De JAIME
NOGUEIRA PINTO, de relacionação historiográfica, como páginas a elevar-nos – e a
alegrar-nos - na penúria da nossa actual vivência.
Acaso ou vaga de fundo?
Poderá a vitória de uma personalidade
tão excessiva e controversa, mesmo para muitos dos seus apoiantes, não passar
de um acaso gerado pelos erros do Partido Democrata e por uma conjuntura infeliz?
JAIME NOGUEIRA PINTO Colunista do
Observador
OBSERVADOR, 16 nov. 2024, 05:1247
O embaixador António Martins da Cruz, antigo
ministro dos Negócios Estrangeiros de Durão Barroso e assessor diplomático de
Cavaco Silva, disse o que havia a dizer sobre o modo como a comunicação social
tratou as eleições americanas: “Falharam as sondagens, falharam os comentadores e falharam os
jornalistas, que não tiveram objectividade”.
O problema, sublinho, não é os jornalistas, os analistas e os
comentadores serem contra ou a favor de Donald Trump, o problema é quererem
transformar, nas suas reportagens e análises, o mundo naquilo que gostariam que
fosse.
Mas
o mundo não é o que gostaríamos que fosse. E ouvindo
os enganados e enganadores explicarem, depois do embate com a realidade, porque
é que se enganaram – admitindo,
quando tanto, que talvez não tivessem dado “às pessoas” o que “as pessoas agora
querem” (Jornalismo?
Informação? Objectividade?) – é de
crer que vão continuar enganados.
The
times they are a’changing
Aquilo a que estamos a
assistir nos Estados Unidos é bem capaz de ser mais do que uma simples história
de deploráveis manipulados pelas “redes sociais” e pelo “discurso de ódio” de
políticos populistas. Talvez seja mesmo uma vaga de fundo.
Um dos argumentos perante o que foi uma votação
inequívoca, é que “eles”, “os americanos” são bárbaros, básicos e incapazes
de entender as luzes da modernidade e do progresso. É um argumento curioso que me
lembra os primeiros anos 60, quando, na Administração Kennedy, Washington se
mostrou hostil à presença portuguesa no então Ultramar: o tom geral da comunicação
social oficial do Estado Novo era então insistir na boçalidade ou barbaridade
dos americanos, no seu provincianismo de crianças grandes, perante nós, a velha
Europa.
Aparentemente, voltámos à mesma história – agora no rectângulo libertado pelos capitães de
Abril e já sem Império.
Não são precisos
polígrafos, só olhos, para ver que na América – e na Europa – “the times they are a’changing”. A dificuldade em vê-lo estará
talvez no facto de os tempos e as vontades estarem agora a mudar de outra
maneira; ou estarem a mudar, precisamente, contra a institucionalização das
mudanças que Bob Dylan anunciava marginalmente em 1964.
A vaga que agora
faz com que as águas extravasem das margens e inundem as seguranças instituídas
é mais uma vaga
de rejeição da mitologia e da ideologia da Esquerda que reinventou Marx nos
anos 60, passando por Sade e Marcuse; uma ideologia que, fazendo “a longa
marcha através das instituições” prescrita por Gramsci, passou a dominar
culturalmente os Estados Unidos e a Europa. A última versão radical da Nova Esquerda foi a gota de água – com a elevação do imaginário ideológico a níveis de
sofisticação e de absurdo estratosféricos, com a transformação da luta pela
igualdade numa luta contra a realidade (biológica e social), com o
“empoderamento” ou a instrumentalização de minorias essencializadas, com a
entronização de uma superioridade moral indestronável e a licença para cancelar
toda a expressão desviante e toda a contestação.
A luta contra todos estes absurdos usos e abusos não
começou ontem nem se restringe à América, mas foi a América que agora a tornou
flagrantemente visível. Donald Trump, que não estava ao lado deste povo, veio
há dez anos ter com ele. E, contra todas as previsões, venceu.
De
Nixon a Trump
A direita de que Trump é
mediador perante os eleitores é complexa nas origens e nas causas. Tem, na sua História, uma linha de derrotas
fundacionais – Nixon em 1960, Goldwater em
1964 – que trazem as vitórias de Nixon em 1968 e 1972. Eram tempos difíceis, entre a questão racial e a guerra do
Vietname;
os Democratas não estavam bem; Chicago, onde fizeram a convenção em 1968, estava
caótica e em grande desordem. Nesse ano foram assassinados Robert Kennedy e Martin Luther King. Nixon, com uma campanha de lei e ordem, foi eleito
presidente.
Realista e
pragmático, coadjuvado por Henry Kissinger, Nixon abriu as portas à China,
aproveitou a lei dos direitos civis para criar uma burguesia e uma classe média
negra e teve uma enorme vitória em 1972, varrendo 49 Estados. Depois, Watergate liquidou o
presidente mais votado da História dos Estados Unidos, contribuindo, de
passagem, para a sacralização do jornalismo como profissão e para
dessacralização do cargo presidencial, acabando de vez com uma intocabilidade
de que J. F. Kennedy ainda beneficiara.
