quinta-feira, 14 de junho de 2018

Romanceando



Francisco Assis sempre representou para mim o ideal do “honnête homme” clássico, culto e bem formado, cujo mérito julgava que fosse genericamente reconhecido, por parecer verdadeiramente democrata nas suas afirmações educadas, defendendo, embora a sua musa socialista, mas sem o tom melífluo de alguns engravatados intelectuais de ambiguidade transparente, que contribuíram para a destruição do seu próprio partido, embora dizendo-se pertencente a esse, no seu vasto percurso de mudança, sem jamais ajudar à construção do seu país, embriagados nos recursos de uma intelectualidade apreciável mas demoníaca, como a de Pacheco Pereira. Francisco de Assis, ao contrário deste, inicialmente não aceitou a tramóia do seu chefe de partido para destituir Passos Coelho da governação a que tinha direito, mas consumados os factos, integrado na União Europeia, é essa que defende, mostrando as valias de um projecto que muitos, que foram por ele beneficiados, ironizam agora, esquecendo os benefícios obtidos. Por isso coloco os seus comentários, bem ilustrativos da nossa idiossincrasia de mesquinhez e inveja pelo sucesso dos que sobressaem e são coerentes nos seus pontos de vista e na defesa de princípios que aceitaram à partida. Todos sabem quanto o país se modernizou com o despejar de dinheiro europeu nele, tenha este embora tido outros destinos também, menos ortodoxos, resultantes da mesma idiossincrasia de pobreza e manha. Mas como as perspectivas para nós não são boas, enrolados que andamos nos artifícios governativos actuais, tratamos de condenar a Europa que não ajudou de facto, mas que nos explorou e explora, segundo eles. Por isso coloco os seus comentários, que ajudam a perceber melhor.
OPINIÃO
Os europeístas equivocados
É preciso lembrar que a Europa é o resultado da escolha dos seus povos e não o produto de um vanguardismo estatuído pelas suas diversas elites.
PÚBLICO, 7 de Junho de 2018
1. Há uma espécie de inimigos da União Europeia que se distinguem por uma característica bastante peculiar: declaram-lhe um incomensurável amor em abstracto e atacam-na em quase tudo o que são as suas manifestações concretas. Habitualmente, começam por invocar uma pretérita “idade do ouro” europeia, época sublime marcada pela ausência de egoísmos nacionais, de tentações dirigistas por parte dos países dotados de maior poder económico, de preconceitos de qualquer espécie no relacionamento entre os diversos povos do velho Continente. Ter-se-ia vivido então num Éden de solidariedade, de generosidade, de verdadeiro espírito supranacional. A esse tempo primordial sucede agora uma época de trevas identificada com o ressurgimento dos directórios, com a falência da noção de fraternidade e com a queda abrupta dos ideais europeus. A par desta descrição de uma progressiva dissolução temporal do projecto europeu, tais criaturas empenham-se também em opor a perfídia que descortinam na actual União Europeia às legítimas aspirações e anseios de povos que, sentindo--se incompreendidos, desatam a votar em partidos extremistas, quando não mesmo xenófobos e racistas. Para os seguidores desta posição pueril todo o mal que descortinam no espaço político europeu radica na “decadência” da União Europeia e na sua incapacidade de responder às expectativas das suas pobres vítimas, precisamente os cidadãos dos vários Estados-Membros.
Esta análise incorre num erro de avaliação crasso: sendo a União Europeia constituída e dirigida no essencial por Estados assentes num modelo de organização democrática, ela é em cada instante o produto da escolha livre dos cidadãos que a integram. Ocupemo-nos de um caso muito concreto e que tem sido vastamente utilizado nos últimos dias devido a tudo quanto se está a passar em Itália. Várias boas almas têm escrito que o resultado das eleições italianas decorre da incapacidade de a União Europeia ter atempadamente concebido e aplicado uma política mais eficaz para enfrentar o problema da imigração. À primeira vista esta afirmação parece razoável e talvez por isso seja profusamente replicada por tudo quanto é cão e gato no comentário político português. Só que é preciso fazer uma análise mais profunda e, já agora, mais séria. Façamos um esforço de decomposição da questão: a União Europeia não constitui uma realidade absolutamente unívoca e dotada de um comando único; pelo contrário, contém vários níveis e diferentes instâncias de decisão. No tema específico das migrações, a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu adoptaram posições que não suscitaram o respaldo de um Conselho Europeu dividido entre países disponíveis para a promoção de uma política generosa de acolhimento de imigrantes e países completamente hostis a essa mesma orientação. Ocorre que todos esses governos assentam em maiorias parlamentares e refletem opções nacionais democraticamente legitimadas. Não faz, por isso, qualquer sentido atribuir a responsabilidade pelo que se tem vindo a passar a uma vaga e indeterminada noção de Europa, como se existisse um centro de decisão, provavelmente sediado em Bruxelas, incapaz de perceber e atender de forma solícita à premência de uma situação reconhecidamente complexa. É preciso lembrar que a Europa é o resultado da escolha dos seus povos e não o produto de um vanguardismo estatuído pelas suas diversas elites.
