Gente grada de agora, para satisfação
presente e conhecimento futuro do passado heróico, que nos faz permanecer de
cabeça erguida, enquanto durar.
Líderes, visionários, empreendedores,
inspiradores. Os dez portugueses mais influentes dos últimos 50 anos
Texto de Ana
Suspiro, Ana
Sanlez, Alexandra
Machado, Joana
Moreira, Paulo
Farinha e Rui
Pedro Antunes, grafismo de Rodrigo
Mendes
Da política à literatura, do desporto
à economia, da música ao mundo empresarial, estes são os 10 portugueses mais
marcantes desde o 25 de Abril, de acordo com os leitores do Observador.
OBSERVADOR,
6/11/24
ÍNDICE
Líderes
e inovadores: Rui Nabeiro e Mário Soares
Política:
Ramalho Eanes e Salgueiro Maia
Economia:
Champalimaud e Salvador Caetano
O desafio foi lançado um mês
antes da celebração dos 50 anos do 25 de Abril: perguntámos aos leitores e
ouvintes do Observador e da Rádio Observador quais os dez portugueses mais
influentes das últimas cinco décadas, divididos por categorias. Pessoas que,
pelo seu trabalho e exemplo, marcaram de forma inequívoca o país em democracia.
Para isso, a redação do Observador
escolheu cem nomes marcantes para a história de Portugal depois do 25 de Abril.
Essa centena de figuras foi classificada em cinco categorias: Líderes e
Inovadores, Política, Economia, Desporto e Cultura. Em
cada uma destas áreas havia vinte nomes a partir dos quais se podiam escolher
dois. A lista final, que agora revelamos, representa as duas
figuras mais votadas em cada uma destas categorias.
Mais de 11.200 pessoas votaram para a
escolha destes dez nomes, a partir da nossa lista inicial que pode
consultar aqui.
Líderes e inovadores: Rui Nabeiro e Mário Soares
Rui Nabeiro, o homem que fez
do café um império (a partir do interior do país)
O “pai” dos cafés Delta nunca teve o
destino traçado. Foi pregoeiro, vendeu peixe e viveu do contrabando para
alimentar a miséria a que a década de 1940 votou uma pequena vila fronteiriça
após a guerra civil espanhola. Foi pela mão de um tio que Rui Nabeiro começou a
forjar o império que veio a criar em Campo Maior, onde ainda hoje está
cimentado. Primeiro com “umas barracas” de açúcar, massa, arroz e feijão. Até que
surgiu o café. Em 1961, uma
máquina artesanal que torrava trinta quilos de grãos de café deu origem à marca
que nunca descolou da pele de Rui Nabeiro e de Campo Maior. E não foi por falta
de oportunidade.
Foram
várias as propostas que teve para vender a Delta a gigantes como a Nestlé ou a
Pepsi. Nunca aceitou nenhuma, porque tal implicaria tirar a empresa à terra que a viu nascer
e que, graças à indústria do café, tem uma taxa de natalidade acima da média
nacional e uma taxa de desemprego mais baixa que o resto do Alentejo.
A ligação umbilical do “Senhor Rui” a
Campo Maior teve várias ramificações. Na política, aderiu ao Partido
Socialista após o 25 de abril e foi pelo partido da rosa que foi três vezes
eleito presidente da Câmara de Campo Maior, entre 1977 e 1986. No desporto, foi
também com Rui Nabeiro que o Campomaiorense provou o sabor da glória chegando à
I Divisão.
Rui Nabeiro (que conquistou 3981 votos na categoria
de “Líderes e Inovadores” na eleição
dos dez portugueses mais influentes) morreu no dia do pai, 19 de março, de
2023, em Campo Maior. Deixou uma fortuna avaliada em cerca de 400 milhões
de euros. Em seis décadas, a Delta, hoje
liderada pelo neto, Rui Miguel Nabeiro, espalhou-se por mais de quarenta países
e emprega cerca de quatro mil pessoas.
Mário Soares, o construtor da democracia que foi tudo
na política
Mário Soares juntou-se ainda jovem a
movimentos de oposição ao regime, tendo passado por várias estruturas,
incluindo o PCP, que combatiam o salazarismo. A oposição a Salazar valeu-lhe
várias detenções pela PIDE — no total esteve preso três anos — e até um exílio
para São Tomé, revertido na chamada “primavera marcelista”. Que foi sol de
pouca dura, já que foi forçado a exilar-se pouco depois. É nesse entretanto
que, em 1973, fundou o Partido Socialista português na Alemanha, partido do
qual é a figura maior.
