Parece que as preocupações do Governo pela saúde
das mulheres, verificada numa campanha antitabagista da DGS, visando as
mulheres e os jovens, foi posta em causa pela CIG (Comissão
para a Cidadania e Igualdade de Género), encrespada pela crítica
machista às Mulheres, subentendida num slogan da DGS, contendo
desgarrado apelo de uma mãe fumadora cancerosa à filha também prevaricadora,
para que não fume, devido aos malefícios do tabaco, o que as destituiu – às
Mulheres e às Filhas – da necessária liberdade de pensar por si, submetendo-as
à orientação do Homem.
Talvez fosse essa a intenção do slogan vexatório, a
de alertar para a necessidade da saúde. Mas suponho que foi antes o apodo de
“princesa” dado à filha, a “filhinha” que ela amamentara, princesa no reino de
felicidade que fora o dela, no cumprimento da sua nobre missão de mãe, rainha
do seu lar, que desorganizou a equipa CIG, pelo exagero piegas da
distinção honorífica, provocando naturais manifestações de repúdio nas suas
dirigentes intelectuais, mais habituadas, certamente, aos termos “cria” ou
“filhote” que hoje mais se ouve, e nos irmana a todos na Criação geral,
racionais ou irracionais na mesma Fauna terrena, e decididamente abolidora de
aristocratismos humilhantes.
Alexandre Homem Cristo condena a CIG,
defendendo as intenções construtivistas da DGS, na questão da
saúde, acreditando no seu efeito positivo sobre as mentes maternas e
juvenis. João Miguel Tavares esclarece o assunto, condenando o
histerismo radicalista das CIG, Miguel Esteves
Cardoso irmana-se com estas, arrepiado com a piroseira do slogan, na
questão heráldica, que reverteu para o universo masculino – dos pais fumadores
arrependidos aos seus principeses bem-amados para que os não sigam no vício.
Quanto a mim, dou razão, neste caso, a Miguel
Esteves Cardoso, pois um slogan de tal marca, neste nosso século XXI, só
pode atestar a nossa obstrução mental. Exactamente como os tais slogans “Fumar
mata” e quejandos, apensos sinistramente nos maços de tabaco, pelas Tabaqueiras
arrogantes e cínicas.
Princesas da superficialidade /premium
OBSERVADOR , 4/6/2018
Uma campanha que, com base
em evidências, pode levar a ganhos de saúde das mulheres e, sobretudo, das
jovens mulheres, não pode ser qualificada de misógina. Pelo contrário, deve ser
aplaudida.
As iniciativas públicas devem
ser censuradas quando, distinguindo entre homens e mulheres, acentuam
diferenças de forma artificial ou instauram desigualdade de tratamento com base
em preconceito ou ignorância (e, infelizmente, acontece com frequência). Mas
as políticas públicas devem ser elogiadas quando a diferenciação de género que
introduzem se baseia em evidências empíricas e numa estratégia para ampliar o
impacto positivo das medidas implementadas. Esta distinção de partida é
fundamental para avaliar a recente campanha
anti-tabaco da Direcção-Geral de Saúde, alvo de várias
críticas de associações feministas. A questão resume-se assim: a
campanha foca-se no apelo de uma mãe que adoeceu devido ao consumo de tabaco e
que pede à sua filha, a sua “princesa”, que não fume – isto é, que não cometa o
mesmo erro que ela cometeu. Perante isto, a Comissão para a Cidadania e Igualdade de
Género (CIG) identificou “estereótipos discriminatórios” e activistas
acusaram a campanha de ser “misógina e culpabilizante” para as
mulheres. Estão erradas.
Sim, a campanha foca-se
em exclusivo sobre as mulheres. Sim, aposta na sua responsabilização enquanto
mães. E, sim, utiliza uma linguagem potencialmente discriminatória
(“princesa”). Ora, o ponto é que nenhuma dessas opções deriva de
preconceito: todas estão alinhadas com as evidências empíricas da investigação
na área, no sentido de tornar a campanha mais eficaz e, consequentemente, de
aumentar a probabilidade de salvar vidas. E isso faz toda a diferença.