Por outro lado, e voltando ao caso italiano, também se revela pouco rigorosa a tese de que os pobres cidadãos são vítimas das nefastas políticas produzidas a partir da pérfida e decadente Bruxelas. Desde há muitos anos, muito antes do surgimento do actual fluxo migratório, tem-se assistido ao crescimento eleitoral naquele país de posições políticas de carácter xenófobo e racista que começaram por opor os italianos do Norte aos transalpinos do Sul. Lembremo-nos do que foi a inesperada aparição eleitoral da Liga Norte de Umberto Bossi há duas décadas e do que já então representava o telepopulismo encarnado por Sílvio Berlusconi. Nessa altura não havia austeridade, não havia imigrantes e contudo já se notava uma propensão popular para apoiar soluções muito parecidas com aquelas que hoje prevalecem.
É muito fácil encontrar bodes expiatórios e explicações simplistas quando as coisas correm mal. Nos últimos tempos, a preguiça mental de grande parte da esquerda levou-a a atribuir a responsabilidade por tudo o que de menos bom ocorre no espaço europeu à austeridade; essa mesma preguiça mental conduziu a direita à elaboração do argumento de que na raiz dos males europeus estava a perda de importância dos Estados-nação. Uma e outra teoria relevam sobretudo de uma abordagem preconceituosa que tem pouco em conta a realidade. A aproximação das eleições para o Parlamento Europeu poderá levar, infelizmente, a um recrudescimento do discurso simplista, maniqueísta e ilusório. Já há alguns sinais nesse sentido. Sinais esses que são particularmente deploráveis quando provêm de mentes reconhecidamente superiores mas moralmente propensas à prática da demagogia; apesar de tudo são mais desculpáveis nos espíritos que porventura acreditam mesmo naquilo que escrevem e dizem. Oxalá eu esteja enganado.
2. Sou um leitor atento do Observador, jornal digital de inegável qualidade. A circunstância de ter uma linha editorial claramente identificada, que não corresponde, como é óbvio, às minhas opções doutrinárias e políticas, não me causa qualquer tipo de urticária. Aprecio, apesar de discordar na maior parte das vezes, a qualidade dos seus principais colunistas. Há, porém, um dado curioso que fui verificando ao longo dos últimos meses: uma parte significativa desses colunistas, sobretudo aqueles que podemos identificar como uma certa classe média intelectual, não esconde dois sentimentos básicos: a profunda tristeza pelo facto do PSD, sob a liderança de Rui Rio, se recusar a seguir uma linha de orientação neoconservadora ou neoliberal e a alegria, só aparentemente estranha, com que saúdam os presumíveis avanços dos sectores que eles próprios consideram como correspondentes à ala esquerda do PS. É caso para dizer, embora seja agnóstico, que Deus me livre de cair nas boas graças de alguns dos colunistas do Observador.

COMENTÁRIOS:
elpjust, 08.06.2018: Bom dia! Caro Assis, quando começam a gritar aí no parlamento que, é preciso investir em todos estes países e criar formas de as pessoas não terem necessidade de vir criar uma miséria igual aquela que lá tem? Para que serve esse parlamento se não aparecem noticias de novas fábricas ou outras industrias nesses países, a única coisa que vem à televisão é lixo produzido na EU e outros países ricos. Já alguma vez se questionou, quem é que paga a tanto rebelde por essa África, que só provocam o medo nas populações e as obrigam a fazer-se ao mar para morrer. O que é que o Sr e os seus companheiros de parlamento têm feito para evitar isto? Todos gostamos de dizer umas coisas é verdade! mas eu não recebo dos impostos do povo.
bento guerra, 07.06.2018 : Os "rosnadores" não querem perceber que os políticos que escolheram, são os seus representantes. E quanto à Europa, é onde se têm comportado melhor.