A grande
reviravolta – depois da presidência
“franciscana” de Jimmy Carter, que trouxe a
queda do Xá do Irão e criou o medo de que a União Soviética ganhasse a Guerra
Fria – iria dar-se com Ronald Reagan. Com uma política articulada
entre os valores tradicionais, religiosos e patrióticos, e a liberdade
económica, Reagan chegava com a “revolução conservadora”. Na altura,
todos, da esquerda comunista à esquerda moderada e à direita da esquerda, se
indignaram: Como
é que a América escolhera um “actor de segunda” para Presidente, um cowboy tão básico como os red-necks que o apoiavam, alguém
que iria certamente pegar fogo ao mundo? Falavam então do mesmo Ronald Reagan que depois
passaria a ser, para os mesmos, um senhor distinto e moderado, quando comparado
com Trump – um “actor de reality shows”, um pistoleiro tão básico,
selvagem e deplorável como os deploráveis que o apoiavam, alguém que se
preparava para pegar fogo ao mundo.
A América ganhou a Guerra Fria
e Bush-pai regulou a vitória, procurando não humilhar a Rússia pós-soviética e
impedir a sua fragmentação em senhores da guerra com armas nucleares. Veio
depois a Administração Clinton e a grande ilusão de estender a todo o globo a
democracia americana. Bush-filho, eleito em 2000, ficou
condicionado pelo 11 de Setembro. Na sua administração, Cheney e
os neoconservadores exploraram a situação para impor, através de guerras
diversas, uma pax americana que levou o caos ao Médio Oriente e se prolongou em
intermináveis guerras mal-sucedidas na Líbia, no Iraque, na Síria, no
Afeganistão. Obama seguiu, no tempo das “primaveras árabes”, com
mais algumas tentativas falhadas de exportação democrática.
A primeira presidência Trump, ganha contra a representante
acabada do “liberal-chic”, Hilary Clinton, saldou-se sem novas guerras, apesar da roda-viva de
nomeações/demissões entre os conselheiros nacionais de segurança, a economia
andou bem, mas não resistiu ao COVID. E Biden, o escolhido pela cúpula operacional
democrática, acabou por ganhar.
O
regresso
Poderá o regresso de Donald Trump não passar de um revés da sorte, de um
fenómeno extemporâneo gerado pelos erros do Partido Democrata e por uma
conjuntura infeliz? Poderá a vitória de uma personalidade tão excessiva e
controversa e a gerar tanta hostilidade, mesmo entre aqueles que apoiam o seu
programa, não passar de um acaso? Ou será esta vitória contra os poderes da Grande
Informação, contra grande parte do Dinheiro, contra a nova cultura radical,
tolerada ou promovida institucionalmente por radicais e moderados, um sinal de
que os tempos estão mesmo a mudar?
A verdade é
que a vaga nacional e popular, de que a
vitória do Partido Republicano é sinal, também já se faz sentir na Europa – e
promete ganhar força com o exemplo americano.
A SEXTA
COLUNA HISTÓRIA CULTURA ELEIÇÕES
EUA ESTADOS
UNIDOS DA AMÉRICA AMÉRICA MUNDO
COMENTÁRIOS (de 47)
Vitor Batista: Mais um artigo excepcional de
Jaime Nogueira Pinto, Trump ganhou porque a esquerda quis ou quer transformar o mundo numa
seita de patetas. As pessoas ou a maioria delas, mais Conhecidos como "fascistas" não
estiveram pelos ajustes, e destaparam de forma solene a estupidez caricata
desta forma de gente. Elizabeth
Coelho: Bom dia. Mais uma vez obrigada
por este artigo. Quanto ao Sr Embaixador, os meus parabéns. Demasiado lúcido
e contundente para os srs jornalistas. Obrigada Carlos
Chaves: Caro Jaime Nogueira Pinto, obrigado por esta resumidíssima apresentação das
últimas presidências dos EUA. Nunca mais irei esquecer a intervenção que
menciona do embaixador António Martins da Cruz, num dos canais da nossa
televisão (se não me engano a SIC notícias), em que os jornalistas que pediam a
sua opinião, reagiram a essa sua resposta de uma forma intempestiva e que
chegou a ser malcriada, como se tivessem sido ofendidos! Portanto sim, (...) “é
de crer que vão continuar enganados.” E se me permite, acrescento eu, continuar
a enganar os mais incautos!
Roberto Carlos: Todas as crónicas do JNP são boas, mas esta é
simplesmente excelente. Aqueles que têm hoje à volta de 70 anos de idade,
entendem bem o preço que Portugal pagou pelo capricho da administração dos
Kennedy. Talvez tenha chegado agora a vez de a Europa, então marxista, dos
subsídios aos libertários avarentos, pagarem o preço que Trump vai cobrar.