Soares
foi três vezes primeiro-ministro (duas nos dois primeiros governos
constitucionais e uma terceira no chamado “Bloco Central”) e, em 1986, contra
todas as expectativas iniciais, venceu à segunda volta as Presidenciais. Em Belém funcionaria como contra-poder ao
cavaquismo. Foi reeleito em 1991 com a maior vitória até agora
registada na democracia portuguesa: 70,35% dos votos. Sempre activo na
política, foi candidato ao Parlamento Europeu em 1999, tendo vencido as
eleições, mas falhado o objectivo de presidir ao hemiciclo europeu. Em 2006,
concorreu uma terceira vez à Presidência da República, mas perdeu para Cavaco
Silva e ficaria atrás do camarada de
partido Manuel Alegre.
Nos anos seguintes manteve a sua actividade
política com livros e artigos de opinião, que não deixavam de ter peso. Em 2014, por exemplo, contribuiu para o início da queda de
António José Seguro e ascensão de
António Costa à liderança do PS,
quando classificou a vitória eleitoral das Europeias de 2014 de “pírrica”.
Morreu a 7 de janeiro de 2017, sendo reconhecido
como uma das figuras maiores da democracia portuguesa e da História de
Portugal. Foi a segunda figura mais votada na categoria “Líderes e
Inovadores”, com 3128 votos.
Política: Ramalho Eanes e Salgueiro Maia
António Ramalho Eanes, o primeiro Presidente em
democracia
António Ramalho Eanes queria ser
médico, mas teve de optar pela carreira militar, onde ingressou aos 17
anos. Fez parte de uma geração de
oficiais que fez toda a Guerra Colonial e estava em Angola em serviço a 25 de
Abril de 1974. Não participou, por isso, nas operações militares que, no
terreno, derrubaram o regime de Marcello Caetano.
Ramalho
Eanes estava, no entanto, alinhado com o MFA na visão para as Forças Armadas (e para o
país) e foi chamado a Lisboa logo após a Revolução. Deram-lhe a missão de presidir à RTP, o mais poderoso meio de
informação da época. Durante o
PREC alinhou com os militares moderados no chamado “Grupo dos Nove”, liderando
o contra-golpe de 25 de Novembro de 1975. Tornou-se após esse dia Chefe
do Estado-Maior do Exército. No ano seguinte, foi eleito Presidente
da República, o primeiro em democracia, batendo o seu antigo colega de camarata
em África, Otelo Saraiva de Carvalho. Em 1980, foi reeleito em Belém,
novamente à primeira volta. Antes de sair da Presidência, resistiu a abandonar
o poder e promoveu um partido (PRD),
que fez mossa ao PS nas primeiras legislativas em que foi a votos, mas dois
anos depois, já sob a liderança do próprio Ramalho Eanes, tornou-se
irrelevante.
Afastou-se depois da política activa,
mas manteve-se como um informal senador da política nacional — posição que
materializa no Conselho de Estado. A
sua palavra tem peso, em particular quando fala sobre as Forças Armadas.
É visto como um referencial de ética,
com vários episódios marcantes, como o de ter recusado 1,3 milhões de euros que
o Estado lhe devia ou ter dito, no auge da pandemia, que, perante uma situação
extrema, cedia o seu ventilador caso um jovem precisasse. Mais recentemente
alinhou na ideia que o 25 de Novembro de 1975, do qual é o principal
protagonista, deve ser celebrado.
Com 4479 votos, Eanes foi o português mais votado na categoria
“Política”.
Salgueiro Maia, o capitão que construiu Abril
Quando Salgueiro Maia nasceu em Castelo
de Vide, em 1944, já Salazar governava o país há 12 anos. Filho de um
ferroviário e órfão de mãe desde os quatro anos, o jovem Maia entra na Academia
Militar, em Lisboa, aos 20 anos, e é colocado na Escola Prática de Cavalaria, em Santarém. Não sabia então que,
dez anos depois, acabaria por
eternizar aquele quartel escalabitano. Em 1968, seguiu para a Guerra Colonial em Moçambique integrado num
regimento de comandos e ascendeu à patente de capitão. E é já como capitão Maia
que, em 1971, passou para a Guiné.
