Uma crónica de Rui Tavares
a lembrar noções de História, a propósito da expressão “ditador” aplicada, não
em tom de crítica mas como elogio, a Salazar, nos anos 30. De facto, só após a “libertação”
de Abril, nos apercebemos de quanto continha de “criminoso” a expressão
“ditadura”, que jamais nos lembraríamos de aplicar a um homem de mão férrea mas honesta, que amou a sua pátria a ponto de a libertar de uma dívida tamanha da
primeira República, e ter construído um país segundo o lema “Se tu soubesses
o que custa mandar, gostarias de obedecer toda a vida”, expressão perversa, é certo, de um paternalismo tonto, afixada
numa parede do liceu de Aveiro – provavelmente mandado construir por ele, como
muitas mais escolas primárias, técnicas e liceus, além da ponte que lhe deu o
nome e que os do 25 de Abril usurparam, ditatorialmente, julgo eu. Ou apenas
desonestamente, que nos quadra melhor este último advérbio, depois de imposta a
democracia por cá. Realmente, sempre o mando foi revestido de autoridade e
esplendor, excepto nos tempos de Salazar, que era somítico por princípio e
vocação, além de ser responsável e prudente. Já o absolutismo dos reis, como o de D, João II, apoiado em Maquiavel, se
revestira de força, com a sua visão expansionista, e mais tarde o despotismo
chamou-se esclarecido, ou iluminado, porque se interessava com a difusão das Luzes da
Ciência e dos conceitos. Também os revolucionários que fizeram a URSS se
mostraram muito rígidos, mas parece que isso não conta para os que seguem esses
ideais que eles julgam humanitários, porque pretendem manhosamente ignorar os
gulags resultantes de em maléfico poder de domínio, escravização e alargamento de
poder. Agora o bobo e o bombo da festa é Trump e o seu teatro de marionete,
afinal, que anda ao sabor também da sua sede de domínio e de isolamento nesse
domínio, daí as suas cenas “castigadoras” para os que lhe perturbam a vaidade
dominadora, em manifestações desconcertantes do seu poder, que não parecem muito
consistentes. Mas a crónica de Rui Tavares tornou-se num texto de
história que se embrenhou no passado e desmascara o presente, e provocou os
comentários de quem o critica, querendo fugir, contudo, à dicotomia do preto e
branco. Cada artigo destes resulta, pois, em comentários dos seus seguidores
ou dos seus oponentes, o que nos dá uma visão mais esclarecida do mundo em que
já não navegamos como outrora, destruído o sentimento pátrio que se sobrepunha no espírito de um ditador que se chamou Salazar e que nunca merecerá a glória de um Panteão a impor a
veneração devida, apesar do esbatimento semântico que os termos “ditador” e
“ditadura” tinham no seu tempo, em que a crianças brincavam na rua, em
liberdade e sem sobressaltos de medo, como hoje. Por isso transcrevo os vários comentários
que o artigo de Rui Tavares mereceu, como forma de espreitar para tantas das
nossas gentes, na explicitação "livre" dos seus pensamentos. Foi, para mim, um prazer.
OPINIÃO
O tempo dos ditadores
O tempo em que tínhamos de
nos preocupar com o fim da democracia já foi há tanto tempo que às vezes caímos
no erro compreensível de achar que as ditaduras só acontecem em países e épocas
a preto-e-branco.
RUI TAVARES
PÚBLICO, 15 de Junho de 2018
Lembro-me da surpresa com
que há muitos anos vi a capa de uma revista portuguesa dos anos 30 chamando a
Salazar “O Ditador nacional”. Pensei, mas esta palavra não estará aqui a ser
usada como um insulto? E, se sim, como podiam eles fazer isso naquela altura?
