O encontro entre
Donald Trump com Kim jong-Un, e o seu provável entendimento, já posto em causa pelos
analistas Teresa de Sousa e Carlos Gaspar, em artigos do Público de 13/6, é
desmistificado com a notícia de ontem, 23/6, comprovativa de que ambos tinham
razão, como, de resto, se previa, por serem os ditos governantes tão destituídos de escrúpulos, cujo desprezo dos direitos humanos na Coreia do Norte, (citados pelo mesmo
jornal do dia 13), não foi, naturalmente, tema abordado em Singapura, o próprio
Trump pouco identificado também com quaisquer pruridos de humanidade ou mesmo
decência, como se tem visto. E, deste modo, a notícia de ontem sobre as sanções à Coreia, apesar do aperto de mão e os elogios cínicos de Trump ao seu rival em armas, antecede as duas
análises bem estruturadas desses cronistas.
Quanto à
notícia final, trata-se de demonstrações, saídas em livro, sobre a inviabilidade
do Acordo Ortográfico de 1990, que não está juridicamente aprovado, por
incumprimento do Governo, notícia que produziria em nós um expressivo requebro
de alma, com a esperança na correcção do erro desprezível, se confiássemos no
governo, seja ele qual for, que também nós nos arrastamos por aqui, com mazelas
de comportamentos pouco sólidos, tais como esses, de quem se fala e falará
ainda. Comportamentos sem emenda. Sem respeito.
I - ARMAS NUCLEARES
Trump renova sanções à
Coreia do Norte, dez dias após cimeira com Kim
Presidente dos Estados
Unidos considera que regime de Pyongyang continua a representar um risco para a
segurança nacional devido ao seu poder nuclear.
, 23 de Junho de 2018
Dez dias depois do acordo assinado com o líder da Coreia do Norte, Kim
Jong-un, em Singapura, o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, renovou
esta sexta-feira a declaração de “emergência nacional” relativa àquele país
asiático, acto que implica a manutenção das sanções económicas e políticas
contra o regime de Pyongyang. O “risco nuclear" continua a ser uma “ameaça
extraordinária” à segurança dos EUA, defende a Casa Branca.
A declaração de Donald Trump, numa nota ao Congresso dos Estados
Unidos, faz referência ao “risco de proliferação de material físsil [capaz de
promover uma reacção nuclear] utilizável em armas na península da Coreia e as
acções e políticas do Governo da Coreia do Norte".
II -ANÁLISE
Confia, não verifiques, poupa dinheiro
Trump não faz qualquer distinção entre um líder de uma democracia
aliada e um qualquer líder autoritário ou ditatorial.
TERESA DE SOUSA
PÚBLICO, 13 de Junho de 2018
1. No primeiro
comentário à longa conferência de imprensa de Donald Trump, ainda em Singapura,
Christiane Amanpour lembrou a velha máxima de Reagan quando negociou o
desarmamento nuclear com Gorbatchov: “Confia mas verifica”. Não há na
declaração assinada em Singapura pelos dois Presidentes qualquer compromisso
firme com a verificação internacional do cumprimento do acordo. Trump falou
vagamente no assunto, dizendo que os americanos têm capacidade para verificar o
que for preciso. Neste caso, se Kim Jong-un está a cumprir o processo de
desnuclearização com que se comprometeu. Em Washington, a declaração foi
recebida, no mínimo, com perplexidade. Justamente, porque não há qualquer
compromisso firme em matéria de objectivos e calendários. Os acordos de 1992 e
2005 servem de aviso. Nessa altura, não houve cimeiras entre o Presidente
americano (respectivamente, Clinton e Bush) e o seu homólogo coreano (o avô e o
pai do actual líder supremo). Pyongyang ganhou tempo e muito dinheiro para
alimentar um povo a morrer literalmente à fome, mas não cumpriu os acordos.
Qual é a diferença?
