Dois textos-síntese, o
primeiro elucidativo sobre este nosso mundozinho português, de alminhas
estreitinhas, perversazinhas, estrebuchantes no rescaldo negativo de uma
proposta falhada, que, esquecendo a democraciazinha, pretendem voltar à carga.
Um bom artigo de Porta-voz da campanha Toda a Vida tem
Dignidade, que, naturalmente, colheu bastantes impropérios nos
“comentários” que recebeu.
O segundo, de TERESA DE
SOUSA, sobre as propostas de Angela Merkel para a nova Europa, num
mundo novo e mais adverso, e que conclui: «Feitas as contas às palavras
da chanceler e, ainda mais, a outras intervenções de líderes bastante menos
europeístas, percebe-se que as prioridades europeias são cada vez mais as
prioridades da Europa mais rica. A convergência não foi uma palavra muito
ouvida em Munique»
O rescaldo da eutanásia: arranjemos um psicólogo!
7/6/2018
As reacções à derrota da
legalização da eutanásia são bastante demonstrativas do que realmente faz mover
os defensores profissionais das causas fracturantes. Não falo evidentemente
daqueles que, nos últimos dois anos, fizeram uma campanha honesta e séria para
defender o que entendiam ser melhor para Portugal. Falo dos que constroem a
sua carreira política, jornalística, artística baseados apenas num contínuo
defender da última causa fracturante que for lançada para o espaço público.
Mais importante do que as
reacções de falsa vitória a que se assistiu no parlamento (com direito a grande
cobertura da comunicação social) onde os paladinos da morte a pedido
proclamavam que voltariam a propor a lei as vezes que fossem precisas até
ganhar (demonstrado como sempre a sua fé inabalável nos dogmas que proclamam);
mais importante do que o desprezo total que a comunicação social devotou ao
tema após o chumbo no plenário (a SIC dedicou sete minutos do seu jornal da
noite à eutanásia, maioritariamente gastos com as declarações dos que eram a
favor); mais importante do que a garantia de todos jornais de que a eutanásia
iria rapidamente ser aprovada foi acompanhar as reacções nas redes sociais e
nalguns espaços de comentário nos dias seguintes.
Aí rapidamente se
esqueceram dos doentes, da autonomia e do sofrimento e passou a dominar apenas
o discurso de ódio. O ódio de quem não suporta que existam opiniões divergentes
das suas, mas sobretudo o ódio de quem não suporta perder uma batalha política.
Nesse campo tivemos de
tudo: desde o comentador político travestido de humorista a promover o cyber
bulling contra uma manifestante que ousou levantar um cartaz de que ele não
gostou (que isto da juventude ter participação cívica só é permitido do
lado “certo” da barricada) até aos delírios do eminentíssimo Francisco
Louçã (e digo delírios, porque a alternativa a delírios era estar a mentir
descaradamente) que (numa reedição moderna do “fascistas!” do pós-25 de Abril)
conseguiu vislumbrar a presença do PNR numa manifestação e numa campanha onde
este partido não esteve.
Houve um ponto comum em
todas estas manifestações de ódio daqueles que não suportaram que os deputados
tenham dado mais importância ao que dizem os médicos, os especialistas de
cuidados paliativos, os juristas do que aos comediantes e estrelas de televisão
que foram arregimentados para defender a eutanásia: a constante referência à
Igreja. Desde Isabel Moreira a bradar contra a “sacristia” no
Expresso, até a Francisco Louçã a atacar o bispo do Porto na SIC, os apoiantes
da morte a pedido pareceram todos mais incomodados por a Igreja ter “ganho” do
que com a derrota da “eutanásia”.
O que revela muito sobre
os profissionais das causas fracturantes. Revela que, no fundo, o que lhe
interessa realmente não é as ideologias que tanto proclamam em campanhas bem
estudadas, mas sim o ódio à Igreja, que demonstram quando estão irritados.