Dois anos depois, em 1973, Maia voltou
para Santarém e foi nesse ano que começou a participar nas reuniões
clandestinas da Comissão Coordenadora do MFA. No desenho do 25 de Abril de 1974, foi a ele que lhe competiu comandar
as tropas de Santarém até ao Terreiro do Paço, em Lisboa. De madrugada
fez um discurso na parada do Quartel que se tornou famoso: “Há diversas modalidades de Estado: os
Estados socialistas, os Estados corporativos e o estado a que chegámos. Ora, nesta
noite solene, vamos acabar com o estado a que chegámos”.
Salgueiro Maia acabou não só por
tomar o Terreiro do Paço como também acabaria por se dirigir ao Largo do Carmo
para escoltar o presidente do Conselho, Marcello Caetano, até ao aeroporto para
seguir para exílio para o Brasil. O
capitão Maia foi uma das principais figuras da Revolução que pôs fim a 48 anos
de ditadura, mas recusou sempre ser glorificado pelo momento. Depois disso,
licenciou-se, foi subindo na hierarquia militar, mas recusou cargos que lhe
dessem responsabilidade política, como o Conselho da Revolução ou ser
governador civil de Santarém.
Ainda assim, e pela sua relevância no
Portugal pós-25 de Abril, o seu nome foi incluído na secção “Política”
desta eleição, tendo conquistado 3434 votos. Morreu com apenas 47
anos, em 1991, já numa democracia estabilizada que ajudou a construir.
Economia: Champalimaud e Salvador
Caetano
António Champalimaud, o empresário
genial mas implacável
Genial
para uns, implacável para outros, António Champalimaud construiu por duas vezes
o grupo, muitas vezes em conflito com os governos e com os pares. E terá sido o
único grande empresário do Estado Novo a fugir do país antes do 25 de Abril.
Herdou negócios da família que fez
crescer, um percurso impulsionado pelo casamento com uma neta de Alfredo da
Silva. Os seus interesses, que chegaram ao Ultramar, iam dos cimentos à
siderurgia, até à banca com o Banco Pinto e Sotto Mayor. Foi neste sector
que chocou de frente com o poder, quando quis tomar o controlo do BPA. Marcello Caetano tentou travar a operação
que daria a Champalimaud um terço do sector financeiro, com uma lei à medida.
O empresário já estava exilado para evitar as consequências do processo da
herança Sommer, no qual era acusado de se ter apropriado de acções por
abuso de confiança. Os dois casos foram resolvidos, mas após o 25 de Abril Champalimaud viu as empresas nacionalizadas.
Recomeçou
no Brasil e, na década de 1990, chegou a acordo com o Governo de Cavaco Silva
para receber uma indemnização de dez milhões de contos (50 milhões de euros)
pelas nacionalizações, dinheiro que usou para comprar ao Estado a Mundial
Confiança e o Pinto e Sotto Mayor. Nos últimos dias de 1995 fintou o
rival José de Mello na aquisição do Totta e Açores e novamente foi feito um
despacho à medida, desta vez para ajudar o negócio, que o livrou de ter de lançar
uma OPA cara sobre o resto das acções. Champalimaud
ficou com o segundo maior grupo financeiro do país liderado pelo filho mais
novo, Luís — já tinha perdido dois filhos, um deles assassinado em 1992.
Os
alegados favores que recebeu no tempo de Cavaco Silva foram alvo de uma
comissão de inquérito que não teve conclusões, porque os socialistas no poder
não quiseram afrontar Champalimaud e levá-lo a vender os negócios a
estrangeiros. O que acabou por fazer quando em 1999 fez um acordo com espanhóis
do Santander para ceder 40% do grupo. Portugal tentou travar a operação, mas
Bruxelas ameaçou com um processo. O Santander ficou com o Totta e Açores e o
resto foi dividido pelo BCP e pela Caixa Geral de Depósitos. O negócio fez de
Champalimaud o homem mais rico de Portugal, o que não o impediu de pôr o Estado
em tribunal a exigir mais compensações pelas nacionalizações.
Foi-se o grupo, ficou o nome.
