quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Julgo sempre


Que o pontapé sofrido em tempos pelas colónias e pelos colonos só mereceria o silêncio - talvez envergonhado (mau grado a ingenuidade do apodo, reconheço) que se instaurou definitivamente cá por casa, vistas as consequências pesadas desses povos migratórios em fuga dos seus próprios países, que o mundo chamado ocidental tem amparado, sem muitas queixas, dada a sua responsabilidade nisso. Tirante lá o Trump - mas talvez com o mesmo comedimento futuro, satisfeito hoje com o cargo que conquistou, com a espectacularidade da sua exuberância de ricaço que, por tal, o mundo passa a respeitar, humildemente, como já estamos a observar. Não, não vale a pena repor passados, quando ainda estamos vivos. Jamais esquecidos.

Moçambique, o PS e um elogio

Não foi por acaso que António Costa - desde sempre um político de facção - se permitiu escrever agora o que escreveu. Fê-lo num gesto difícil de classificar em alguém prestes a tomar posse na Europa.

MARIA JOÃO AVILLEZ JORNALISTA, COLUNISTA DO OBSERVADOR

OBSERVADOR 13 nov. 2024, 00:2260

1É nestas ocasiões em que a diferença entre “conhecer” e não conhecer se pode fazer sentir também no coração. Olho para a televisão e aflijo-me com Moçambique. Fui lá pela primeira vez num grande paquete, tinha vinte anos, com os meus pais e as minhas irmãs, voltei depois muitas vezes. Umas com a família que formei; outras em trabalho, outras para fazer um livro (“África Dentro”, Texto Editora), uma maravilhosa “encomenda” de Rui Vilar, então presidente da Gulbenkian. Testemunhei in loco o “antes” da independência, nas décadas de sessenta e inicio de setenta e o “depois”, em diversos regressos. Andei por muitos lados e de roda de muitas gentes, políticos, intelectuais, académicos, escritores, Igreja, empresários. Queria contar Moçambique. Entrevistei um presidente da Republica, dirigentes da Frelimo, ministros, conversei longamente com o líder da Renamo, Afonso Dhlakama (entretanto falecido).Tudo isto enquanto ia podendo observar, “in loco” e ao vivo, a “travessia” moçambicana de um país colonizado para uma pátria independente, e olhando com curiosidade a passagem de uma cidade colonial baptizada de Lourenço Marques para uma cidade capital, de seu nome Maputo.

Com o que isso implicou naturalmente de conquista de poder e afirmação de uma nova legitimidade — mudanças de nomes de ruas, de símbolos, de bandeirasmas de mansinho e devagar, ia também ganhando terreno algo de parecido com o desleixo. Hoje, tantas décadas e algumas viagens depois, não duvido que o omnipresente, demencial e corrompido poder da Frelimo, foi directamente proporcional α decadência que persistentemente fazia o seu caminho: na magnifica capital moçambicana, desenhada pelo general do exercito português, Araújo, com os seus bairros de invejável geometria, largas avenidas, palmeiras e ibiscos e o Índico aos pés, muita coisa se veio a deteriorar.

Como também conheci as outras áfricas de expressão portuguesa — e também antes, e depois das suas independências — percebi um dia que apesar de tudo, havia uma eleita e era Moçambique. Era a eleita e era-o até ao revés do comum dos portugueses que há muito conhecendo ou vivendo nestas áfricas — e não apenas nesses idos de sessenta e setenta do século passado — tinham um “fraco” fortíssimo por Angola e não trocavam Luanda por Lisboa. Eu não. De cada vez que regressava a Maputo, α Beira, α Ilha, a Pemba, a Quelimane, a Nampula, era a Moçambique que voltava. Celebrei-a em boas marés — quando o país teve um rumo e o seguia aparentemente bem, com sólidos resultados e bons algarismos, certificados internacionalmente (tão bem que um dia o Expresso, há muito, muito tempo, me mandou a Maputo para ouvir uma apreciável quantidade de jovens portugueses que de Portugal para lá se tinham mudado com família e bagagem: acreditavam com empenho e fé no futuro daquela nova pátria).

E fui em más marés, como no auge das lutas civis entre a Frelimo e a Renamo; na “oficialização” de um poder cada vez mais absoluto, no embate com o flagrante retrocesso no avisado caminho encetado anos antes. De cada vez reencontrava-me de novo com políticos, no poder e na oposição, dirigentes de instituições, académicos, comerciantes (“ah a “Casa Elefante” frente a esse “monumento” de arquitectura que é a estação de caminho de ferro no centro da capital”).

Um cúmulo de erros, desperdício, malfeitorias, ocupação-usurpação do poder pela Frelimo, falsificação dos resultados eleitorais, narcotráfico. Não sou eu que o digo: sabe-se. E tanto desamparo, abandono, pobreza: os números são hoje aterradores. Uma miséria nacional.

Se conto e lembro tudo isto É porque olho agora para a televisão — ver para descrer — e percebo que talvez já não volte. E Moçambique talvez também não volte ao que conseguiu já ser após a sua independência.

