serviço, combustível e telemóvel. Na véspera da nomeação, esta engenheira civil sem qualquer experiência de gestão, era adjunta do secretário de Estado das Obras Públicas.
Este é só um dos exemplos de figuras próximas do PS colocadas pelo Governo em institutos públicos, fundações, entidades reguladoras ou empresas do Estado , mesmo durante a crise. A SÁBADO foi ver onde estão e quanto ganham.
Por exemplo, o ex-secretário do Estado da Administração Interna e da Agricultura, Ascenso Simões, foi nomeado pelo Governo para vogal do Conselho de Administração da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos a 7 de Maio, onde ganha 13488 euros mensais. Ascenso Simões pertenceu à JS, foi vereador da Câmara de Vila Real e presidente da distrital do PS.
Já Fernando Gomes passou directamente da Assembleia da República para o Conselho de Administração da Galp, com um salário base de 349 mil euros, mais 30 mil de prémios, 88 mil em PPR e 62 mil em subsídios de renda de casa e deslocação, num total anual superior a 529 mil euros.”
Meros dados comprovativos da desvergonha que escorre das nossas figuras actualmente qualificadas.
Recorramos, uma vez mais, a Esopo, vejamos a sua fábula “A víbora e a raposa”:
Uma víbora descia um rio sobre um feixe de arbustos. Uma raposa que passava viu-a e exclamou: “Tal navio, tal piloto!”
A fábula visa o patife que se acha em má postura.”
Podemos, sempre, na tradução, procurar a via da versificação – mera prosa versificada - para maior diversão, nesta vida atropelada, e assim alegremente, esperar a solução:
“Sobre um feixe de arbustos, meio desconjuntado,
Num rio em muito mau estado,
Uma víbora ia descendo
Ansiando
Safar-se, nem que para isso atropelasse
Outros mortais que topasse.
Uma raposa passou e disse,
Com ar muito maroto:
“Tal navio, tal piloto”,
Mas podia bem ter trocado
Os termos da sua ilação:
-“Tal piloto, tal navio” -
Que ninguém se espantaria
Pois os dados da alegoria
Têm idêntico significado,
E idêntica aplicação,
- Quer à barca desconjuntada
Sempre mal pilotada,
Quer ao piloto perverso
Que virou a barca do avesso.”

sábado, 16 de outubro de 2010

Enchamos o poço

Recebi um e-mail contendo exaltado comentário sobre “A Lei 2105 de 1960”, uma Lei (“publicada no “Diário do Governo” de 6 de Junho, com a assinatura de Américo Tomaz, Presidente da República, e de A. Oliveira Salazar, Presidente do Conselho de Ministros, e segundo a qual “quem quer que ocupasse lugares de responsabilidade pública não podia ganhar mais do que um Ministro”). Posteriormente, “Em 13 de Dezembro de 1974, catorze anos depois da lei “fascista”, o Governo de Vasco Gonçalves, pelo Decreto-Lei 446/74 limitou os vencimentos dos gestores públicos e semi-públicos ao salário máximo de 1,5 vezes o vencimento de um Secretário de Estado.”
As suas informações colheu-as o subscritor - “Dias Tramados” - na obra “Salazar e os Milionários” de Pedro Jorge de Castro, publicada pela Quetzal em 2009:
“Essa lei destinou-se a disciplinar e moralizar as remunerações recebidas pelos gestores do Estado, fosse em que tipo de estabelecimentos fosse. Eram abrangidos os organismos estatais, as empresas concessionárias de serviços públicos onde o Estado tivesse participação accionista, ou ainda aquelas que usufruíssem de financiamentos públicos ou "que explorassem actividades em regime de exclusivo". Não escapava nada onde houvesse investimento do dinheiro dos contribuintes.
Naturalmente que o subscritor do texto tece considerandos expressivos de ironia sobre a diferença relativa aos tempos hodiernos, de que transcrevo os parágrafos seguintes:
“Ao lermos hoje esta legislação, parece que nos mudámos, não de país mas de planeta, pois tudo isto se passou no tempo do "fascismo" (Lei 2105/60) e do "comunismo" (Dec.-Lei 446/74). Agora, está tudo muito melhor, sobretudo para esses “reis da fartazana” que são os gestores estatais dos nossos dias: é que, mudando-se os tempos mudaram-se as vontades e, onde o sector do Estado pesava 17% do PIB, no auge da guerra colonial, com todas as suas brutais despesas, pesa agora 50%. E, como todos sabemos, é preciso gente muito competente e soberanamente bem paga para gerir os nossos dinheirinhos.
Tão bem paga é essa gente que o homem que preside aos destinos da TAP, Fernando Pinto, que é o campeão dos salários de empresas públicas em Portugal (se fosse no Brasil, de onde veio, o problema não era nosso) ganha a monstruosidade de 420.000 euros por mês, um "pouco" mais que Henrique Granadeiro, o presidente da PT, o qual aufere a módica quantia de 365.000 mensais.
Aliás, estes dois são apenas o topo de uma imensa corte de gente que come e dorme à sombra do orçamento e do sacrifício dos contribuintes, como se pode ver pela lista divulgada recentemente por um jornal semanário, onde vêm nomes sonantes da nossa praça, dignos representantes do despautério e da pouca-vergonha a que chegou a vida pública portuguesa.
Assim - e seguindo sempre a linha do que foi publicado - conhecem-se 14 gestores públicos que ganham mais de 100.000 euros por mês, dos quais 10 vencem mais de 200.000. O ex-governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, o mesmo que estima à centésima o valor do défice português, embora nunca tenha acertado no seu valor real, ganhava 250.000 euros/mês, antes de ir para o exílio dourado de Vice-Presidente do Banco Central Europeu.
Entretanto, para poupar uns 400 milhões nas deficitárias contas do Estado, o governo não hesita em cortar benefícios fiscais a pessoas que ganham por mês um centésimo, ou mesmo 200 e 300 vezes menos que os homens (porque, curiosamente, são todos homens...) da lista dourada que o "Sol" deu à luz há pouco tempo.
Acabemos de vez com este desbragamento, este verdadeiro insulto à dignidade de quem trabalha para conseguir atingir a meta de pagar as contas no fim do mês.”