Sabe-se, graças a uma
extensa investigação sobre o tema, que as campanhas televisivas têm um impacto positivo na redução do consumo de tabaco,
embora modesto, sendo esse efeito mais forte quando a campanha é direccionada a
públicos-alvo específicos. Apesar disso, a eficácia é maior nas da
população jovem (adolescente e pré-adolescente), adiando ou suspendendo o momento
de iniciar a fumar. Sabe-se, também, que as famílias têm um papel fundamental na
percepção que os jovens têm das mensagens nas campanhas televisivas – seja no
seu reforço ou na sua desvalorização, as atitudes da família são determinantes
para o efeito da campanha ser maior ou menor. Por fim, sabe-se que as
campanhas mais emotivas (com histórias pessoais) e que
estabelecem elos de ligação com o espectador são aquelas cujos efeitos são mais
positivos no sentido de reduzir o consumo ou deixar de fumar – em particular
junto das populações mais desfavorecidas (que em média fumam mais), atenuando
assim as diferenças sociais existentes.
Além disso, o contexto
português importa muito. No primeiro trimestre de 2018, venderam-se
mais cigarros do que em igual período de 2017 (um aumento de 7,7%). Mais: em
2016, ano em que foram introduzidas as imagens-choque nos maços de tabaco, em
cumprimento de uma directiva europeia, o consumo de cigarros aumentou face a
2015 (3,5% no período comparável, pós-introdução da directiva). Ou seja,
essa medida foi ineficaz nos seus objectivos. Efectivamente, muitas outras
medidas têm sido igualmente ineficazes, incluindo o aumento do custo do tabaco
– olhando aos últimos 27 anos, não houve
reduções significativas nos consumos globais de tabaco na população portuguesa.
Mas houve um pormenor fundamental: enquanto o consumo nos homens está a
diminuir, as
mulheres estão a fumar mais do que antes.
Assim, o que os dados e a
investigação apontam é para a necessidade de, primeiro, ampliar a eficácia das
medidas de prevenção e, segundo, dirigir essas medidas para as populações mais
em risco. Foi o que a Direcção-Geral de Saúde fez: apontou às mulheres
(porque estão a aumentar os seus níveis de consumo de tabaco), optou por uma
campanha que tem impacto em faixas etárias mais jovens (para prevenir o início
do consumo) e introduziu uma mensagem emocional, pessoal e de incidência
familiar (que, conforme mostram vários estudos, aumenta a probabilidade de a
campanha ter efeitos positivos). Poderá, eventualmente, ter
pisado o risco recorrendo a estereótipos? Possivelmente – é um debate. Mas o
ponto que importa é que, se o fez, fê-lo com um propósito de eficácia, seguindo
as boas práticas da investigação, e não por preconceito ou discriminações de género.
O que equivale a dizer que, se não o tivesse feito, teria sacrificado a força
da sua campanha e diminuído o seu impacto.
A conclusão é esta: uma
campanha que, com base em evidências e numa estratégia eficaz de comunicação,
pode levar a ganhos de saúde das mulheres e, sobretudo, das jovens mulheres,
não pode ser qualificada de misógina. Pelo contrário, deve ser saudada,
aplaudida e reconhecida. É preocupante que quem se coloca na primeira fila da
defesa das mulheres (partidos políticos, activistas feministas e a própria CIG)
não o perceba e transforme o seu activismo em perseguições contraditórias,
superficiais e contraproducentes. Se as políticas públicas se guiassem pelos
seus preconceitos, aí sim Portugal seria (ainda mais) um país de incapazes.
II - OPINIÃO
E as princesas viveram infelizes para sempre
Felizmente, a maior parte
da população portuguesa está-se nas tintas para quem acha que chamar “princesa”
a uma filha é o primeiro passo para uma vida de opressão social, e continua a
fazer e dizer o que bem entende.
PÚBLICO, 5 de Junho de 2018
No famoso vídeo da
campanha “Uma princesa não fuma” há duas mulheres. Uma – a mãe – está a morrer
de cancro. A outra – a filha – é chamada de princesa. Houve gente que olhou
para o vídeo e concluiu que a vítima era a filha. Se o trabalho da Comissão
para a Cidadania e Igualdade de Género fosse pugnar pela igualdade entre os
vegetais, ela ter-se-ia indignado muito com a bomba de Hiroshima face à
discriminação da beringela relativamente ao cogumelo. O destrambelhamento da
franja mais radical do feminismo contemporâneo não cessa de me espantar.
Nada é mais estúpido (ai,
ai, usei a palavra “estúpido” – será que estou a chamar estúpidas às
mulheres?) do que transformar a luta justa pela igualdade das mulheres (ai,
ai, sou um homem que insinua saber qual é a luta justa das mulheres – será que
estou a praticar mansplaining?) numa histeria
(ai, ai, usei a palavra “histeria” – será que estou a chamar histéricas
às mulheres?) de micro-indignações, confundindo mudança de mentalidades
com um policiamento obsessivo da linguagem, que torna impossível escrever uma
frase sem ofender alguém.
