sábado, 30 de junho de 2018

Conte-me tudo



Contou ontem a Catarina, pelo telemóvel. Estava a dar uma papa ao Nuninho, que é comilão, mas distraiu-se e parou. E de repente ouviu: “mamã” ou coisa parecida. Deu-lhe uma colherada, parou, distraiu-se de propósito, e novamente o mamã surgiu, como um chilreio interesseiro. A brincadeira continuou, com a distracção propositada da Catarina para ouvir o “mamã” apelativo, e enaltecer a inteligência do seu bebé que até ali só dissera uma aparência de “papá” e de “vovó”, o que ela achava injusto, dado que é ela quem se esforça mais em torno do seu bebé: 26/6, “mamã”, o primeiro registo, quase 13 meses de vida. Lembrei-me do filme da esplendorosa Júlia Roberts, “Erin Brockovich”, que apresenta uma jovem mãe com os três filhitos pendurados na azáfama da sua vida, entregues a amas ou acompanhando-a provisoriamente, e o telefonema distante da ama de ocasião – neste caso um “au pair” masculino - que lhe comunica pelo telefone, para o carro da sua urgência laboral, que a bebé pronunciara pela primeira vez uma palavra – bola, neste caso. E as lágrimas silenciosas da mãe, excluída do momento, formam cena de grande realismo a simbolizar a vida aplicada das jovens mães de hoje, sempre correndo, num esgotamento.
Mas foi no domingo passado, assim que a Paula chegou ao nosso cantinho, que se reviram os dois bebés, o Nuno da Catarina e o Pedro da Ana, guardados pela Paula no seu telemóvel, caixinha maravilhosa que traz o mundo dentro de si. Fotos do Nuno que a Catarina envia para a mãe, e o filme com o Pedrinho, que faz dois anos em Julho, ouvindo-se a voz da avó Binha: “Que estás a fazer, Pedro?” e o Pedro no chão, esfregando, a responder: “Limpezas”, em homenagem de comiseração pela avó que adora.
Mas falou-se também da Ana, a mãe do Pedro e da sua voz maravilhosa e a minha irmã quis escutar uma vez mais a canção ao piano que aquela tocou e cantou em tempos, para o seu bebé, canção brasileira que termina “Venham ver como dão “méu” as abelhas do céu”,  que também eu guardei no meu computador, para escutar de vez em quando, o Pedro, a princípio calado e finalmente protestando para participar no toque das teclas.
Mas não admira que nos encantemos com a voz da Ana, que em Paris, onde seguiu os seus estudos superiores integrada no plano “Erasmo”, fez chorar um seu professor cantando o “Tudo isto é fado” da Amália. Agora já canta a solo, no grupo coral de jazz em que participa. Será que um dia…
Mas o domingo passado foi de encanto também, por ter ido ouvir “Cascais em canto”, com o “Grupo Coral Vox Maris” e o “Coro Audite Nova de Lisboa”, a convite da Paula, que participa no primeiro. Uma hora de grande prazer, no Hospital de Santana, por ter escutado tantas vozes harmónicas de homens e mulheres interpretando músicas clássicas, ou mais populares, da Idade Média, do Renascimento, de compositores nacionais e estrangeiros, numa perfeita harmonia de lindas vozes masculinas e femininas, que me encheram de orgulho e conforto. É pena que a televisão não os projecte, como forma educativa e recreativa de grande impacto.
Um dia na vida de…  Acabou no Pingo Doce, nas compras com a Alice, um dia em cheio. E aqui respondo à frase tonta com que a Maria Eduarda faz o seu aparecimento fulgurante nas nossas vidas, pondo-nos a rir, à partida,  com a expressão de arromba perfeitamente vazia: “Conte-me tudo”. Contei. Um tudo que é nada, um nada que é tudo, um dia feliz.
Mas, para finalizar com um “tudo” realmente importante, transcrevo o fado da Amália que acabei de escutar, para prolongar o prazer já ido. Abençoada Internet:
Tudo Isto É Fado
Letra de Aníbal Nazaré e F. Carvalho
Perguntaste-me outro dia
Se eu sabia o que era o fado
Disse-te que não sabia
Tu ficaste admirado
Sem saber o que dizia
Eu menti naquela hora
Disse-te que não sabia
Mas vou-te dizer agora

Almas vencidas
Noites perdidas
Sombras bizarras
Na Mouraria
Canta um rufia
Choram guitarras
Amor ciúme
Cinzas e lume
Dor e pecado
Tudo isto existe
Tudo isto é triste
Tudo isto é fado

Se queres ser o meu senhor
E teres-me sempre a teu lado
Não me fales só de amor
Fala-me também do fado
E o fado é o meu castigo
Só nasceu pra me perder
O fado é tudo o que digo
Mais o que eu não sei dizer

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