Descreveu o homem numa tragédia como ANTÍGONA,
de forma tão sábia, que as vozes do CORO exprimem assim: “Entre tantas maravilhas do mundo, a grande maravilha é o homem”,
considerando-o “Rico duma inteligência
incrivelmente fecunda” não admira que cerca de dois mil e quinhentos anos
depois, um Alberto
Gonçalves, entre tantos outros génios de argúcia crítica, que
também foram surgindo aqui e ali – em meio, é certo, de seres menos favorecidos
de génio - descreva uma sociedade de forma tão rigorosamente expressiva através
de um sentido de humor bem sagaz, que os acasos dramáticos da história mundana
actual lhe mereceram. Sim, a grande maravilha é o HOMEM.
Os lesados de Trump: a sequela
“Resistir”, disse Kamala no discurso
de despedida. E “resistir”, repetem os seus desconsolados acólitos. “Resistir”.
A sério?
ALBERTO GONÇALVES Colunista do
Observador
OBSERVADOR, 09
nov. 2024, 01:2816
I. A culpa da derrota
A culpa foi de Joe Biden, que desistiu
tarde e só quando já era impossível esconder a demência que toda a gente via há
anos e alguns apenas admitiram dez minutos antes.
A culpa foi do Partido Democrata, que
não preparou devidamente a sucessão de Biden como desde anteontem era óbvio que
tinha de preparar.
A culpa foi de Kamala Harris, um
embaraço ambulante excepto durante o período, de 21 de Julho a 6 de Novembro,
em que se decretou o portentoso brilhantismo da senhora.
A culpa foi dos homens, uma cáfila
desordenada que votou no candidato que quis e não na candidata que sujeitos
esclarecidos, maioritariamente homens, recomendaram.
A culpa foi dos homens brancos, que
ao contrário do que os especialistas, maioritariamente homens brancos,
gostariam, existem.
A culpa foi dos homens negros, que
descuraram o saudável e ancestral paternalismo e preferiram os republicanos
mais do que é costume.
A culpa foi dos “latinos”, que são
masoquistas ou surdos e não ouviram multidões aos berros a avisá-los de que vão
ser deportados em massa.
A culpa foi dos índios, que são
reaccionários e levam certos progressistas a secretamente lamentar que não
estivessem extintos em 1890.
A culpa foi das mulheres, que em
larga medida ignoraram os alertas – a cargo de peritos que acreditam que os
homens menstruam – acerca da opressão prestes a cair em cima delas.
A culpa foi dos jovens, dado que,
afinal, a ex-geração-mais-informada-da-História é estúpida a ponto de
questionar os clichés retóricos que a tornavam a geração mais informada da
História.
A culpa foi dos chalupas e esquisitos
que vêem com desagrado as terapias hormonais e as mutilações genitais em
menores de idade.
A culpa foi do legislador, que não
proíbe o Twitter conforme defendem os amigos da liberdade de expressão.
A culpa foi das autoridades, que não
deportaram Elon Musk a tempo conforme defendem os simpatizantes da imigração
desenfreada.
A culpa foi de um sistema de
representação inaceitável e de uma Constituição que é sagrada porém anacrónica,
onde não se substitui o colégio eleitoral pelo voto popular e não se erradica o
voto popular sempre que este não agrada.
A
culpa foi da exigência de um cartão de identificação nas urnas, obrigatoriedade
racista inexistente em quase todos os estados em que o anti-racismo venceu.
A
culpa foi das empresas de sondagens, que ao longo de meses leram impecavelmente
a realidade até a noite eleitoral mostrar uma realidade diferente.
A
culpa foi dos “snipers” patriotas que atentaram contra Trump, por padecerem de
incompetência e não frequentarem as escolas de tiro que outros patriotas querem
abolir.
A culpa foi dos eleitores desatentos aos
conselhos políticos fornecidos por reputadíssimos artistas de variedades, os
quais agora se sentem obrigados a repetir o prometido em 2016 e fingir que
fogem do país.
A
culpa foi dos eleitores analfabetos que não lêem o jornalismo superior e isento
do “New York Times”, do “Washington Post” e do “Público”.
A culpa foi dos eleitores boçais, que
não ocupam os serões a consumir a CNN, a NBC e a Sic Notícias.
A culpa foi dos americanos, que
sabidamente são ignorantes e se entretêm a brincar aos foguetões espaciais e à
Inteligência Artificial em vez de, como a moderna e sofisticada Europa,
inventarem maneira de prender as tampinhas às garrafas.
II. Quem ganhou
Quem
ganhou as eleições americanas foram os deploráveis, os extremistas, os
racistas, os privilegiados (bilionários dos negócios e vedetas
de Hollywood à parte), o heteropatriarcado, os “negacionistas” disto e
daquilo (os negacionistas da biologia
não contam), os brancos, os castanhos, os misóginos (salvo os que
conviviam com o sr. Weinstein), os tarados (salvo os que conviviam com o sr.
Epstein), os pedófilos (salvo os que conviviam com o sr. Diddy), os brutos que
não têm dentes, os brutos que não vão à universidade (testemunhar aulas sobre
interseccionalidade e participar em manifestações a favor da “libertação” da
“Palestina”), o ódio, as trevas, as alterações climáticas, o
autoritarismo, os hispânicos mal-agradecidos, o esclavagismo (descontados os
donos dos votos dos negros), o fascismo, o Sporting (que meteu quatro golos), a
reencarnação de Hitler, a xenofobia, a homofobia, a transfobia e, acima de
tudo, a coulrofobia (medo de palhaços).