Pois bem, é claro que a
palavra não estava a ser usada como um insulto, mas como um elogio. Nos anos 20
e 30 do século passado, em determinados momentos e contextos, ser chamado de
ditador podia ser entendido como transportando uma carga positiva. Homens
políticos em vários países da Europa e do mundo procuravam ativamente serem
chamados de ditador — ou termos semelhantes, Duce, Führer — e, claro, punham os
para pôr ordem na
república; mas o uso no século XX ia para lá dessas razões históricas: a
verdade é que entre as duas guerras era popular a crueldade brutal no
esmagamento dos adversários e a indiferença aos direitos e à democracia
constitucional por parte dos ditadores. A ditadura podia não ir a eleições; mas
se fosse ganharia uma grande proporção dos votos, se não mesmo a maioria.
Para que a palavra
“ditador” ganhasse o sentido negativo e vergonhoso que hoje felizmente (ainda)
vai tendo foram precisas uma tragédia na Europa com a 2.ª Guerra Mundial e
depois uma lenta e produtiva pedagogia democrática no pós-guerra. A tragédia
foi tão grande e a pedagogia tão eficaz que a partir dessa altura nem os
ditadores já queriam (ou aceitavam) ser chamados de ditadores.
Essa pedagogia tornou-se
agora cada vez mais esbatida, a memória da tragédia esvaiu-se e a maior parte
de nós estamos agora demasiado ocupados para dar pelos sinais de alarme. Mas
eles estão aí.
No outro dia, a
televisão norte-americana Fox News, conhecida pelo seu seguidismo acéfalo em
relação a Trump, comentava em tom grandiloquente a chegada do seu ídolo a
Singapura para a cimeira com Kim Jong-un, da Coreia do Norte. A locutora pegava
num adjetivo exagerado para pôr em frente de outro adjetivo exagerado e assim
lá foi dizendo: “esta reunião é histórica!”, “já é histórica ainda antes de ter
começado!”, e finalmente, “esta reunião já é histórica independentemente do que
se passar na conversa entre os dois ditadores...”. Ups.
Aquele não foi só um
momento em que a alguém “fugiu a boca para a verdade”, como se diz em bom
português. Foi antes um momento em que ficou ainda mais claro o estado de
alienação em que se vive na política de hoje. Não só Trump pode fazer o contrário
do que prometeu como pode fazer aquilo que criticou a Obama e ainda assim ser
elogiado nos termos mais hiperbólicos pelos seus sequazes. Não só Trump pode ir
a Singapura e entremear as bandeiras americanas com as da República Democrática
Popular da Coreia do Norte sem deixar de ser adorado pelos mais estrénuos
anti-comunistas dos EUA, como estou convencido que seria possível ele virar-se
para os americanos e dizer “sabem que mais, a partir de agora quero que me
chamem ditador” sem que dos trumpistas houvesse outra resposta que não fosse:
“sim senhor, quer com minúscula ou com maiúscula? Ai que tolice, Senhor
Ditador, perdoe-nos por termos perguntado, claro que é com maiúscula.” O
subconsciente da locutora da Fox News, como vimos, já está mais do que
preparado.
O tempo em que tínhamos de
nos preocupar com o fim da democracia já foi há tanto tempo que às vezes caímos
no erro compreensível de achar que as ditaduras só acontecem em países e épocas
a preto-e-branco, como nos filmes e na televisão antiga. Achamos, portanto, que
teremos direito a um marcador ou um sinalizador qualquer que nos diga “aqui
acabou a democracia e começou a ditadura”. Qualquer coisa na banda sonora, ou
na cor da paisagem. Quando um dia sairmos à rua e estiver tudo a preto-e-branco
com uns violoncelos pesados a tocar ao fundo, é aí que começaram os tempos
sombrios.
Puro engano. Nos tempos do
nazismo e do fascismo as cores do céu eram tão vibrantes como são hoje. Também
havia dias fantásticos de Verão. As pessoas seguiam as suas vidas de todos os
dias, casavam, eram felizes até — menos aquelas que eram metidas em vagões e
com quem só uma minoria se preocupava. Para todos os restantes não havia nenhum
aviso. E também não haverá nenhum aviso agora: ou teremos a nossa consciência
ou não teremos nada.
