A respeito das competências e dos posicionamentos partidários. Talvez ajudem
ao entendimento, talvez provoquem reacções…
Governar é que é preciso, em função da construção real, sem tanta
palhaçada de greves impeditivas…
A acomodação funciona? Ninguém
sabe
A realidade é mais complexa e os
estudos não são taxativos sobre a estratégia da acomodação. É pois impossível
afirmar, no contexto português, se estas e outras jogadas de Montenegro terão
sucesso.
MAFALDA PRATAS Investigadora universitária. Doutorada em
Ciência Política pela Universidade de Harvard (EUA)
OBSERVADOR, 29
nov. 2024, 00:208
Na quarta-feira, o primeiro-ministro
fez uma declaração ao país sobre a operação “Portugal Sempre Seguro”. Em horário nobre, Luís Montenegro anunciou a compra de cerca de 600 veículos para as
forças de segurança e informou-nos que reunira com as ministras da
Justiça e da Administração Interna, bem como os mais altos responsáveis das várias
forças de segurança, para acompanhar a operação da PJ que está a investigar os
responsáveis pelos tumultos na Área Metropolitana de Lisboa que se seguiram à
morte de Odair Moniz.
Todos percebemos que a
declaração foi exageradamente solene para o seu conteúdo e que Montenegro quis, acima de tudo, marcar
território em matéria de segurança e criminalidade face às críticas do Chega,
que faz das matérias securitárias um dos seus assuntos bandeira. Só assim
poderemos entender tamanho destaque dado a este assunto, tendo em conta os
inúmeros problemas do país e as dezenas de decisões quotidianas da mesma
magnitude que o Governo toma. E só assim poderemos entender uma frase como
esta: “[a segurança do país] não
significa que devamos fechar os olhos a algumas circunstâncias que contribuem,
como foi o caso dos incidentes da Área Metropolitana de Lisboa, para a
insegurança”.
Nada aqui é novo ou original. Quando
um partido de direita radical entra no sistema partidário e parece estar em
crescimento, o partido de centro-direita mainstream frequentemente decide tomar
posições mais firmes, mais salientes e mais à direita nos assuntos bandeira do
partido radical, nomeadamente em matérias de imigração, segurança e
criminalidade. A
esperança é que o posicionamento firme nestes assuntos consiga estancar o
crescimento do partido à sua direita e convença alguns eleitores, tentados a
votar no novo partido de direita radical, a votarem no partido de
centro-direita. Em 2005, num artigo de ciência
política que ficou muito famoso, a politóloga Bonnie Meguid chamou a esta estratégia dos partidos
mainstream uma estratégia de acomodação.
Será que esta estratégia de acomodação
funciona? Será que os
grandes partidos mainstream de centro-direita conseguem mesmo travar o
crescimento dos novos partidos à sua direita ao adoptarem posições mais
securitárias em matéria de criminalidade e mais restritivas em matérias de
imigração? O discurso prevalecente no espaço público afirma que tal
estratégia não funciona e não consegue estancar o crescimento da direita
radical. Parece que já ouvi centenas de vezes a frase “os eleitores preferem
o original à cópia” proferida em programas de comentário político e colunas de
jornal ao longo dos anos, referente aos mais variados países. Mas o que nos diz a investigação mais rigorosa? A
realidade corresponde a esse senso comum?
Na verdade, não sabemos. Os estudos
rigorosos sobre o assunto revelam que, em algumas situações, a acomodação
parece funcionar e consegue travar o crescimento da direita radical, mas que,
noutros casos, não funciona e não é capaz de diminuir as votações no partido de
direita radical. O estudo original
efectuado por Meguid em 2005 argumentava que a acomodação funcionava porque os
partidos mainstream de centro-direita conseguiam captar alguns votos que, de
outra forma, iriam para o partido mais radical. Na verdade, Meguid chega
mesmo a escrever que “a cópia é melhor do
que original” (o inverso da frase comum). Porquê? Porque os partidos mainstream de
centro-direita e centro-esquerda têm a capacidade de oferecer não apenas uma
posição mais firme no que toca à imigração, tornando mais inútil o voto no novo
partido, mas também um conjunto de posições credíveis e conhecidas em muitas
outras matérias como a economia, a política externa, ou os assuntos sociais. E
oferecem ainda algo muito importante que o partido novo não consegue oferecer:
experiência governativa.
Na verdade, Meguid argumenta que a estratégia
de acomodação funciona não apenas para os partidos de direita
radical e a imigração, mas também para outros assuntos e partidos. Em particular, afirma que os partidos de
centro-esquerda (e centro-direita) podem estancar o crescimento de novos
partidos Verdes ao adoptarem posições mais proactivas no combate às alterações
climáticas e que os partidos mainstream também podem travar o crescimento de partidos regionalistas
ao acomodarem algumas medidas de descentralização territorial. De facto, não deixa de ser irónico que
muitas das pessoas que afirmam que a acomodação não funciona no que toca ao
crescimento da extrema-direita, simultaneamente argumentam que os partidos
sociais-democratas devem adoptar algumas posições retiradas de programas de
novos partidos Verdes ou que um governo como o de Pedro Sanchéz em Espanha foi
eficaz a esvaziar os partidos independentistas da Catalunha. Segundo
estas pessoas, a acomodação parece funcionar para alguns mas não para outros. Talvez
assim seja, talvez os partidos de direita radical e a sua capacidade de
atracção eleitoral seja especial e qualitativamente diferente de todos os
outros assuntos e partidos. E devemos sempre separar aquilo que nós desejamos
que seja verdade, porque concordamos ou discordamos com as propostas do ponto
de vista ético e político, daquilo que é, de facto, a realidade. Nem sempre o
sucesso eleitoral dos partidos vem da defesa das propostas que preferimos.
