sábado, 9 de junho de 2018

E assim vamos rodando



Dois textos-síntese, o primeiro elucidativo sobre este nosso mundozinho português, de alminhas estreitinhas, perversazinhas, estrebuchantes no rescaldo negativo de uma proposta falhada, que, esquecendo a democraciazinha, pretendem voltar à carga. Um bom artigo de JOSÉ MARIA SEABRA DUQUE, Porta-voz da campanha Toda a Vida tem Dignidade, que, naturalmente, colheu bastantes impropérios nos “comentários” que recebeu.
O segundo, de TERESA DE SOUSA, sobre as propostas de Angela Merkel para a nova Europa, num mundo novo e mais adverso, e que conclui: «Feitas as contas às palavras da chanceler e, ainda mais, a outras intervenções de líderes bastante menos europeístas, percebe-se que as prioridades europeias são cada vez mais as prioridades da Europa mais rica. A convergência não foi uma palavra muito ouvida em Munique»

O rescaldo da eutanásia: arranjemos um psicólogo!
7/6/2018
As reacções à derrota da legalização da eutanásia são bastante demonstrativas do que realmente faz mover os defensores profissionais das causas fracturantes. Não falo evidentemente daqueles que, nos últimos dois anos, fizeram uma campanha honesta e séria para defender o que entendiam ser melhor para Portugal. Falo dos que constroem a sua carreira política, jornalística, artística baseados apenas num contínuo defender da última causa fracturante que for lançada para o espaço público.
Mais importante do que as reacções de falsa vitória a que se assistiu no parlamento (com direito a grande cobertura da comunicação social) onde os paladinos da morte a pedido proclamavam que voltariam a propor a lei as vezes que fossem precisas até ganhar (demonstrado como sempre a sua fé inabalável nos dogmas que proclamam); mais importante do que o desprezo total que a comunicação social devotou ao tema após o chumbo no plenário (a SIC dedicou sete minutos do seu jornal da noite à eutanásia, maioritariamente gastos com as declarações dos que eram a favor); mais importante do que a garantia de todos jornais de que a eutanásia iria rapidamente ser aprovada foi acompanhar as reacções nas redes sociais e nalguns espaços de comentário nos dias seguintes.
Aí rapidamente se esqueceram dos doentes, da autonomia e do sofrimento e passou a dominar apenas o discurso de ódio. O ódio de quem não suporta que existam opiniões divergentes das suas, mas sobretudo o ódio de quem não suporta perder uma batalha política.
Nesse campo tivemos de tudo: desde o comentador político travestido de humorista a promover o cyber bulling contra uma manifestante que ousou levantar um cartaz de que ele não gostou (que isto da juventude ter participação cívica só é permitido do lado “certo” da barricada) até aos delírios do eminentíssimo Francisco Louçã (e digo delírios, porque a alternativa a delírios era estar a mentir descaradamente) que (numa reedição moderna do “fascistas!” do pós-25 de Abril) conseguiu vislumbrar a presença do PNR numa manifestação e numa campanha onde este partido não esteve.
Houve um ponto comum em todas estas manifestações de ódio daqueles que não suportaram que os deputados tenham dado mais importância ao que dizem os médicos, os especialistas de cuidados paliativos, os juristas do que aos comediantes e estrelas de televisão que foram arregimentados para defender a eutanásia: a constante referência à Igreja. Desde Isabel Moreira a bradar contra a “sacristia” no Expresso, até a Francisco Louçã a atacar o bispo do Porto na SIC, os apoiantes da morte a pedido pareceram todos mais incomodados por a Igreja ter “ganho” do que com a derrota da “eutanásia”.
O que revela muito sobre os profissionais das causas fracturantes. Revela que, no fundo, o que lhe interessa realmente não é as ideologias que tanto proclamam em campanhas bem estudadas, mas sim o ódio à Igreja, que demonstram quando estão irritados.
Para estas pessoas é-lhes insuportável que a Igreja continue publicamente a ter voz e, sobretudo, que os católicos, que se moveram contra a eutanásia, não tenham vergonha de publicamente defender aquilo em que acreditam. Pior ainda para eles é que haja leis com a qual a Igreja concorde e que ainda não foram revogadas. Mesmo que as leis não tenham que ver com doutrina ou religião, só o simples facto de terem a concordância da Igreja leva-os automaticamente a ser contra.
Francisco Louçã, Isabel Moreira, as manas Mortáguas e seus seguidores no fundo são como adolescentes revoltados com os pais. Os pais podem fazer o que quiserem que eles serão sempre contra. Não se trata de razão, mas de revolta.
O problema é que temos uma agenda legislativa que anda a reboque da revolta adolescente destas pessoas. A sua obsessão com a Igreja acaba por dominar a política nacional. Por isso não consigo deixar de perguntar: não saía mais em conta contratar antes um psicólogo? Com os adolescentes costuma funcionar!
Porta-voz da campanha Toda a Vida tem Dignidade

