segunda-feira, 11 de novembro de 2024

DE CARLOS CARRANCA


Um texto expressivo de revolta e mágoa, na sua débil condição humana de sofredor, sobre ESSE TAL que o ser humano, na sua precariedade física e espiritual - e todavia de superior criação, como a que este texto atesta - entendeu como Único Princípio ou Fonte desse Mundo físico e espiritual, Universo da nossa estranheza vã, porque condenada ao insucesso de uma busca definitivamente inútil.

Texto recebido por e mail, posto no facebook de uma Mulher admiradora e amante do seu marido, escritor de mérito, que sobre o eterno tema das origens, fabrica razões certeiras de uma argumentação irónica, talvez sarcástica, em face da inutilidade engenhosa, embora necessária, do mito.

DEUS (2)

Fiquei a meditar sobre a acusação que despudoradamente Te fiz no dia de ontem. Ser Deus talvez não seja a melhor condição porque só podes mandar, nunca obedecer, a não ser que às Tuas próprias ordens. Não ter pai nem mãe, ter nascido sem ter sido fruto de um acto de amor e ser o princípio de tudo com os poderes absolutos até de aniquilamento da Tua própria obra, deve fazer de Ti um ente fatalmente solitário. Mas como ninguém te viu nem vê, podes passear-Te por onde quiseres porque sendo Tu tudo, não és ninguém. Para se ser alguém é preciso ser gente. E gente foi Jesus que se dizia Teu filho mas com pais biológicos, um homem e uma mulher chamados José e Maria, até chegar a Cristo. Mas antes foi somente O Menino Salvador do Mundo. Tanta esperança desperdiçada! E se Jesus foi menino e se fez homem e foi condenado, torturado e crucificado, quem terá sido o verdadeiro algoz, essa massa informe de humanos que despejavam ódio, misturado na alienação religiosa e na política, ou TU que do Teu silêncio majestático, impávido e sereno assistias ao cumprimento da Tua vontade - a morte do Teu filho por terceiros, fazendo como todos os irresponsáveis, atirando a culpa para outro, o homem com seu desgraçado livre arbítrio? Pudera! Não tens pais que Te repreendam pelos Teus actos! És Tu e só Tu e os brinquedos de carne e osso que nós somos, incapazes de compreender os teus acessos moralistas de bom ou mau humor.

Que tristeza deves sentir, obrigado a ser único e eterno, sem princípio nem fim!

Lisboa (IPO - sala de espera de estomatologia/oftalmologia) 5.XI.2018

Carlos Carranca

 

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