Quando morreu em 2004, aos 86 anos, legou um terço da sua fortuna à criação da
Fundação Champalimaud que hoje é uma instituição de referência na investigação e tratamento contra o cancro.
Com 7749 votos, António Champalimaud
foi o português mais votado na categoria “Economia”.
Salvador Caetano, o homem que, sem
herança, criou o grupo agora liderado pelos herdeiros
Não é um herdeiro. É o que se pode
chamar um self made man.
Começou cedo a trabalhar para ajudar os pais a garantir sustento para a casa.
Conta-se que terá começado aos 11
anos. Primeiro na construção civil, depois numa oficina de reparação de
automóveis como pintor — embora tenha assumido, mais tarde, que nem ligava
muito a carros.
É
verdade que a empresa foi fundada, com dois sócios (um deles seu irmão), em
1946, ainda o Estado Novo estava enraizado. Uns anos mais tarde, Salvador Caetano
ficaria sozinho na sociedade e aí se
lançou na indústria de carroçaria. O embrião do futuro. Recebia encomendas dos transportes
públicos e fazia parcerias internacionais. O que, aliás, foi sempre
um dos “segredos” da Salvador Caetano, aliando-se a quem possuía o conhecimento.
Juntou, mais tarde, à montagem de
autocarros o comércio de automóveis, como representante de grandes
marcas e como concessionário: 1968 foi um ano decisivo ao garantir a
representação da nipónica Toyota. Mas, devido a imposições legais, os carros
tinham de ser montados em Portugal, incorporando mão de obra nacional. E
assim nasceu a unidade de
Ovar em 1971 que já depois do 25
de Abril se converteu para a montagem de comerciais e mais tarde para fabrico
de autocarros. A influência dos
sócios japoneses e as exigências de gestão não podem ser dissociadas da evolução
da Salvador Caetano, que viria a viver períodos conturbados depois do 25 de
Abril, com ameaças de nacionalização e intervenção sindical e até com um
assalto pelas FP 25 em Vila Nova de Gaia.
Salvador
Caetano resistiu. E cresceu. Entrou em outros negócios. Esteve no arranque do
BPI e do BCP. Ainda se envolveu na Soares da Costa. Mas foi saindo. Nos
automóveis passou a ter, além da representação da Toyota, a da BMW, através
da Baviera. Hoje é
também sinónimo da importação dos veículos chineses Byd, que andam a conquistar
a Europa (e em Portugal ganhou já este ano o concurso carro do ano).
A Salvador Caetano passou por três intervenções do FMI, pela
liberalização do mercado automóvel, pela globalização. Hoje tem mais de oito
mil trabalhadores, que estão em negócios como o automóvel, mas também o
ferroviário e até o aeronáutico. Salvador
Caetano morreu em 2011, com 85 anos, tendo repartido os negócios pelos três
filhos (o filho Salvador Acácio também já morreu, estando agora o seu filho,
também de nome Salvador, a liderar a Baviera). O genro José Silva Ramos, casado
com a filha Maria Angelina, lidera a componente industrial na Toyota Caetano.
Onde também já está a terceira geração. A outra filha (a mais nova), Ana Maria
distanciou-se, ficando com a Caetano Coatings, de tratamento de pintura
automóvel e fazendo outros investimentos, optando por uma carreira “a solo”.
Salvador Caetano — que
conquistou 3646 votos nesta eleição — fez as partilhas ainda em vida.
Nos últimos anos, foi assistindo de fora à evolução das suas empresas. “Nada se
faz sem que eu saiba, mas não interfiro na gestão corrente”, disse ao Público. Com
fama de implacável, confessou que gostava de ter sido actor. O seu palco foi
outro. Deixou-o aos filhos e, agora, também já é a terceira geração a avançar.
Os herdeiros.
Cultura: Amália e Saramago
Amália Rodrigues, a mulher livre que
se fez maior do que o fado que transformou
Eduardo
Gageiro
Na vida de Amália Rodrigues há inexactidões
e contradições sobre datas e lugares — dúvidas
quanto ao seu nascimento levaram-na a escolher dois dias de Julho para celebrar
o aniversário, 1 e 23. O que é inegável: que Amália da Piedade Rodrigues
nasceu em Lisboa, em 1920, em casa dos avós maternos, naturais do Fundão.
