Um texto expressivo de revolta e mágoa, na sua débil condição humana de
sofredor, sobre ESSE TAL que o ser humano, na sua precariedade física e
espiritual - e todavia de superior criação, como a que este texto atesta - entendeu
como Único Princípio ou Fonte desse Mundo físico e espiritual, Universo da
nossa estranheza vã, porque condenada ao insucesso de uma busca definitivamente
inútil.
Texto recebido por e mail, posto no facebook de uma Mulher admiradora e
amante do seu marido, escritor de mérito, que sobre o eterno tema das origens,
fabrica razões certeiras de uma argumentação irónica, talvez sarcástica, em
face da inutilidade engenhosa, embora necessária, do mito.
DEUS (2)
Fiquei a meditar sobre a acusação que
despudoradamente Te fiz no dia de ontem. Ser Deus talvez não seja a melhor
condição porque só podes mandar, nunca obedecer, a não ser que às Tuas próprias
ordens. Não ter pai nem mãe, ter
nascido sem ter sido fruto de um acto de amor e ser o princípio de tudo com os
poderes absolutos até de aniquilamento da Tua própria obra, deve fazer de Ti um
ente fatalmente solitário. Mas
como ninguém te viu nem vê, podes passear-Te por onde quiseres porque sendo Tu
tudo, não és ninguém. Para se ser alguém é preciso ser gente. E
gente foi Jesus que se dizia Teu filho mas com pais biológicos, um homem e uma
mulher chamados José e Maria, até chegar a Cristo. Mas antes foi somente O
Menino Salvador do Mundo. Tanta esperança desperdiçada! E se
Jesus foi menino e se fez homem e foi condenado, torturado e crucificado, quem
terá sido o verdadeiro algoz, essa massa
informe de humanos que despejavam ódio, misturado na alienação religiosa e na
política, ou TU que do Teu
silêncio majestático, impávido e sereno assistias ao cumprimento da Tua vontade
- a morte do Teu filho por terceiros, fazendo como todos os irresponsáveis, atirando
a culpa para outro, o homem com seu desgraçado livre arbítrio? Pudera! Não tens pais que Te repreendam
pelos Teus actos! És Tu e só Tu e os brinquedos de carne e osso que nós somos,
incapazes de compreender os teus acessos moralistas de bom ou mau humor.
Que tristeza deves sentir, obrigado a
ser único e eterno, sem princípio nem fim!
Lisboa
(IPO - sala de espera de estomatologia/oftalmologia) 5.XI.2018
Carlos Carranca
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