Vamos ver. Joaquim
Almeida: Excelente. Quero crer que será uma vaga de fundo que tardará a chegar à
ocidental praia lusitana. Rui Lima: Será que vai ser possível inverter o plano inclinado que está a levar o
Ocidente para o abismo? Tenho receio de que
o destino já esteja traçado, a eleição de Trump, que nunca seria possível num
Ocidente pujante, é sinal dos tempos . Será que o USA se salvará? Quanto
à Europa, o seu destino está traçado entre a invasão vinda do Sul e os inimigos
de leste não sei qual a mais destrutiva (nenhum jornal faz reportagem sobre
a multidão de Africanos do outro lado do Mediterrâneo à espera de uma passagem,
talvez porque o que lá se passa é muito feio) é urgente definir, de preferência
ouvido o povo, o que deve ser feito. Ana Luís
da Silva: Excelente súmula histórica! Muito obrigada a Jaime Nogueira Pinto…
novamente, e uma e outra vez mais. João
Floriano: As crónicas de Jaime Nogueira Pinto têm o enorme mérito de ligar os
acontecimentos e fazer-nos compreender que os grandes acontecimentos a nível
nacional e mundial não estão isolados nem tão pouco são fruto do acaso ou dos
humores de presidentes do momento. Desta vez temos um rápido «colar de pérolas»
entre a administração Nixon e a que agora trump irá iniciar. Cada acontecimento
significativo é uma pérola que se acrescenta ao colar que é colocado no pescoço
da História, não a que os wokes querem contar mas a que realmente aconteceu.
Todos têm direito a interpretar a História de várias maneiras, de acordo
com a sua visão. Mas não têm direito a deturpar os factos
históricos para irem ao encontro das suas interpretações. O último parágrafo é
na minha opinião o mais significativo da crónica. Que irão fazer os
wokes democratas? Que irão fazer os democratas que não são wokes? Que
acontecerá na Europa? Duas hipóteses são viáveis: ou o wokismo está
ferido de morte e a partir de agora começa a agonia, ou tratou-se
de um revés momentâneo do qual irá recuperar. Em ambos os casos o
garrote bem apertado do wokismo europeu vai-se fazer sentir sobretudo na sua
mais que reconhecida ponta de lança: a Comunicação Social. Joaquim
Almeida > Henrique Frazão: Repare, meu caro, que só agora
começaram a dar â costa as primeiras criaturas woke da AD-PSD
- a Balseiro, a Rita Machado dos cartões vacinais sem
sexo (amarelos) e o ministro Alexandre que não ata nem
desata na abolição da "Cidadania" e, em vez de seguir o
modelo proposto pelo Prof. Valadares Tavares, diz que vai retocâ-la, etc. GateKeeper:
Top 5. Clara
e objectivamente uma vaga de fundo, caro Jaime. E que vaga! Joaquim
Almeida > João Floriano: Muittos parabéns à
deputada do Chega Rita Matias, que acaba de reduzir a ministra Dalila
Matias à condição de triste figura de woke serôdia -
com 64 anos e sem siso.
vitor gonçalves pronouncer: O "Muro" foi
inicialmente, começado a construir pelo Clinton, quando na altura já se estava
a sentir o efeito da imigração desregrada. Carlos
Real: Pode parecer à primeira vista que o Mundo está a virar para a direita. Contudo
genericamente os povos têm votado maioritariamente no centro e na direita. São
63% dos paises. Apenas 8% votam em governos da esquerda. Os restantes são
ditaduras 21% e governos sem clareza ideológica 8%. É certo que o marxismo
apenas convenceu as elites, porque o ser humano sempre percebeu que o colectivismo
significa pobreza e, sobretudo é anti natural. Queremos ter propriedades
individuais, sejam terras, casas ou carros. Queremos ter a familia restrita e
não partilhada. Queremos ser livres, mesmo quando o Estado domina politicamente.
A China usando o modelo maoista teve a lucidez de perceber que a economia
tinha de funcionar na base do capitalismo. Com as redes sociais, o individualismo
exagerado, a tendência para o radicalismo aumenta. Não admira que as posições
e os partidos mais extremistas ganhem vantagem. Sempre no campo da direita. Os
de esquerda, que também crescem, não tem sociologicamente possibilidades de ganhar.
A excepção temporária foi na Grécia porque a economia colapsou. O povo acaba
sempre por ter algum bom senso, mesmo quando preferencialmente olha para o seu
umbigo. Joaquim
Almeida > Joaquim Almeida: Junte-lhe a ministra Dalila Rodrigues, com 64 anos, e
a triste figura que fez no Parlamento perante a brilhante deputada Rita Matias,
do Chega. Tem essa Dalila boa idade para ter siso. Henrique
Frazão > bento guerra: Benditos sejam estes "malucos", noutro
contexto, malucos são os que agora por aqui governam. Manuel Magalhaes: Pois esperemos que Trump entenda que tem uma enorme
responsabilidade entre mãos e que está muito para além do próprio Trump,
esperemos que não a estrague com os seus “repentes”, a oportunidade pode ser
única tanto para a América como para a Europa assim haja bom senso e realismo,
porque, se falhar, o caso será muito sério e perigoso…
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