Tenho amigos sábios que
tendem a desvalorizar estas breves erupções de indignação, bastante
circunscritas ao mundinho elitista das redes sociais lisboetas, como quem
desvaloriza o aparecimento de mais uma borbulha no nariz de um adolescente.
Admito que haja uma certa sageza nessa atitude. Felizmente, a maior parte da
população portuguesa está-se nas tintas para quem acha que chamar “princesa” a
uma filha é o primeiro passo para uma vida de opressão social, e continua a
fazer e dizer o que bem entende, sem ter uma porteira das Capazes na ponta da
língua a decidir que palavras podem sair à rua.
No entanto, esta pequena
elite que pratica o ultra-feminismo semântico não pode ser menosprezada, porque
tem uma influência significativa junto do poder político. O clube de Isabel
Moreira, da CIG, das Capazes, mais respectivos amigos e amigas, tem uma
presença parlamentar e mediática de peso, e está sustentada numa poderosa moda
internacional que passa os dias em universidades e jornais a colocar cordões
sanitários à volta do vocabulário de cada um, com o mesmo desvelo com que a
Santa Inquisição escrutinava os sussurros dos cristãos-novos.
Até Miguel Esteves Cardoso,
em tempos um farol do conservadorismo português, decidiu aderir à onda
progressista, e num texto intitulado “Abaixo os
princeses” escreveu isto: “Quantas vezes se diz a um menino
‘Olá, príncipe, estás tão bonito’? Pois é. O mal de chamar princesas às meninas
é precisamente o facto de estar tão generalizado. Quase toda a gente diz. É por
isso é que existe a CIG, para nos emendar a mão.” Ora, logo por azar, a
mulher com quem me casei diz com frequência aos nossos filhos: “Olá, príncipe,
estás tão bonito.” Só que também essa frase pode soar mal, se quisermos muito.
Porque o problema está
nas orelhas: se eu chamar “princesa” a uma filha estou a perpetuar estereótipos
que a obrigam a ser bonita e gostar de cor-de-rosa; se eu chamar “príncipe” a
um filho estou a perpetuar estereótipos que o obrigam a ser poderoso e a
gostar de mandar nos outros. De uma maneira ou de outra, estou a perpetuar
estereótipos, porque tudo pode ser ofensivo e estereotipado quando retiramos o
bom-senso e o sentido das proporções de uma conversa. Estar sempre a falar
nisto é muito aborrecido, eu sei. Só que tem de ser. A CIG até pode existir
para “emendar a mão”. Mas na minha língua ela não toca.
III - OPINIÃO
Abaixo
os princeses
Quantas vezes se diz a um menino “Olá, príncipe, estás
tão bonito”? Pois é. O mal de chamar princesas às meninas é precisamente o
facto de estar tão generalizado.
PÚBLICO, 3 de Junho de 2018
MIGUEL ESTEVES CARDOSO
Será preciso uma comissão
para proteger a Comissão para a Cidadania e a Igualdade do Género (CIG) do ódio
dos cidadãos? O trabalho da CIG tem sido admiravelmente sensato. As reacções
histriónicas a este trabalho são a deprimente prova de que o trabalho é urgente.
Dei-me ao trabalho de ver o
longo e pirosíssimo filme anti-tabagista dirigido às mulheres. Acho que não há
uma única década (do século XX!) em que não fosse uma porcaria tendenciosa e
estereotipada. Isto será verdade até ao dia em que se conseguir imaginar um
filme dirigido aos homens em que o pai tem cancro e o filho é um príncipe e a
mensagem é “ó homem, em vez de fumar porque é que não preferiste amar o teu
filhinho?”
Os autores do
filme – que não nasceram nos anos 40 nem nada – “ficaram
estupefactos com a acusação sobre estereótipos de género”, conta o PÚBLICO.
Perguntou o realizador do filme “Desde quando se tornou ofensivo dizer, numa
festa ou num jantar, Olá, princesa, estás tão bonita'?”
Assim fica mais ofensivo
ainda, não fica? Estava a faltar o “estás tão bonita” para acertar em cheio.
Quantas vezes se diz a um
menino “Olá, príncipe, estás tão bonito”? Pois é. O mal de chamar princesas às
meninas é precisamente o facto de estar tão generalizado. Quase toda a gente
diz. É por isso que existe a CIG, para nos emendar a mão. É uma educação que
não tivemos. Continuar a chamar princesas às meninas é uma maneira de
consolidar a desigualdade e de garantir que morremos estúpidos. Quem é que pode
ser contra a igualdade do género? De facto, só os princeses portugueses.
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