Figura única da música portuguesa, símbolo insuperável do fado e de
Portugal, teve uma fulgurante projecção
internacional, com uma pequena ajuda de Salazar, o que a levou a, após o 25 de
Abril, ser apelidada de estandarte do velho regime, ou mesmo “princesa da
PIDE”, apesar de durante a ditadura tivesse apoiado a causa antifascista e sido
vigiada pela polícia política da ditadura do Estado Novo por suspeita de apoio
aos comunistas (como revela uma investigação recente do jornalista Miguel
Carvalho, que a biografou). Certo é que a sua voz atravessou os dois
regimes, a ditadura e a democracia, enquanto expressão maior da portugalidade.
Em Portugal, Amália foi além do
fado, desdobrando-se por vários palcos, da música aos filmes, do teatro à
revista — a estreia da fadista no teatro fez-se em 1940, no Maria Vitória, com
a peça Ora vai tu!. O estilo da incontestável diva do fado também
acabaria por influenciar os que lhes
seguiram as pisadas: o uso de vestido e xailes negros, bem como o
posicionamento à frente dos guitarristas vieram a transformar-se em verdadeiras
convenções performativas do género. A vida artística foi um território natural
de afirmação, mas não o único. A grandeza artística libertou-a de uma redoma e
conferiu-lhe um estatuto de exceção e admiração também por tudo o resto: era
divorciada, viajada, emancipada, independente. Em suma, uma mulher livre.
Quando morreu, em 1999, milhares de
portugueses saíram às ruas e foram decretados três dias de luto nacional. Em 2001,
tornou-se a primeira mulher a receber honras de Panteão Nacional. Foi
escolhida por 4236 pessoas nesta eleição das dez figuras mais influentes depois
do 25 de Abril.
José Saramago, o Nobel que disse o que
quis, quando quis, como quis
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O único escritor de língua portuguesa
a quem foi atribuído o Nobel da Literatura nasceu em 16 de novembro de 1922, em
Azinhaga do Ribatejo. Filho e neto de camponeses sem terra, foi aos dois anos
para a capital, levado pelo pai, que se tornara guarda da PSP. O contexto humilde afastou-o do ensino
regular. Foi serralheiro e funcionário público, passou pelos jornais, e só na
década de 1970 se dedicou à escrita, ofício que depurou numa aprendizagem
solitária e persistente. Controverso e crítico, como jornalista e militante
político (era conhecida a filiação comunista), entrevistado ou escritor,
Saramago gerou polémicas, tanto pelos seus livros, como pelas suas declarações,
que lançava para o espaço público sem temer ficar isolado no debate.
Em 1975, era director-adjunto
do Diário de Notícias quando 24 jornalistas foram saneados. “A
revolução ou é colectiva ou não é”, diria. A revolução literária de Saramago
viria a provar-se na década seguinte, com o romance Levantado do Chão (1980), uma assumida apologia da
reforma agrária. Nele liberta-se das regras da pontuação e das maiúsculas,
rejeitando o discurso directo e confirmando a sua forma original de narrar
histórias, mesclando erudição clássica com sabedoria popular, num fluir
narrativo torrencial próprio do discurso oral. Memorial do Convento, publicado dois anos depois, marca a
consagração definitiva do autor e abre-lhe as portas do reconhecimento
internacional.
Em 1991, publica O Evangelho Segundo Jesus Cristo e vê
o seu nome vetado dos candidatos ao Prémio Literário Europeu. A decisão é do
Governo então chefiado por Cavaco Silva. O livro atacava princípios que tinham
a ver “com o património religioso dos portugueses”. Saramago exila-se na ilha espanhola de Lanzarote, onde continuará a
escrever até ao fim, concretizando fisicamente a ideia de um homem à margem das
instituições e do poder dominante. Ensaio
sobre a Cegueira (1995) e Todos os Nomes (1997) precedem
a atribuição do Prémio Nobel da Literatura, em 1998, quando o escritor tinha 76 anos.
Nas entrevistas posteriores dirá que abandonaria este mundo sem “nenhuma
esperança”, mas com a certeza de que “disse
o que queria, como queria, quando queria”. José Saramago publicou 46
livros (16 romances, além de poesia,
teatro, contos, crónicas, viagem, memória e diários). Foi autor dos libretos de três óperas. A sua vasta obra
encontra-se editada em mais de trinta países. Percorrê-la é uma viagem que tem
tanto de literatura quanto de património histórico. Morreu em 2010, na sua casa da ilha de
Lanzarote, onde vivia com a mulher, Pilar del Río,
presidente da fundação com o nome do escritor.