Das coisas mais amargas que conheço é o sabor do “nunca mais”. Este vai-me custar bebê-lo. Chora-se um lugar como se chora uma pessoa.

2Não sei se era previsível — os espíritos dividem-se –, sei que a pergunta se me impõe: quem é que manda no PS? Acha-se que se sabe mas afinal não se tem a certeza. Não fora o caso de Loures e o acaso ditar que o seu autarca fosse socialista e havia quem pensasse (não eu) que a liderança política de Pedro Nuno Santos poderia um dia vir de facto a cimentar o partido, unir de vez as suas tropas, ganhar eleições. É engano. É certo que havia o antagónico sector “costista” que nunca saiu de “lá” mas agora há mais: alguns dos mais próximos de Pedro Nuno Santos deixaram, estão a deixar e talvez venham a deixar de vez — de ser o que ainda são oficialmente: “os próximos do líder”. Eis o que É um facto político e não uma trivialidade de somenos. Não foi por acaso que António Costa — desde sempre um político de facção — se permitiu escrever agora o que escreveu, e publicar o que publicou. Fê-lo num gesto difícil de classificar em alguém prestes a tomar posse como presidente do Conselho Europeu — mas fê-lo e não por acaso, agora. Pedro Nuno Santos não domina o “aparelho”, é este que o manieta a ele, o PS nem está unido, nem fala a uma voz, nem quer o mesmo, nem rema na mesma direcção. Dir-me-ão: “sempre foi assim, ainda bem, o PS é plural, pensa pela sua cabeça”, etc., etc., etc. O que ocorre não é confundível com pluralidade, são declarações de guerra ou um início de guerrilhas. Será conforme. O pretexto chamou-se Ricardo Leão — pertenço ao grupo, minoritário claro está, dos que perceberam o que ele quis dizer e porque quis dizê-lo, mas das duas uma: ou o caso Leão, “salvo” pelo próprio Pedro Nuno Santos, calhou afinal que nem ginjas aos hoje falsos “próximos” para passaram a “afastados”, ou no subsolo socialista há vida mais movimentada do que se suporia.

3Será que era preciso gostar de futebol para pasmar e maravilhar com o fulgurante fim de tarde desportivo do último domingo? Fiquei na dúvida. É que há muito não me lembro de uma articulação tão poderosa entre os deuses, duas bolas, dois relvados e 44 jogadores. Falo no plural evidentemente porque era impossível não perceber que ambos os jogos — Sporting de Braga/ Sporting e Benfica/Porto — independentemente das cores respectivas, tinham que ser vistos. E depois, no final, que cada um celebrasse consoante a camisola mas até lá toda a atenção era pouca. Como benfiquista de gema e de sempre, segui porém todo o suspense, a surpresa, o drama, o golpe de asa, a sorte, o texto e o entre-texto do jogo do Sporting que o clube não podia perder: horas depois Amorim estaria longe e noutra morada, naquele domingo era a glória ou o vexame.

Mas admito que apesar da minha militância encarnada não fosse capaz, logo a seguir, de antecipar a minha própria festa com “o” Benfica, que vi, frente ao Porto, altíssimo calibre. “à Benfica”. Melhor era impossível. Um domingo que ficara na história do nosso desporto, num fim de tarde memorável.

E só mais esta pequena nota com importância: não será muito vulgar, não é costume — as águias da luz devem achar mesmo que é proibido — que benfiquistas se entretenham publicamente a elogiar os seus históricos rivais de Alvalade.

Paciência. O que me interessa aqui hoje é sublinhar não a proeza futebolística mas a dignidade nos comportamentos. Em dois: o de Frederico Varandas e o de Ruben Amorim. Observei ambos, ouvi-os, segui toda a história da saída do treinador. Em momentos tão delicados, duros e complexos como estes, onde impera quase sempre a paixão e a emoção clubísticas e quase nunca a razão, é muito raro que seja a seriedade, o bom comportamento — a integridade, numa palavra — que prevaleça. Sobre o resto, todo o resto que aqui não foi pouco.

POLÍTICA     PS     MOÇAMBIQUE     ÁFRICA     MUNDO     FUTEBOL     DESPORTO

COMENTÁRIOS (de 61):