Merkel quer fazer da Europa um actor global. Em todas as dimensões. Segurança, segurança, segurança. A chanceler dá prioridade a uma dimensão em que o seu país ainda é relutante. Pela razão simples de que o mundo deixou de ser o mesmo. Depois, vêm as migrações, a ciência e a inovação.
 
PÚBLICO,7 de Junho de 2018
Qual foi a palavra mais repetida na intervenção, clara e firme, de Angela Merkel no primeiro dia das jornadas do Partido Popular Europeu, a decorrer em Munique? A resposta é “segurança”. Percebe-se porquê, mesmo vinda da chanceler de um país sempre relutante em colocar as questões de segurança e de defesa no cimo das suas prioridades.
A chanceler explicou que a Europa ainda não se deu totalmente conta de que o mundo mudou de tal maneira que ou ela própria muda ou será irrelevante. Que a Europa está hoje, mais do que nunca desde a II Guerra, por sua conta. Sem o dizer abertamente, a mensagem é óbvia: Trump é um problema e a Rússia uma ameaça.
Apresentou uma lista do que é mais urgente fazer, a começar pela força de reacção rápida defendida pelo Presidente francês, que possa agir na vizinhança europeia, toda ela em chamas. Mas também a compatibilização dos sistemas de armamentos, hoje dispersos, afectando gravemente a eficácia militar da Europa.
Para isso é preciso desenvolver uma “cultura estratégica” comum, que passa pela definição dos interesses comuns dos Estados-membros da União Europeia. Como sempre, a chanceler frisou que esta capacidade autónoma só faz sentido no quadro da Aliança Atlântica. A segurança é também o combate ao terrorismo, outra área em que a cooperação europeia é fundamental, incluindo com o Reino Unido e os EUA. Um longo caminho e uma batalha a vencer na sua própria opinião pública.
A segunda prioridade da chanceler também não oferece grandes dúvidas. São as migrações.  A Europa não pode voltar a enfrentar uma crise de refugiados como a que aconteceu a partir de 2015. Mas, se não conseguirmos uma resposta comum” é a própria União que “estará em causa”.
As suas propostas são conhecidas. O reforço do Frontex, a agência responsável pela fronteira externa. Os países de Leste torcem o nariz, porque não querem nada em comum neste domínio. E, mais importante ainda, mesmo que mais difícila reforma das leis do asilo, para que quem procura refúgio na Europa não escolha apenas os países onde a lei é mais favorável. Na base do problema está a questão da distribuição, até agora irresolúvel, graças à oposição de uma série de países, sobretudo os do Leste e Centro da Europa. Ou de outros, que vão arrastando os pés. É um problema que vai manter-se no longo prazo e é nessa perspectiva que deve ser resolvido. Por isso, nas suas palavras, é preciso um verdadeiro “Plano Marshall” para os países de onde partem os imigrantes e os refugiados. Outra prioridade que custará dinheiro e que não será resolvida sem uma “cultura de solidariedade”.
Segue-se a inovação tecnológica, onde a Europa está muito longe dos EUA. Quer uma agência europeia para “promover a inovação disruptiva”. Os seus argumentos, no discurso e fora dele, não poderiam ser mais realistas. A Europa tem um enorme défice em relação aos EUA. Mesmo que investisse quantidades enormes de dinheiro, daqui a dez anos continuaria atrás. Basta olhar para quais são hoje as dez maiores empresas alemãs, para verificar que nove delas já existiam antes da II Guerra. Nos Estados Unidos, basta recuar a 2000 para verificar que das dez maiores empresas, nove não existiam nessa data. É lá que acontecem todas as inovações “disruptivas”, ou seja, as que fazem mudar a sociedade e a economia. A Europa tem de ser capaz de fazer melhor. “Não precisamos de empregos, precisamos de qualificações”, foi a resposta directa que deu a uma das perguntas sobre a criação de emprego.
