O artigo de Alberto Gonçalves. Exagera, com efeito,
no seu radicalismo que tudo leva de enfiada, sem extremar águas e competências,
mas o desastre na Educação há muito que se previa, desde que o tapete foi
retirado a essa mesma Educação, no pretensiosismo “benfazejo” de estabelecer
igualitarismos entre os vários participantes no processo educativo, os
professores desautorizados pela impertinência
estudantil, entre os alunos reinando a grosseria e libertinagem de
comportamento e linguagem, sem a sã camaradagem que as regras disciplinares anteriormente
estabeleciam, as próprias pedagogias modernas amaciando docemente os casos graves,
pela compreensão dos contextos educativos familiares ou sociais responsabilizantes
dos comportamentos. E o caos inicial, com a indisciplina consentida - além de
reformas que trouxeram, como contrapartida, a complexidade das matérias de
ensino, com o apelo inicial à inteligência e criatividade das criancinhas, sem
a memorização de estruturas graduais e imprescindíveis, quer na língua quer no
cálculo – transformaram este país, já de longa data pouco alfabetizado, mas
tentando acompanhar, ao menos, nas suas elites culturais, as correntes
culturais exteriores – nisto, que Alberto Gonçalves aponta, com a sua veia
sarcástica a bater em cheio na nossa miséria. Assustador! Porque,
naturalmente, progressivo.
“Ai do Lusíada, coitado!”, “pobre
moleiro da saudade” que foi António Nobre, que é cada um de nós, que
vive no desengano, sem esperança!
Mas leiamos ALBERTO GONÇALVES, de têmpera rija,
para um sorriso, triste que seja:
Os pequenitos de
Portugal /premium
OBSERVADOR, 8/6/2018
As crianças nacionais
não têm grande tendência para os livros, as teorias, a abstracção, a
compreensão, os números e aquelas gerais minudências que dantes separavam os
humanos do orangotango médio.
A fim de exibir a radical ignorância dos americanos (mas não,
curiosamente, dos franceses, dos vietnamitas ou dos líbios), é costume dizer-se
que estes não identificam os outros países no mapa. Pelos vistos, resmas de
portugueses são incapazes de identificar o próprio: nas respectivas provas de
aferição, quase metade dos nossos catraios de 10 e 11 anos olham para um mapa
da Europa e não reconhecem a próspera e orgulhosa nação em que vivem (94% dos
americanos em idade escolar reconhecem a deles, decerto ajudados pela dimensão
da dita). Aliás, a maioria também não chega a distinguir a Europa da
Ásia, África ou América. Suspeito que nem sequer imaginam a existência de
continentes, excepto daqueles em que os pais fazem as compras.
E não é tudo. Segundo o responsável por um Instituto de Avaliação
Educativa (IAVE), cuja falta se sentia, o problema com a Geografia é,
cito, “transversal”. Ou seja, os alunos caseiros não discriminam nada e são
igualmente péssimos nas demais disciplinas. Na Matemática, por exemplo,
“revelam grandes dificuldades com o conceito da divisão” (presumo que nos
“conceitos” restantes sejam uns Newtons). Na língua, a de Camões e do dr.
Costa, a chatice prende-se com “a interpretação de textos e a capacidade de os
redigir corretamente” – leia-se (quando possível) só não sabem ler e escrever.
À superfície, a coisa não é grave. É verdade que as crianças nacionais
não têm grande tendência para os livros, as teorias, a abstracção, a
compreensão, a análise, o palavreado, os números e aquelas gerais minudências
que dantes separavam os humanos do orangotango médio. Porém, talvez se
destaquem nas aptidões físicas. É isso. Ao invés de produzir choninhas,
fabricamos resmas de grandes atletas, candidatos a jantaradas presidenciais
entre coches e a levar enxertos de porrada em Alcochete. É assim, não é? Não é?
Não? Não.
Desgraçadamente, e para maior escândalo, as provas de aferição
“desportivas” (digamos) concluíram que boa parte dos fedelhos não sabe saltar à
corda ou executar uma simples cambalhota. Em linguagem técnica (regresso ao
IAVE, e com imenso prazer), “sendo a execução correta da cambalhota o resultado
de um processo formal de ensino-aprendizagem, pode inferir-se que a cambalhota
à frente poderá ser objeto de maior atenção em sala de aula”. Sábias e belas palavras, demonstrativas de
que, além de burras como portas, as crianças portuguesas dispõem da agilidade
de uma. É o aumento desta multidão de génios que o dr. Rio pretende forçar o
contribuinte a patrocinar, a dez mil euros cada? Parece um investimento
infalível. Infalível e urgente.
Não vale a pena discorrer acerca do que nos trouxe a tal situação: até
um leigo em cambalhotas suspeita que não poderia haver uma geração de
emplastros sem inúmeras gerações de emplastros a precedê-la. Embora versado em
“digitar” gatafunhos no telemóvel e queixar-se de “bullying”, o Gonçalinho é
essencialmente inútil porque os pais, os professores, os políticos e as
políticas o tornaram inútil. Décadas e décadas de mimo, “expressão”,
“criatividade”, “afectos”, “sensibilidade” e péssimo senso tinham de acabar
mal. Aqui chegados, o importante não é perceber de onde o Gonçalinho vem, mas
para onde vai.
Antes de mais, não promete ir longe. Numa primeira fase, o Gonçalinho
irá para o liceu e para o “ensino superior” (desculpem), especializar-se no
Instagram, participar em Reuniões Gerais de Alunos e protestar contra os exames
e os baixos salários dos docentes (mas não, naturalmente, contra o facto de a
escola não ter conseguido enfiar-lhe duas ideias na cabeça). Depois, irá à
vida, profissionalmente limitada pelas “competências”, “valências” e
“salamancas” que garantem a perene infantilidade dos cérebros infantis. Com
jeito, e não é preciso muito, o Gonçalinho amanhará uma carreira nos partidos
que cuidam da educação pátria, ou nos sindicatos que a aperfeiçoam. Sem jeito,
ficará entre a audiência indistinta, a pagar impostos e a aplaudir de boca
aberta os estadistas que o tramaram. Convém imaginar o Gonçalinho feliz.
Certo é que as ameaças do futuro não passam
pelas “alterações climáticas” ou unicórnios do género. Como as ameaças do
passado, passam pela estupidez: em vez da preocupação em deixar aos filhos um
mundo melhor, as pessoas deviam deixar filhos melhores ao mundo.
Notas de rodapé
1. Um jogo de futebol entre as selecções israelita e argentina foi
anulado após ameaças de morte ao futebolista Lionel Messi e respectiva família.
As ameaças, ao que consta, partiram do BDS (Boicote, Desinvestimento e
Sanções), uma agremiação recreativa dedicada à erradicação de Israel, liderada
por notabilíssimos intelectuais e já proposta para o Nobel da Paz. Está
tudo normal. Por favor, regressem às vossas vidas. Não há aqui nada para ver.
Etc.
2. Ao entregar a um ilusionista a campanha do novo “Simplex”, o
governo por uma vez assume a natureza fraudulenta que define a sua relação com
os cidadãos. Sob os truques e a fancaria, restam uns sujeitos de aspecto
desagradável a quem ninguém confiaria a guarda de uns chinelos na praia. Os
portugueses confiaram-lhes um país? Pura magia.
* Da Internet: Governo paga 20 mil euros
a Luís de Matos por série de vídeos promocionais
Ilusionista foi contratado
para participar em vídeos de propaganda ao programa Simplex+2018.
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