afonso moreira: Moçambique, Angola... Quem ouvir os discursos de Salazar, na década de 60, está lá tudo sobre o que poderia vir a acontecer àquelas populações. Infelizmente, mesmo ao fim de 50 anos ainda não há liberdade suficiente para se fazer uma análise que não seja tendenciosa da História, porque ainda há muitos donos da liberdade. O deve é haver ainda está por fazer e o jornalismo tem muita culpa mantendo o povo arredado da História que não lhes interessa para manter as narrativas instituídas. O Futebol, é como Deus de décadas passadas, está em todo lado! Até aqui!!                              Carlos Chaves: Foi a descolonização selvagem do Mário Soares que esta senhora tanto bajula, e que a comunicação social esconde debaixo do tapete, que são os principais responsáveis pelas tragédias que se passam em Moçambique e em Angola!  Antes de vir para aqui com sentimentalismos (e futebol imaginem) talvez fosse melhor não querer transformar um criminoso político (sim refiro-me a Mário Soares), num santo de pau oco! Uma parte do povo Português, Moçambicano e Angolano são vítimas da criminosa descolonização imposta pelos socialistas por Mário Soares e pela extrema esquerda!  Artigos superficiais como este a puxar ao sentimento, só contribuem para o branqueamento da nossa história!                    Rui Lima: Lamento ter de o dizer mas se fosse só Moçambique nesta tragédia, os novos donos dos países descolonizados da Argélia a África do Sul falharam e mais não posso dizer porque há um tabu ninguém pode dizer a verdade, em nenhum país em África houve êxito a única saída dos seus povos é agora virem para a Europa para junto dos brancos que ele expulsaram de África com violência . Há muitos anos alguém em fim de vida falou-me de África tinha  empresas em  diversos  países tentou colocar africanos à frente dos negócios em  África, quando o BES colocou Sobrinho em Angola vi tragédia, fica para mim o que ele me disse, depois disso houve um prémio Nobel que falou, tudo isto me deixa muito triste, que elite deve governar África            Eduardo Abreu: 1. Muito boa a sua nota sobre Moçambique. É um desastre anunciado. 2. António Costa a desancar no PS: muitos líderes europeus nem fazem ideia do que aí vem. Onde António Costa põe a mão, é para estragar.                  Tim do A: Moçambique? Volta Salazar! SDC Cruz Moçambique, a minha segunda Terra. É triste vê-la "desaparecer". Tenho lá amigos que sempre viveram em Maputo, na Beira e em Nampula, e alguns, já pensam em emigrar para Portugal. Triste a história deste Pais, que foi em tempos um maravilhoso País.                       JOHN MARTINS: Ao referir-se ao PS e quem manda, nada de especial... é difícil estar na oposição, onde todos mandam e ninguém tem razão...virando para o futebol, parabéns ao seu Benfica pela vitória, mas no futebol quem manda é o Sporting, que ontem conseguiu somar duas vitórias uma na Luz e outra em Braga, e que belos golos, 3 com remate de fora da área. Talvez ontem o Sporting tenha dado um grande passo para a revalidação do título. Vamos lá rapaziada, cantai todos comigo: vivó Sporting...                        Jorge Frederico Cardoso Vieira Barbosa: Na minha qualldade de "metropolitano" de gema tive a sorte de cumprir o meu serviço militar em Vila Coutinho (Tete) de 1972 a 1974, prestando serviço no Corpo de Milícias de Tete, como alferes, posto no comando de cerca de 200 milícias africanos distribuídos por 12 aldeamentos. O que me deu a oportunidade de conhecer esta nossa maravilhosa terra de lés-a-lés, de gentes encantadoras que não mais esqueci. Desde então, a partir da criminosa descolonização provocada cobardemente pelos militares de Abril com a complacência dos mais altos titulares do Estado - descolonização esta que não passou da entrega do poder à Frelimo pro moscovita, em prejuízo dos restantes movimentos não comunistas - Moçambique (que durante as últimas 2 décadas estava a desenvolver- se a um ritmo assinalável e com o maior benefício das populações negras) logo foi projectado para uma guerra civil tremenda acabando esta por derivar para a situação de autodestruição e estagnação que coloca o pais, agora, num Estado falhado dominado pelo narcotráfico e pelo daesh ( a norte). Culpados da situação : Única exclusivamente todos as gentes , civis e militares, que por acção e por inacção se envolveram na entregara de Moçambique à Frelimo. Nota: Só por desconhecimento da Hisóoria moderna, factual e contextualizada , por burrice, ou por desonestidade intelectual se pode culpar o Estado Novo e a "Primavera Marcelista" pela criminosa entrega propositada de Moçambique e das suas gentes à Frelimo. MOCAMBIQUE NÃO FOI DESCOLONIZADO. FOI, ISSO SIM, ENTREGUE À FRELIMO MOSCOVITA Claro que se pode elogiar o Sporting e até o Porto. Como benfiquista, o trabalho que mais invejo do Varandas foi a forma como tratou das claques, foi preciso coragem, mas parece que está a dar resultados… o Benfica precisa urgentemente de tratar dos seus marginais, não se compreende por exemplo depois de vários episódios de desacatos no estrangeiro e respectivos prejuízos causados ao clube (financeiros e não só) esta gente continue a obter os bilhetes para acompanhar a equipa!                       Carlos Chaves >  Maria Paula Silva: Cara Maria Paula, li este artigo pela manhã cedo e tinha decidido não o comentar, não posso estar sempre do contra, mas pela hora de almoço e depois de ver os comentários com tanto elogio à opinião da sra. jornalista, não resisti! Não podemos deixar que branqueiem a nossa história (e no caso desta senhora sistematicamente), já basta a altiva estátua do Marquês de Pombal na rotunda com o mesmo nome na nossa capital! O político que mais mal nos fez e de que ainda sofremos as consequências das suas políticas e dos seus crimes (literalmente), e ainda lhe erguemos uma estátua para a eternidade, como sinal de agradecimento! Nem sei como classificar este povo, especialmente o “pensante”, a arrogante academia Portuguesa!               Fernando ce: Muito bom. Bela crónica.

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