Para estas pessoas é-lhes
insuportável que a Igreja continue publicamente a ter voz e, sobretudo, que os
católicos, que se moveram contra a eutanásia, não tenham vergonha de
publicamente defender aquilo em que acreditam. Pior ainda para eles é que haja
leis com a qual a Igreja concorde e que ainda não foram revogadas. Mesmo que as
leis não tenham que ver com doutrina ou religião, só o simples facto de terem a
concordância da Igreja leva-os automaticamente a ser contra.
Francisco Louçã, Isabel
Moreira, as manas Mortáguas e seus seguidores no fundo são como adolescentes
revoltados com os pais. Os pais podem fazer o que quiserem que eles serão
sempre contra. Não se trata de razão, mas de revolta.
O problema é que temos
uma agenda legislativa que anda a reboque da revolta adolescente destas
pessoas. A sua obsessão com a Igreja acaba por dominar a política nacional. Por
isso não consigo deixar de perguntar: não saía mais em conta contratar antes um
psicólogo? Com os adolescentes costuma funcionar!
Porta-voz da campanha
Toda a Vida tem Dignidade
II - UNIÃO
EUROPEIA
Merkel quer fazer da Europa
um actor global. Em todas as dimensões. Segurança, segurança, segurança. A chanceler dá prioridade a uma dimensão em
que o seu país ainda é relutante. Pela razão simples de que o mundo deixou de
ser o mesmo. Depois, vêm as migrações, a ciência e a inovação.
PÚBLICO,7 de Junho de 2018
Qual foi a palavra mais
repetida na intervenção, clara e firme, de Angela Merkel no primeiro dia das
jornadas do Partido Popular Europeu, a decorrer em Munique? A resposta é
“segurança”. Percebe-se porquê, mesmo vinda da chanceler de um
país sempre relutante em colocar as questões de segurança e de defesa no cimo
das suas prioridades.
A chanceler explicou que
a Europa ainda
não se deu totalmente conta de que o mundo mudou de
tal maneira que ou ela própria muda ou será irrelevante. Que a Europa está
hoje, mais do que nunca desde a II Guerra, por sua conta. Sem o dizer
abertamente, a mensagem é óbvia: Trump é um problema e a Rússia uma ameaça.
Apresentou uma lista do
que é mais urgente fazer, a começar pela força de reacção rápida defendida pelo
Presidente francês, que possa agir na vizinhança europeia, toda ela em
chamas. Mas também a compatibilização dos sistemas de armamentos, hoje
dispersos, afectando gravemente a eficácia militar da Europa.
Para isso é preciso
desenvolver uma “cultura estratégica” comum, que passa pela definição
dos interesses comuns dos Estados-membros da União Europeia. Como sempre, a
chanceler frisou que esta capacidade autónoma só faz sentido no quadro da
Aliança Atlântica. A segurança é também o combate ao terrorismo, outra área em
que a cooperação europeia é fundamental, incluindo com o Reino Unido e os EUA.
Um longo caminho e uma batalha a vencer na sua própria opinião pública.
A segunda prioridade da
chanceler também não oferece grandes dúvidas. São as migrações. A Europa não pode voltar a enfrentar uma
crise de refugiados como a que aconteceu a partir de 2015. Mas, se não
conseguirmos uma resposta comum” é a própria União que “estará em causa”.
As suas propostas são
conhecidas. O reforço do Frontex, a agência responsável pela fronteira externa.
Os países de Leste torcem o nariz, porque não querem nada em comum neste
domínio. E, mais importante ainda, mesmo que mais difícil, a reforma das
leis do asilo, para que quem procura refúgio na Europa
não escolha apenas os países onde a lei é mais favorável. Na base do
problema está a questão da distribuição, até agora irresolúvel, graças à
oposição de uma série de países, sobretudo os do Leste e Centro da Europa. Ou
de outros, que vão arrastando os pés. É um problema que vai manter-se no longo
prazo e é nessa perspectiva que deve ser resolvido. Por isso, nas suas
palavras, é preciso um verdadeiro “Plano Marshall” para os países de onde
partem os imigrantes e os refugiados. Outra prioridade que custará dinheiro e
que não será resolvida sem uma “cultura de solidariedade”.