Ontem lá começou um
Campeonato do Mundo de futebol pronto a ser usado como propaganda na terra de
um dos ditadores pós-modernos do nosso tempo. Quantas vezes já vimos isto? Nos
EUA há campos de reclusão (chamemos-lhes assim) para crianças imigrantes
separadas à força dos seus pais, e estes campos têm à entrada murais pintados
com frases triunfantes e retratos do Presidente Trump. Quantas vezes já vimos
isto? Na Europa há um barco com 630 refugiados a bordo e só a custo encontrou
quem o quisesse receber. Quantas vezes já vimos isto?
Desgraçadamente, parece
que não foi vezes suficientes.
O autor
escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
Historiador; fundador do
Livre
COMENTÁRIOS:
albergaselizete, 18.06.2018:
A ditadura pós-25/Abr, e a europeia, mais
recentemente, só divergem nas "moscas", se comparadas c/ o regime de
Salazar, porque o processo e metodologia da democracia é ditatorial, senão
vejamos: Por que razão só tenho o dever e obrigação de pagar impostos brutais,
imorais, (No Salazarismo, os impostos eram espantosamente menores - querendo
dizer, mais justos)? Porque não podemos ter retorno? E a liberdade de fazer
ouvir a voz (do povo) - que é quem sustenta o país, as dívidas que o afundaram,
e o enriquecimento desconexo da escumalha? Por que razão só há referendos sobre
regionalização e aborto? Porque recusam referendos em questões de interesse
nacional e europeu, que me afectam profundamente e ao povo português, e aos
povos europeus da UE? Como se verifica, a metodologia é ditatorial.
Wheeler Catarina,
16.06.2018 :
A falência do raciocínio binário e dicotómico
é um limite a que o Ser-humano chegou. Ao transpô-lo para as máquinas (ao
exteriorizá-lo) através dos algoritmos e da IA tomou consciência desse limite
que lhe era intrínseco. Descobriu-o (destapou uma das principais codificações
de que é feito o seu ADN). Porém, se olharmos para a Natureza e para as
Sociedades verificamos que a estratégia da Vida assenta na Diversidade (nem
todas as árvores são plátanos; nem todos os peixes chernes, etc). Não há apenas
o «Eu/Nós e o Outro», «maus/bons», «esquerda/direita» etc. Há inúmeros
múltiplos que impedem essa redução binária. Quando se diz "ditadores"
não se estará a cair nesse erro de não haver alternativa ao binarismo? Tal como
«Globallização versus Nacionalismo»? Não será outra coisa?
Margarida Paredes, Salvador da Bahia, 15.06.2018:
Gostava de
saber se estes Trolls da facho-esfera que tomaram de assalto este Forum são
Assinantes? Isto está pior que o Correio da Manhã e o Observador juntos.
Wheeler Catarina, 15.06.2018: E eu gostava de saber quem lhe deu licença para
chamar fascistas e trols aos outros? É essa sua mentalidade binária e
dicotómica (Eu/Nós contra os Outros) que provoca a reação contrária, e esteve
na origem da escravatura e dos fascismos. A Realidade Social Contemporânea já
não permite uma análise desse tipo binário e dicotómico.
tripeiro 15.06.2018: Comentário da dona Margarida Caviar denunciado por
violação dos critérios de publicação.
Andrade, Porto, 15.06.2018: Está visto onde reside o espirito democrático. Pelos
vistos para a democrática Margarida a expressão de opinião só deve ser
permitida a assinantes. Os que leram o jornal impresso ou usaram o número
disponível para leitura gratuitamente, são uns pelintras sem direito a opinião.