III. Quem perdeu
Quem
perdeu foram a democracia, a justiça, o sonho, a inteligência, a bondade, a
generosidade, o altruísmo, a alegria, o riso, Kamala, o riso de Kamala, a
decência, os dentistas, a humanidade, a comunidade LGBT+70 letrinhas, as
pessoas equilibradas que choram a derrota em “directos” televisivos ou em
vídeos no TikTok, o futuro, a luz, a esperança, os carros eléctricos (fora os
da marca cujo nome não se pronuncia), a paz, a harmonia, o Manchester City, a
solidariedade, a compaixão, a América, a Europa, o planeta, pelo menos cinco
sistemas solares e um pedaço jeitoso da galáxia.
IV. O que fazer
Do que vejo por lá, e por cá, parece que
o novo lema dos derrotados é “resistir”. “Resistir”,
disse Kamala no discurso de despedida. E “resistir”, repetem os seus
desconsolados acólitos. “Resistir”. A sério? Seria bom que resistissem a julgar-se
iluminados. Seria bom que resistissem a sentir-se habilitados
a ensinar alguém. Seria bom que resistissem a depreciar os que não pensam o que
eles pensam. Seria bom que resistissem a avaliar a vida dos semelhantes pela
vidinha que conhecem. Seria bom que resistissem à arrogância e à prepotência. Seria
bom que resistissem à tentação de mandar em nós. Seria bom
que resistissem ao tique de se achar democratas enquanto abominam a liberdade
alheia. Seria
bom que resistissem à propensão para fazer figuras intelectualmente ridículas e
moralmente obscenas. Mas eles não resistem.
DONALD
TRUMP ESTADOS
UNIDOS DA AMÉRICA AMÉRICA MUNDO EXTREMISMO SOCIEDADE JORNALISMO
COMENTÁRIOS (de 16)
Jorge Espinha: 5 estrelas Manuel Martins: Em minha opinião, se a derrota
de Kamala é um sinal claro da crescente repulsa dos cidadãos à política
woke, da falta de isenção da comunicação social, a vitória de Trump parece um
sinal de desespero de quem não tem alternativa. Faz-me lembrar o
Brasil quando teve de escolher entre Lula e Bolsonaro... Luis
Silva: Trump é menos asqueroso, mas nada vai conseguir. Republicanos e Liberais
são as 2 asas do mesmo pássaro que se chama sionismo internacional. América
nunca mais vai ser Great Again. O mundo vai ser multipolar e o Ocidente vai
continuar a sua decadência civilizacional. Antonio Marques Mendes: Perdeu o extremismo woke e anti-semita. Ganhou
o extremismo populista e proto fascista. Esta alternância de extremismo não
pressagia nada de bom para a América e o mundo ocidental. Álvaro
Pereira: A parte das tampinhas das garrafas, mostra bem onde a Europa anda a perder
tempo e dinheiro.
Paulo
Machado: Muito Bom. Um belíssimo resumo do que apesar de parecer piada, ser o
que é dito por tantos comentadores.
Isabel Almeida: Muito bom! Gostei em particular do parágrafo das
tampinhas: na Europa estamos 10 passos atrás dos EUA, e andamos a discutir o
sexo dos anjos com a guerra e a invasão à porta. Onde é que já vi isto? Luis Silva > Isabel Almeida: A guerra e a invasão onde? José
Ramos: Que brilhante análise e que esperado que
isto era! Alberto Gonçalves faz um texto aparentemente minimalista que está
a anos-luz de ser minimalista. Minimalistas, mesmo minimalistas, são os
cérebros dos "comentadores" desde o dr. Costa do Expresso ao dr.
Sousa Tavares, da dra. Ferreira Alves à dra. Afonso do Segundo Olhar, da
dra. Leitão à dra. Moreira passando pela dra. Estrela. Tenho passado estes
últimos dias em estado de profunda náusea. Mas não, a culpa não é do Trump. Antonio
Rodrigues: Certeiro, uma
síntese brilhante do que se passou e passa nas eleições Americanas. Pedro CF:
Muito bem ! Ao contrário do Alberto
nunca tive dúvidas da vitória. Uma vergonha os nossos comentadores /
paineleiros especialmente aqueles que se dizem de direita e até católicos
rendidos ao wokismo, ao politicamente correcto e que se deixaram ir nas
mentiras do mainstream media e ainda as reforçaram. Que azia e que triste
figura que desmascarou a falta de valores e convicções. Diogo
Pacheco de Amorim: Brilhante síntese do circo a que temos vindo a assistir José B Dias: Não resistem mesmo ... Eduardo Cunha: Muito bom... F. Mendes; Brilhante! Parabéns ao cronista.
Apesar de "só" concordar com, para aí, 97,62% do escrito no artigo, julgo
quase impossível ser mais corrosivo e certeiro na listagem dos malefícios,
perversões e danos provocados por wokismos e outros disparates sortidos. Se
os partidos tradicionais e democráticos tivessem tido a coragem de denunciar
estas distorções dos valores ocidentais, das leis da biologia e da lógica,
desconfio que o Trump (a meu ver, um ser abominável) não teria ganho. Com um
candidato democrata moderado, e lançado a tempo na corrida, teria sido,
eventualmente, possível evitar este desfecho eleitoral (incluindo as maiorias
republicanas nas duas Câmaras do Congresso). Assim, vamos ter que viver
com esta escolha dos Americanos, democrática e infelizmente previsível. Goncalo
Prospero: Excelente!
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