Foi a escolha de 3307 eleitores da
seleção dos dez portugueses mais influentes dos últimos cinquenta anos.
Desporto: Ronaldo e Rosa Mota
Cristiano
Ronaldo, o maior futebolista de todos os tempos?
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A
imagem de Cristiano Ronaldo sentado no relvado, a chorar, naquele que era,
possivelmente, o mais importante jogo da vida do futebolista, teria ficado para
sempre associada àquele participação de Portugal no Campeonato da Europa de
Futebol de 2016. Teria, se Éder não tivesse feito o que fez. E se o Stade de
France, naquele 10 de julho, não se tivesse assim tornado o palco da maior
conquista da selecção nacional. Em vez disso, talvez nos venham mais à memória
as imagens do jogador eufórico, a coxear, a empurrar o seleccionador Fernando
Santos, a dar indicações aos colegas para dentro do campo, a gritar para o
árbitro apitar para o fim da partida. Ou esta mesmo, com o capitão a segurar a
cobiçada taça.
Não há outro como ele no futebol mundial. Nunca houve. E não se
sabe se alguma vez haverá. Com mais jogos (197) e mais golos (145) nas
competições de clubes da UEFA, com mais golos na Liga dos Campeões (140), com
mais golos pela respectiva selecção nacional masculina (128), o primeiro a
conquistar por cinco vezes o troféu maior da UEFA, o primeiro a marcar dez
hat-tricks por uma selecção. Etc, etc, etc.
É infindável, a lista de recordes do
jogador pobre da Madeira que foi para Lisboa sozinho, com 11 anos, para
ingressar nos escalões iniciais do Sporting depois de dar os primeiros pontapés
no Andorinha (ainda passou pelo Nacional). Dos recordes desportivos aos
recordes financeiros, entre contratos de publicidade, vencimentos com os clubes
ou negócios vários no vestuário ou imobiliário.
E, aos 39 anos, depois do Manchester
United, do Real Madrid, da Juventus e do Al-Nassr, onde joga actualmente, é
possível que os números continuem a aumentar. O tabu sobre o clube onde CR7
terminará a carreira continua a existir, mas é até possível que ele próprio não
tenha ainda decidido. Nem o clube, nem a época. Não se espera que venha conquistar
outra Bola de Ouro (seria a sexta), mas, tendo falhado o objectivo de se sagrar campeão do mundo no Qatar, em 2022,
o capitão Ronaldo (que conquistou 8263 votos nesta eleição) espera voltar
a levantar o troféu de campeão europeu, na Alemanha a partir de 14 de junho.
Rosa Mota, a maratonista que continua a
correr
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O nome actual é Super Bock
Arena. O nome antigo era Pavilhão dos Desportos. Mas o nome por que todos conhecem o
complexo multidesportivo utilizado também para concertos, comícios ou
congressos nos jardins do Palácio de Cristal continua a ser o mesmo: Pavilhão
Rosa Mota.
É
assim desde 1991, numa das formas que a cidade que a viu crescer encontrou para
homenagear a atleta que começou a carreira em 1974, no Futebol Clube da Foz, tendo
depois passado pelo FC Porto e mais tarde pelo Clube de Atletismo do Porto,
onde alcançou os maiores feitos e terminou o período profissional.
Reconhecida nacionalmente (é grã-cruz da
Ordem do Mérito, além de outras comendas das Ordens Honoríficas portuguesas) e
internacionalmente, Rosa Maria
Correia dos Santos Mota começou a dar verdadeiramente nas vistas quando chegou em primeiro lugar à meta da
maratona feminina do Campeonato Europeu de Atletismo, disputado em Atenas.
Na
altura, o nome da atleta de 28 anos saltou logo para o lote de favoritas à
vitória da mesma prova nos Jogos Olímpicos que seriam disputados dois anos
depois – na primeira vez que a maratona feminina ganhou estatuto de modalidade
olímpica. Ainda não foi dessa, em Los Angeles (alcançou o
bronze), mas acabou por ser em 1988, em Seul, nos jogos da XXIV olimpíada,
quando Rosa conquistou o segundo ouro olímpico para Portugal – até hoje há
apenas cinco, todos no atletismo.