Segue-se a inovação
tecnológica, onde a Europa está muito longe dos EUA. Quer uma
agência europeia para “promover a inovação disruptiva”. Os seus argumentos, no
discurso e fora dele, não poderiam ser mais realistas. A Europa tem um enorme
défice em relação aos EUA. Mesmo que investisse quantidades enormes de dinheiro,
daqui a dez anos continuaria atrás. Basta olhar para quais são hoje as dez
maiores empresas alemãs, para verificar que nove delas já existiam antes da II
Guerra. Nos Estados Unidos, basta recuar a 2000 para verificar que das dez
maiores empresas, nove não existiam nessa data. É lá que acontecem todas
as inovações “disruptivas”, ou seja, as que fazem mudar a sociedade e a
economia. A Europa tem de ser capaz de fazer melhor. “Não precisamos de
empregos, precisamos de qualificações”, foi a resposta directa que deu a uma
das perguntas sobre a criação de emprego.
Merkel não fugiu ao
problema das identidades e das “culturas” que
hoje alimentam os populismos e os extremismos. Nunca mencionou a Itália. Disse
que não podem ser ignoradas. É preciso respeitá-las e ajudar a que se
abram aos outros, em vez de se fecharem sobre si próprias. Este
foi um tema comum a muitas intervenções, mas não numa abordagem tão aberta como
a da chanceler, pelo contrário. Mantêm-se uma atitude “defensiva” que insiste
na “cultura” e no modo de vida europeu, que os outros terão de aceitar.
Aliás, as jornadas do PPE decorrem num Land alemão em que o
ministro-presidente, da CSU, mandou colocar cruzes em todos os edifícios
públicos, talvez menos por convicção mas porque sabe que isso agrada ao
eleitorado e vai enfrentar eleições.
A chanceler não dedicou
mais do que meia dúzia de palavras à quarta prioridade: a reforma da
zona euro. Admitiu apenas que deve ter uma capacidade orçamental, que
só deverá ser adoptada depois de concluídas as negociações do próximo orçamento plurianual,
que quer ver aprovado até às eleições europeias de 2019.
Outra dimensão importante
da sua intervenção tem a ver com o equilíbrio de poderes entre as
instituições europeias. Não vale a pena andarmos a debater a
“intergovernamentalidade” ou o “método comunitário”: quem decide na Europa são
os governos, e não a Comissão ou o PE, frisou. O poder está no Conselho Europeu
e é aí que deve continuar a estar.
Foi ainda mais longe ao
defender que as decisões em matéria de política externa e de segurança e defesa
têm de ser tomadas por maioria qualificada e não por unanimidade, sob
pena de serem ineficazes. A Comissão, tal como previsto no Tratado de
Lisboa, tem de passar a ter menos comissários do que Estados-membros, com uma
rotação igual para grandes e pequenos. É por isso que Merkel não quer o que
o PPE quer: que cada grupo parlamentar apresente ao eleitorado o seu candidato
a presidente da Comissão, como nas eleições passadas.
A Europa como actor
global é a força motriz das propostas da chanceler. Capaz de defender os seus
interesses num mundo que lhe é hoje muito mais adverso. As suas últimas
palavras foram para lembrar que a Alemanha sozinha pode muito pouco face à
China ou qualquer grande desafio internacional. É também nesse sentido que vai
a sua proposta para o Conselho de Segurança da ONU, agora que um dos seus dois
membros permanentes europeus, o Reino Unido, vai sair da UE. A única forma de a
UE ter um lugar permanente” é que os seus membros (pelo menos uns dez) que
concorrem ciclicamente para lugares não permanentes funcionem em nome da União.
Feitas as contas às palavras da chanceler e, ainda mais, a outras
intervenções de líderes bastante menos europeístas, percebe-se que as
prioridades europeias são cada vez mais as prioridades da Europa mais rica. A
convergência não foi uma palavra muito ouvida em Munique.
A jornalista viajou a convite do PPE
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