As circunstâncias internacionais são outras, mas, como insistiu Donald
Trump, a grande diferença é ele próprio. Por uma vez, tem razão. Nada do que se
passou em Singapura poderia ter acontecido sem ele. Está a fazer o que prometeu
na campanha. Deixar de pagar pela segurança dos aliados na Ásia-Pacífico ou na
Europa. Trazer, sempre que possível, as tropas de regresso a casa. Como lembrou,
há 32 mil soldados americanos na Coreia do Sul que, por enquanto, ficam lá mas
que, logo que seja possível, vão regressar. O desmantelamento nuclear custa
muito dinheiro? Pois custa, mas cabe a Seul e a Tóquio pagar a conta, que é do
seu interesse directo. O seu mandato comprovou outra característica inédita:
não faz qualquer distinção entre um líder de uma democracia aliada e um
qualquer líder autoritário ou ditatorial. Se há diferença, parece dar-se melhor
com os segundos do que com os primeiros. Despreza as “fraquezas” das
democracias. Preside a uma, que lhe limita os poderes, mas não disfarça uma
certa inveja de Putin, Xi, Erdogan ou Kim, que não têm de pedir licença a
ninguém para dirigir os respectivos países. Na véspera de Singapura, esteve na
cimeira do G7, no Quebeque, desentendendo-se com as restantes seis democracias
mais desenvolvidas (ou cinco, porque a Itália já se passou para o seu lado) em
matéria de comércio internacional, a sua grande batalha para reduzir os défices
comerciais “tremendos” que os EUA mantêm com todas elas, mais a China.
2.
Para a maioria dos especialistas americanos, o compromisso de Kim com a
“total desnuclearização” é vago e o compromisso de Trump de pôr fim aos
exercícios militares conjuntos com os seus aliados parece ser firme e imediato.
Vêem uma cedência desnecessária a Pyongyang e a Pequim, que fará tudo para
afastar os EUA de uma região que considera dever estar na sua esfera de
influência, ou melhor, sob o seu diktat. Em Tóquio e em Seul, deve ter
provocado calafrios. Outra das características da política externa do
Presidente: os exercícios de guerra são caros e proteger os aliados também.
Isso não o impediu de forçar a mão do Congresso para aumentar o orçamento da
defesa para um valor já comparável aos da Guerra Fria: quase 700 mil milhões de
dólares por ano, incluindo a sua modernização tecnológica para lá do que é
imaginável em qualquer outro país. A sua ideia da relação dos EUA com o mundo
reduz-se a dois factores: a força da sua economia e o poder das suas Forças
Armadas.
Os Direitos Humanos são mais uma vítima da política externa de Trump.
No caso da Coreia do Norte, a mais demencial prisão colectiva de um povo, a
questão, praticamente, não esteve presente na cimeira.
Perante a insistência dos jornalistas, Trump recorreu a uma fórmula que já
tinha utilizado anteriormente no caso da Rússia. Quando lhe perguntaram,
ainda na campanha, como podia ser amigo de um Presidente russo que mandava
abater jornalistas e adversários, a resposta foi mais ou menos esta: não é só
ele que manda matar pessoas. Na Coreia do Norte, reconheceu que a situação é
“dura”, mas há outras situações noutros países, que também são “duras”. É um
novo padrão que nenhum Presidente, republicano ou democrata, alguma vez adoptou
desde a II Guerra, mesmo que, na prática, as coisas fossem diferentes.
Feitas as contas, o Presidente americano obteve o que pretendia. Os
resultados agradam à população americana que votou nele. Menos dinheiro, menos
soldados, menos risco nuclear. O que vai fazer Kim com ela? Essa é a maior das
interrogações. Para já, o Presidente norte-coreano ganhou o primeiro prémio: em
seis meses conquistou uma inesperada legitimidade internacional, oferecida pelo
país mais poderoso do mundo.
III - ANÁLISE
Pas de deux
A questão coreana
define o mandato do seu sucessor e, provavelmente, garante a sua reeleição.
CARLOS GASPAR
PÚBLICO, 13 de Junho de
2018
Dois dias depois da
eleição de Donald Trump, Barack Obama recebeu o seu sucessor na Casa Branca e
disse-lhe que a questão coreana ia determinar o seu mandato.
O presidente Obama sabia do
que estava a falar: nos últimos 25 anos, desde o primeiro acordo assinado
por Jimmy Carter, em representação de Bill Clinton, e por Kim il-Sung, todos os
presidentes americanos tentaram resolver a questão coreana e falharam todos.
Kim il-Sung e Kim Jong-il comprometeram-se ambos a “desnuclearizar a península
coreana” e ambos violaram esse compromisso. No intervalo, a Coreia do Norte
tornou-se uma potência nuclear e a China, o único aliado do regime comunista
coreano, passou a ser a segunda maior potência internacional.