Os estudos empíricos mais recentes
confirmam o que afirmei no título: ninguém sabe se a acomodação realmente funciona, porque parece haver
resultados positivos e negativos em contextos diferentes. Para além
do estudo original de Meguid, outros estudos comparativos concluem que a estratégia de
acomodação pode funcionar. Um
estudo mais recente, realizado no contexto Dinamarquês, analisa as estratégias e posicionamento do partido social-democrata
Dinamarquês, que recentemente adoptou posições mais restritivas na imigração.
O estudo encontra que tal trouxe
benefícios eleitorais aos partidos do governo de esquerda. Mas com uma
nuance: ao alterar a sua posição quanto à imigração para a direita, o partido
social-democrata Dinamarquês perdeu eleitores pró-imigração mais ou menos em
igual quantidade aos novos eleitores cépticos na imigração que ganhou. No entanto, como os eleitores
pró-imigração foram para outos partidos de esquerda, tal estratégia acabou por
aumentar o campo da esquerda Dinamarquesa como um todo que, em conjunto, formou
um governo de coligação.
No entanto, todos estes estudos estão
longe de ser definitivos. Até porque, simultaneamente, há alguma evidência de
que a estratégia de acomodação pode não funcionar. Olhando para o caso Alemão,
Rafaela Dancygier e co-autores revelam que existem eleitores da AfD que votariam nos
partidos mainstream se estes adoptassem posições mais próximas das do partido
radical no que toca à imigração. Mas alertam que tal estratégia não traria
apenas benefícios para os partidos mainstream, mas que traria custos elevados,
uma vez que muitos dos seus eleitores
abandonariam o partido caso ele adoptasse essas posições mais restritivas.
Entre o deve e o haver, não é certo que os partidos mainstream
conseguissem aumentar as suas votações. E a verdade é que outros artigos que analisam dados de vários países chegam a
conclusões totalmente diferentes das indicadas no parágrafo anterior, sugerindo
não só que a acomodação não funciona como pode até resultar num backfire e aumentar
ligeiramente os resultados do partido de direita radical. Afinal de contas,
caso as alterações de posicionamento dos partidos de centro sejam demasiado
grandes podem correr o risco de
parecer falsas e pouco credíveis, devolvendo a autoridade sobre o tema em causa
(neste caso, a imigração ou a segurança) ao partido novo.
Em conclusão, gostaria de escrever um
texto a afirmar que a acomodação funciona ou que sai sempre pela culatra. Mas
a realidade é mais complexa. É impossível afirmar tal coisa em abstracto e,
no contexto português, não é possível perceber se estas e outras jogadas de
Montenegro terão sucesso. Os
resultados eleitorais e a competição partidária não dependem apenas do
posicionamento dos partidos num único assunto, mas sim da plataforma sobre
múltiplos temas que os partidos apresentam e as alternativas concretas em jogo.
E, para lá do posicionamento, o sucesso eleitoral depende ainda dos temas que
se tornam dominantes e mais importantes para o eleitorado, da imagem de
credibilidade e responsabilidade dos partidos nesses temas, e das opiniões e
preferências dos cidadãos que, no decorrer das suas vidas concretas, evoluem de
forma substantiva e não apenas como marionetes comandadas através de elites
políticas e mediáticas.
EXTREMISMO SOCIEDADE LUÍS
MONTENEGRO POLÍTICA
COMENTÁRIOS (de 8):
Paulo Cardoso: Bom artigo, mas com dois
“pequenos” erros. O PSD não é um partido de centro-direita e o Chega não é um
partido de direita radical. O PSD é um partido de centro, com tendências de
esquerda. Por muito poucas vezes, muito dependente da influência do líder e/ou
de pressão internacional, governou à direita, mais concretamente nos governos
de ACS e de PPC. O Chega é um partido de direita (nunca radical ou extrema)
no que diz valores respeita, mas com uma visão muito estatizante da economia e,
arrisco dizer, também um pouco da sociedade, o que posiciona o Chega no
centro-direita, quando muito à direita. Em Portugal, exceptuando o CDS, que
nunca teve grande expressão por sempre ter sido considerado um partido de
elites (pelo menos até PP que estraçalhou aquilo tudo e
AC que pugnou pelos serviços fúnebres), até ao surgimento do Chega, nunca houve um
partido de direita com expressão. Daí a confusão de considerar o PSD um
partido de centro-direita e o Chega radical.
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