Jose, 07.06.2018: Enriquecem como disse o eurodeputado Marinho e Pinto sem terem de roubar como Oliveira Costa e tantos, tantos cá.
Jose Luis Malaquias, Figueira da Foz08.06.2018 09:46: Aqui este "rosnador" percebe que, em Bruxelas existem representantes eleitos, como este senhor, e quem depois toma as decisões, como o Conselho Europeu. Contra os representantes eleitos, não tenho nada contra. Acho que fazem um excelente trabalho, todos eles, do CDS ao PCP. Só que mandam muito, muito pouco. Se o Conselho Europeu fosse substituído por um senado também eleito, então sim, só teríamos de nos queixar de nós mesmos e de quem elegêssemos. E não adianta dizer que os chefes do governo presentes no Conselho também são eleitos (regra geral, não são, são nomeados pelos parlamentos), pois eles são eleitos com base, sobretudo, nas políticas nacionais e as europeias não são escrutinadas.  Mas existe outra forma de perversão democrática, que é cair no extremo oposto e submeter tudo a referendos, em que a demagogia impera e é mais facilmente manipulável por quem tiver os recursos para controlar os meios de comunicação. A virtude estaria no meio termo, em ter políticos europeus sujeitos a eleição directa pelo povo. Uma democracia representativa ao nível europeu, mas dependente dos povos europeus. Essa forma de representação foi corporizada no PE, mas os verdadeiros poderes foram depois canalizados para o "centralismo democrático" do Conselho Europeu, onde as decisões são opacas para os cidadãos. Se, realmente, querem convencer-nos de que não existe manipulação, substituam o Conselho Europeu por um senado directamente eleito.
Jose, 07.06.2018: Depois vem o quarto secretário, o do Sim Sr. Ministro, e o "senado eleito" fica a ver passar as pipas da massa.
Jose Luis MalaquiasFigueira da Foz 07.06.2018 : Achei esta coluna muito desingénua, como se a Europa só não actuasse porque é muito complexa e tem demasiados níveis de decisão. Acontece que, quando foi preciso impor soluções como as resoluções bancárias (de que fomos tristes cobaias) ou como o PEC ou como outras imposições, essa mesma Europa foi muito expedita a impor e os países não tiveram outro remédio senão cumprir. Para mim, é apenas mais uma desculpa para não mudar o que tem de ser mudado. Depois, vem o argumento de que a Europa é democrática porque emana de parlamentos e governos democráticos. Há muitas maneiras de viciar a democracia e o centralismo democrático, em que cada nível comando o nível acima, foi usado com grande sucesso por partidos comunistas, para subverter a democracia. (continua)
ADRIANO NEVES SILVEIRA, LISBOA 07.06.2018: Diz o eurodeputado que “É preciso lembrar que a Europa é o resultado da escolha dos seus povos e não o produto de um vanguardismo estatuído pelas suas diversas elites.” Nada mais falso do que esta afirmação! Como se pode achar que um parlamento tem legitimidade política para aprovar tratados que reduzem drasticamente a nossa independência (as decisões comunitárias impõem-se a todos os países como se viu agora no RGPD) e fez desaparecer a nossa moeda? Fugiu-se aos debates e esclarecimentos, rejeitou-se referendos e agora fala-se assim? Eu acho que a UE é o único caminho que temos perante a globalização selvagem que a queda do muro de Berlim gerou. Mas daí a dizer-se que isto é emanação dos povos vão muitos passos de gigante.
Jose, 07.06.2018: Deste comentador político não sei se "é cão ou gato", sei que é propagandista de serviço, e muito bem remunerado, do idílico discurso do ocupante. O chamado "projeto europeu" foi e é de meia dúzia que se colocaram na posição de desviar colossais fluxos financeiros para as suas áreas de interesse. Não houve, nem há nenhuma participação dos povos da área geográfica dos 27 ex-países que sofrem a rapina das suas riquezas e a humilhação da captura das suas soberanias. Esse "clube dos ricos" como se proclamam chula os povos reprimidos por Estados capturados e vendidos por "30 dinheiros". Foi da iniciativa dessa meia dúzia de criminosos a iniciativa de fazer guerra na ex-Jugoslávia, Líbia, Ucrânia, Síria... numa política agressiva que espalhou guerra por fora, terrorismo por dentro e o declínio!




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