Merkel não fugiu ao problema das identidades e das “culturas” que hoje alimentam os populismos e os extremismos. Nunca mencionou a Itália. Disse que não podem ser ignoradas.  É preciso respeitá-las e ajudar a que se abram aos outros, em vez de se fecharem sobre si próprias. Este foi um tema comum a muitas intervenções, mas não numa abordagem tão aberta como a da chanceler, pelo contrário. Mantêm-se uma atitude “defensiva” que insiste na “cultura” e no modo de vida europeu, que os outros terão de aceitar. Aliás, as jornadas do PPE decorrem num Land alemão em que o ministro-presidente, da CSU, mandou colocar cruzes em todos os edifícios públicos, talvez menos por convicção mas porque sabe que isso agrada ao eleitorado e vai enfrentar eleições.
A chanceler não dedicou mais do que meia dúzia de palavras à quarta prioridade: a reforma da zona euro. Admitiu apenas que deve ter uma capacidade orçamental, que só deverá ser adoptada depois de concluídas as negociações do próximo orçamento plurianual, que quer ver aprovado até às eleições europeias de 2019.
Outra dimensão importante da sua intervenção tem a ver com o equilíbrio de poderes entre as instituições europeias. Não vale a pena andarmos a debater a “intergovernamentalidade” ou o “método comunitário”: quem decide na Europa são os governos, e não a Comissão ou o PE, frisou. O poder está no Conselho Europeu e é aí que deve continuar a estar.
Foi ainda mais longe ao defender que as decisões em matéria de política externa e de segurança e defesa têm de ser tomadas por maioria qualificada e não por unanimidade, sob pena de serem ineficazes. A Comissão, tal como previsto no Tratado de Lisboa, tem de passar a ter menos comissários do que Estados-membros, com uma rotação igual para grandes e pequenos. É por isso que Merkel não quer o que o PPE quer: que cada grupo parlamentar apresente ao eleitorado o seu candidato a presidente da Comissão, como nas eleições passadas.
A Europa como actor global é a força motriz das propostas da chanceler. Capaz de defender os seus interesses num mundo que lhe é hoje muito mais adverso. As suas últimas palavras foram para lembrar que a Alemanha sozinha pode muito pouco face à China ou qualquer grande desafio internacional. É também nesse sentido que vai a sua proposta para o Conselho de Segurança da ONU, agora que um dos seus dois membros permanentes europeus, o Reino Unido, vai sair da UE. A única forma de a UE ter um lugar permanente” é que os seus membros (pelo menos uns dez) que concorrem ciclicamente para lugares não permanentes funcionem em nome da União.
Feitas as contas às palavras da chanceler e, ainda mais, a outras intervenções de líderes bastante menos europeístas, percebe-se que as prioridades europeias são cada vez mais as prioridades da Europa mais rica. A convergência não foi uma palavra muito ouvida em Munique. 
A jornalista viajou a convite do PPE


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