O presidente Trump tomou
à letra o conselho do seu antecessor. Nos meses seguintes, enquanto Kim Jong-un
repetia os ensaios nucleares e de mísseis de longo alcance, apesar das sanções
impostas pelo Conselho de Segurança, Trump alternou entre a ameaça nuclear e a
disponibilidade reiterada para se encontrar com o seu homólogo norte-coreano, o
que nenhum dos seus antecessores tinha jamais admitido. Paralelamente, pôde
obter o apoio da China ao regime de sanções, decisivo para isolar a Coreia do
Norte.
A primeira cimeira entre
o Presidente dos Estados Unidos e o Presidente do conselho de Estado da Coreia
do Norte é o resultado dessa prova de força. Kim pôde sentar-se à mesa com
Trump, porque completou o programa nuclear norte-coreano; Trump pôde estar com
Kim, porque demonstrou a sua capacidade para punir a Coreia do Norte.
A cimeira de Singapura —
“histórica” para Kim, “importante” para Trump — é, em si mesma, um passo
crucial, desde logo porque muitos, dentro e fora dos Estados Unidos e da Coreia
do Norte, não queriam que a reunião tivesse lugar.
Desde logo, a China,
pela primeira vez, sentiu-se marginalizada e Xi Jinping fez Kim ir duas vezes
ao seu encontro, em Pequim e Dalian, antes da cimeira: a Coreia do Norte não
quer ser um satélite do seu grande aliado comunista, nem o pode dispensar para
garantir a sua retaguarda perante os Estados Unidos. Por outro lado, o Japão
teme que os acordos entre Washington e Pyongyang se limitem a travar o
desenvolvimento das capacidades militares norte-coreanas, sem inverter o seu
estatuto como potência nuclear. Por último, a Coreia do Sul não sabe o que
fazer se perder a garantia nuclear norte-americana, nem está preparada para
suportar os custos económicos da “normalização” da Coreia do Norte: o
Presidente sul-coreano queria mesmo estar em Singapura e tentou forçar uma
cimeira tripartida.
Os resultados da
cimeira não são conhecidos, para além de um comunicado lacónico, no qual Trump
e Kim se comprometem eles próprios, o primeiro a dar “garantias de segurança” à
Coreia do Norte, o segundo a empenhar-se na “desnuclearização completa da
península coreana” — uma fórmula norte-coreana, muito aquém da proposta
norte-americana, que quer uma “desnuclearização completa, verificável e
irreversível” da Coreia do Norte. O mais importante são os passos seguintes,
que podem confirmar os termos gerais da declaração conjunta de Singapura.
Esses passos devem
ser dados tanto no domínio diplomático, como nas medidas que podem traduzir em
actos a “desnuclearização completa da península coreana”. Os Estados Unidos e a
Coreia do Norte têm de preparar, em conjunto com a China e a Coreia do Sul, os
instrumentos indispensáveis para pôr fim à guerra da Coreia: Trump não deve
ceder à tentação de marginalizar a China, signatária do armistício de Panmunjon,
nesse processo. No mesmo sentido, os Estados Unidos e a China precisam de
reunir a Conferência dos Seis em Pequim, para a Rússia, o Japão e as duas
Coreias se empenharem conjuntamente no processo de desnuclearização e de
integração regional e internacional da Coreia do Norte.
O processo de
desnuclearização só pode ser longo e complexo. No limite, é possível assegurar
que a Coreia do Norte põe fim aos ensaios nucleares e à produção de novas armas
e de novos mísseis; é mais difícil fazer com a Coreia do Norte volte a ser um
Estado não nuclear. Mas a sua integração internacional — política, diplomática,
económica — pode reduzir a insegurança do regime comunista, criar condições
para a estabilização regional e garantir a sobrevivência da dinastia comunista.
Se assim for, fica
confirmada a profecia de Obama, com um grão de sal: a questão coreana define o
mandato do seu sucessor e, provavelmente, garante a sua reeleição.
«Bellum nostrum»
IV - O ACORDO ORTOGRÁFICO DE 1990 NÃO ESTÁ EM
VIGOR
Este livro demonstra, em três textos lapidares,
que a ortografia em vigor em Portugal é a de 1945. Em primeiro lugar, por não
ter sido juridicamente revogada, em segundo lugar, porque o processo de
entrada em vigor do AO de 1990, não tendo o Governo cumprido os passos
processuais que a sua aprovação implicava, é como se legalmente não existisse.
Top of Form: 13,00 €, 11,70 €
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