Wheeler Catarina,
15.06.2018: O Futebol e o Desporto foram abandonados pelo Estado,
deixados sem Política e à mercê do liberalismo selvagem. Quando me convidaram
para palestrar na Assembleia da República expliquei o que era necessário fazer
em termos políticos. Não quiseram saber. Ora ouçam a notícia de hoje (passo a
citar): "O ex-inspetor da Polícia Judiciária Paulo Pereira Cristóvão e o
líder da claque Juventude Leonina, conhecido como 'Mustafá' vão ser novamente
julgados por assaltos violentos a residências na região de Lisboa, decidiu hoje
o Tribunal de Cascais.". Uma total ausência de política desportiva e uma
incompetente politica contra a violência no Desporto. Isto é a Geringonça?
António Maria Coelho de
Carvalho, Tramagal15.06.2018 Palavra que não tinha lido a sua crónica sobre Alcindo
Monteiro
Wheeler Catarina, 15.06.2018: O desespero dos Partidos de Esquerda perante a evidente
falência da sua ideologia xenófoba e racista (racista contra as Pessoas que não
optam por essa ideologia esquerdista). A ideologia dos Partidos como o BE/PCP e
afins começa por chamar aos outros (passo a citar): "fascistas, ditadores,
etc.". As novas gerações já não aderem a esse raciocínio binário e
dicotómico: «maus/bons», «esquerda/direita», etc. A Sociedade e as Mentalidades
evoluíram, mas a Ideologia Esquerdista permaneceu no conforto da sua inércia, e
os seus líderes foram (e são sustentados) pelos subsídios e vencimentos do
Estado (AR, universidades, empresas públicas, sindicatos, etc.). Perderam a
razão ética e moral para falarem da Sociedade que não vive da teta do Estado.
Vivem bem, com altas remunerações.
Salvador da Bahia15.06.2018:
Mais um Troll da facho-esfera. .
António Maria Coelho de
Carvalho, Tramagal, 15.06.2018 : Já reparou em como no “mundo do futebol” proliferam os
estudantes candidatos a ditadorzinhos? E não tem medo? Eu tenho e procuro lutar
contra a sua ascensão ao poder, apesar de velho.
cardosopereira007, 15.06.2018: Cansa
tanta russofobia deste senhor. Só dois reparos Sr Tavares: 1- o seguidismo
acéfalo da Fox News. Completamente de acordo... mas peca por defeito. Porque
não acrescentar a seguidismo acéfalo de certos (quase todos ) os media à
mentirola imbecil do envenenamento do ex-espião russo? E ao acompanhamento do
que se passa com governos eleitos na américa latina os de esquerda, claro… nos
de direita tudo brilha). 2- o segundo reparo vai para o fim do texto. A
indecente hipocrisia de quem votou no parlamento europeu pela destruição da
Líbia baseada em dados que se sabem ser falsos sem margem para dúvidas. Vem
agora com pena dos refugiados? Os mesmos refugiados que você ajudou a criar? Já
para não falar na venda de escravos em camiões que o seu bracinho no ar ajudou
a potenciar. Triste...
Alforreca Passista:
Anti-liberal fascistas15.06.2018: O próprio europeísta totalitário Rui Tavares gostava de
ser o ditador da União Europeia! Mas o Rui se deseja ser o ditador do fictício
país "Europa" tem que pedir aos banqueiros alemães a sua bênção!
Então o Rui não sabe como as coisas funcionam na "democrática" UE?
A NON DOMINO,
Terra 15.06.2018 09:54: Pois. Em Portugal, esta tolerância para com
"personalidades fortes" já foi testada. Não estou a falar dos clubes
de futebol, onde o escrutínio dos sócios é limitado por intervenções musculadas
das milícias das direcções. Não só o "povo" tolera, como aplaude
desde que vença o campeonato. Estou a lembrar, por exemplo, José Sócrates
quando subiu ao palco do Congresso do PS de Matosinhos (abril 2011) e exigiu
que o aclamassem tal como a um César Augusto. E o PS aclamou-o entusiástica e
acriticamente. No último Congresso, foi mais aplaudido do que Seguro.
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