O currículo é impressionante. É a única atleta do mundo que foi campeã
olímpica, mundial e europeia na maratona, além de ter também vencido a prova em
Chicago, Boston, Roterdão, Tóquio, Londres e Osaka. Figura de referência do
desporto nacional, tendo passado também pela Comissão Executiva do Comité
Olímpico de Portugal, Rosa Mota continua a correr: em outubro do ano passado,
com 65 anos, bateu, por duas vezes, o recorde de mundo da meia maratona para
atletas do seu escalão etário. Primeiro em Riga, quando tirou mais de seis
minutos à melhor marca que estava em vigor, três semanas depois em Valência,
quando reduziu em 13 segundos o seu próprio tempo.
O nome de Rosa Mota alcançou 3675 votos
nesta eleição.
COMENTÁRIOS (de 33)
NunoW Nunow: A omissão de Cavaco Silva é incompreensível e injusta.
A escolha de Saramago também... Pobre Portugal: Eu votei no Cavaco e no Passos.
Mas parece que fui a única! antonyo
antonyo: Saramago !? Foi influente quando despediu 23 jornalistas do DN no
Prec. Um democrata ! Pertinaz: O resultado é uma tristeza… há
umas décadas ganhou Salazar numa votação organizada pela RTP e com um universo
de votantes bastante mais alargado do que este… dá que pensar… José
Nicolau: Há aqui uma distorção de todo
o tamanho. No quadrante político, que incluiria Eanes, Maia, Soares e Samarago
(político também sim) só Eanes escapa à esquerda primata. Ao escolherem os últimos 50
anos, é para quê? Para dizer que "Abril" deu visionários a Portugal?
Com excepção do Ronaldo, e da Rosa Mota ligeiramente, todos se fizeram antes de
"Abril". Neste grupinho, só Champalimaud, Salvador Caetano e Nabeiro
se destacam como líderes, visionários e empreendedores. Mas ficam muitos esquecidos
como Belmiro Azevedo, Cavaco Silva, Sá Carneiro, Alexandre Soares dos Santos... É verdade que é um assunto
subjectivo, mas há assuntos que ao serem entregues a votantes que não são
especialistas (como eu tb não sou, obviamente) dá esta diarreia. Qualquer dia decidimos por
votação o que fica nos manuais de história, e como resultado, D. Afonso
Henriques salta fora, a padeira de Aljubarrota (de quem nem sei o nome) passa
para número um, nos mártires ganha o padre Amaro, e nas vítimas assalariadas
femininas a Catarina Eufêmia. Mario Figueiredo: O facto de o banner com o link para a votação só ser
visível se nós desactivássemos o adblocker no browser poderá ter reduzido
o número de votantes. Eu próprio não vi o banner até
muito recentemente, quando um programa da rádio me fez lembrar a votação. Já
pago assinatura há muitos anos e os anúncios no website do
Observador tornaram-se insuportáveis mesmo com assinatura paga. Mas em boa verdade não votei
porque não consegui perceber a lógica de muitas destas escolhas. Achei todo o
processo estranho, difícil de perceber, e com muitas das escolhas a roçar o
absurdo, o que me levou desacreditar o projecto. Tiveram aqui há uns dias um
pequeno programa a explicar as escolhas que fizeram. Não se percebeu nada. Por
exemplo porque insistir que um nome só apareça uma vez? Por causa disso, foram
colocar Pinto Balsemão na política quando ele se destacou nos negócios.
Tendo fundado o Expresso que chegou a ser até uma moda aos Sábados e o primeiro
canal privado de televisão em Portugal, a SIC... Mas por incrível que pareça,
nem sequer aparece na lista dos inovadores ou da economia. Ridículo! Lourenço de Almeida > antonyo antonyo: Não despediu!
"Saneou"! Os comunas nunca matam nem assassinam! Apenas purgam!
Também não prendem ou torturam: só reeducam! Da mesma forma, não despedem mas
saneiam!
José Manuel Ventura Presilha: Eu só vi uma lista e não percebo porquê. Também não
interessa. Eram quase todos esquerdalhos ... Na Economia, não eram.
…………….
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