Vivemos uma época sombria, numa chiadeira de roldana e nora enferrujadas, tentando extrair do poço a água que nos dessedentasse, mas é tempo de seca, o poço não dá mais água. Temos que devolver a que recebemos do exterior, que matou, de facto, a sede a muita gente, e continua, mas serviu também para a construção de estruturas imprescindíveis, num país de miséria, desde sempre educado na miséria do subdesenvolvimento social, no desinteresse por uma formação de igualdade social. Assim tivesse servido também, essa “água” exterior, para desenvolver indústrias e não nos fosse imposta a morte dos campos e das pescas, que a tal água que veio de fora exigiu, como condição da sua aparente generosidade.
A nossa miséria social sempre assentou na exploração, no elitismo, na aldrabice, na esperteza de uns, na apatia de um povo que nunca se preparou intelectualmente, por falta de condições económicas, sempre, mas também por desinteresse em se elevar conscientemente, habituado a vergar, a obedecer – “Se tu soubesses o que custa mandar, gostarias de obedecer toda a vida” – escreveu Salazar.
E todos criticam Salazar, mas o facto é que a sociedade continua a ser feita por idênticas normas de mando e obediência, só que o mando agora é mais despudorado, por lhe faltar o equilíbrio de uma Justiça que foi riscada do nosso mundo, que cada vez permite mais traficâncias, trafulhices, trapaças e desvergonhas. E lata, somos o povo da lata.
E atrevem-se a vir, com a sua voz soturna, agourar desgraças para a qual eles próprios contribuíram, como fez ainda hoje o governador – ex – do Banco de Portugal, Victor Constâncio, que tem o arrojo de descer do seu mundo - de água – exterior, para onde foi embarcado, e aparecer na televisão denunciando, agourando, tristemente, soturnamente. Interiormente, rebolando-se de gozo, Tartufo com pinta.
É preciso encher o poço, o nosso Governo manda, para resolvermos a crise. Obedeçamos, como devemos gostar, foi Salazar que disse. Obedeçamos, como Sócrates impõe. Não melifluamente, como esse outro Tartufo banqueiro, mas risonhamente, como o tal aprendiz de feiticeiro, que Disney imortalizou.
Enchamos o poço, como de costume. É preciso salvar a nação.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

“Hoje é só mineiros”

- Não, hoje é só mineiros - considerou a minha amiga, indiferente a quaisquer outros subterrâneos das nossas lucubrações provenientes das transmissões mediáticas diárias, agudizadas em previsões mais catastróficas ainda, que a catástrofe sobre os trinta e três mineiros do Chile, em que todos se salvaram e para mais são reconhecidos como heróis nacionais, tal como outrora os “bourgeois de Calais” que o Rodin esculpiu. Mas estes até foram apresentar-se ao rei inglês, Eduardo VI, descalços, em camisa e com a corda ao pescoço, para salvar os habitantes da cidade, que o rei inglês queria render pela fome. Não chegaram a morrer, mas posteriormente tiveram uma estátua em Calais, o que não aconteceu com o nosso Egas Moniz que também foi com a família nos mesmos trajes humilhantes dos ricos burgueses franceses, para resgatar a palavra que jurara ao rei de Leão, e não lhe conheço nenhuma estátua tão célebre assim, não sei se por falta de Rodin, mas é também porque nem todos acreditam na história da hombridade de Egas Moniz, acham que tudo não passa de lenda, pois os nossos feitos como nação são muitas vezes atribuídos à lenda, também não sei se por termos inveja, já que os nossos feitos de agora são outros, não contêm tanta heroicidade, nem espírito de sacrifício para se honrar a palavra como o nosso Egas, ou para salvar uma cidade como os ricaços de Calais.
As palavras são como as cerejas.
- Mas como foi possível uma coisa daquelas, sem condições de segurança, a tantos metros de profundidade? – perguntei eu que mal tenho podido assistir às reportagens, devido aos muitos afazeres da domesticidade.
A minha amiga não é de cerimónias e largou com imponência:
- Deve ter havido grossa falcatrua. Faltam condições, não posso falar, vão ser averiguadas. Alguma coisa está errada, arriscar daquela maneira! … Aquilo afinal é ouro e cobre. - As coisas que a minha amiga descobre! – E, se fecha, é o ganha-pão daquela gente. Porque ali estavam aqueles. Cá fora estão muitos que trabalham ali.
- Mas foi um feito memorável, com a colaboração dos grandes, sempre os mais generosos e os mais capazes. A Alemanha, a NASA, o homem é um ser fantástico!
- Mas se não fossem os media não teria havido, talvez, um salvamento tão espectacular.
- E talvez sim, que as grandes potências gostam de mostrar o seu poder e a sua bondade.
- Oh! Sempre o seu poder! Nem sempre a sua bondade!
Decididamente a minha amiga hoje está para contrariar.