Mais uma vez, BAGÃO FÉLIX, no esplendor das suas faculdades
intelectuais e morais, um comentário de excelência - de JOSE - e um
outro, entre os muitos da nossa miséria social, exemplificativo das reais
intenções que estão por trás da proposta de lei sobre a despenalização da
eutanásia.
OPINIÃO
Eutanásia: um modo totalitário travestido de
liberdade
ANTÓNIO BAGÃO FÉLIX
PÚBLICO, 25 de Maio de 2018
Não há mal de que provenha bem (São Paulo, Carta aos Romanos)
Volto às iniciativas legislativas sobre a legalização da eutanásia que,
na próxima semana, vão ser discutidas na Assembleia da República.
Diz o artigo 24º nº 1 da Constituição da República Portuguesa: “A vida humana é inviolável”.
Disposição votada por unanimidade na Assembleia Constituinte e jamais alterada
nas sucessivas revisões constitucionais.
É caso para perguntar aos deputados proponentes qual destas palavras é
que não entendem: VIDA? HUMANA? INVIOLÁVEL? Quanto a este último vocábulo,
dizem os dicionários que significa “que não se deve ou não se pode violar”,
“sagrado”, “invulnerável”. Há dúvidas? Quanto à vida humana, será que a
vida de uma pessoa, mesmo que em situação de grande dor e sofrimento, deixou de
ser vida? Ou que passaremos a ter a noção de vida humana, não como um conceito
absoluto, mas moldável e relativizado com fronteira (?) definida pelo mutável e
circunstancial direito positivo? Será que os deputados proponentes acham que
se podem arrogar o direito de definir por nós todos o que sendo vida pode
deixar de ter valor de vida, qual algoritmo infalível? Curiosamente foi
este bem soberano da lei natural – a vida - que muitos dos mesmos
deputados invocaram na discussão da legislação sobre o aborto, dizendo então
que até às x semanas (x em função das conveniências) não se tratava ainda de
vida, para, assim, disfarçarem a violação daquele preceito constitucional. Pois
agora, nem essa enganosa argumentação colhe. Vida é vida, mesmo que em
circunstâncias dramáticas. Vida é vida que não pode ser terminada legalizando a
morte através de terceiros e por actos ditos clínicos.
E porquê tanta pressa em querer aprovar estes projectos? Onde estavam
estas intenções nos propósitos eleitorais dos partidos proponentes nas últimas
eleições? Como, numa matéria tão sensível e disruptiva, podem deputados fazer
aprovar uma lei para a qual não foram mandatados democraticamente? Ou será que
eutanásia não sufragada nos seus programas partidários é o mesmo que uma
qualquer outra lei avulsa sobre um qualquer outro tema? Ou será que a
insuficiência ética pode ser substituída pela suficiência jurídica, como se o
direito positivo pudesse contrapor-se ao direito natural? Acharão os deputados
proponentes que podem legiferar sem sequer se terem preocupado em proporcionar
um amplo debate sobre a matéria? Acharão que as pessoas estão esclarecidas
devidamente e que sabem distinguir, por exemplo, a eutanásia de legitimas
práticas de “encarniçamento terapêutico”?
Dizem-nos que o Estado apenas se limitaria a salvaguardar a sua
neutralidade (!) em nome dos direitos de liberdade e de autonomia individuais.
Uma completa falácia. A eutanásia não representa um exercício de liberdade, mas
a supressão da própria raiz da liberdade. O direito à morte é tão absurdo como
dizer que temos o “direito à doença”, no entanto, com a diferença da
irreversibilidade no primeiro caso. O Estado, ao permitir a prática da
eutanásia, está a decretar que o direito à vida é disponível e renunciável.
Onde paramos?
Dizem-nos também que a
pessoa a eutanasiar tem de dar o seu consentimento livre e consciente. O
homicídio a pedido não deixa de ser homicídio por ser autorizado e pedido por
uma pessoa. A inviolabilidade da vida humana não cessa com o consentimento do
seu titular. Aliás, a anuência nunca será, só por si, condição suficiente para
justificar situações de violação dos direitos humanos inalienáveis da pessoa.
Por exemplo, a escravatura é sempre um vil e inaceitável atentado à dignidade
da pessoa, mesmo que alguém a possa ter aceitado em situações de coacção. Tal
como outras formas ignóbeis de exploração do trabalho.
Hoje e cada vez mais, há
meios clínicos e farmacológicos para, através de cuidados paliativos, aliviar
situações extremadas de dor e sofrimento, mesmo que assim sendo até se venha a
diminuir o tempo restante de vida do doente. Não se compreende que com o
ineludível e crescente avanço nesta matéria, se venha a querer legalizar a
eutanásia. Ela nunca se justificaria, mas ao menos é lógico pensar que alguém a
pudesse melhor compreender há décadas quando quase não havia meios de cuidar e
ajudar as pessoas em situações extremas.
Perante esta realidade a
mensagem perversa que se está a transmitir à Sociedade é a de que a legalização
da eutanásia é um meio alternativo e, sub-repticiamente, se está a deixar
construir a ideia de um Estado-Pôncio Pilatos que, da escassez de meios
paliativos, lava as suas mãos. O que é mais conforme a dignidade da pessoa: uma
“morte digna” provocada por via da eutanásia ou um “fim de vida digno” em nome
da ética de cuidar?
Numa sociedade cada
vez mais envelhecida, perante a dor e sofrimento, a prioridade das prioridades
deverá ser o desenvolvimento de uma rede alargada de tratamento da dor, de
cuidados geriátricos e continuados e de cuidados paliativos. Sim, alargada até
para estar disponível para os mais pobres, os mais sós e as pessoas que vivem
fora dos grandes centros (que já sofrem no corpo e na alma a “eutanásia social”
a que vão sendo sujeitos). A legalização da eutanásia contribuiria para esbater
a consciência social da necessidade e urgência de criar uma verdadeira rede.
Transmite-se a ideia de que, face ao “fardo” da velhice e da doença e aos nunca
resolvidos défices do sistema público de saúde, para quê gastar tantos recursos
com doentes terminais quando o tempo final das suas vidas pode ser encurtado.
Importa alertar para a
rampa deslizante que se seguiu, abastarda e levianamente, em alguns dos poucos
países que legalizaram a prática de eutanásia. Neles, tudo começou com muitas
restrições. Mas hoje, na Holanda, Bélgica e Suíça (aqui apenas no “suicídio
assistido”), já há muitos casos abrangendo derivas eugénicas com bebés e
crianças com deficiências graves, adultos com grave deficiência, doentes
psiquiátricos (para 25% destes, os pareceres dos médicos psiquiatras não foram
sequer no sentido de justificar o pedido de eutanásia) e outros doentes por
pressão subtil de familiares. E já se discute até o direito à eutanásia por
cansaço de viver!
Enfim, certa esquerda
(cá e lá fora) sabendo que não é capaz de proteger e aprofundar os direitos
sociais como sempre proclamou, vira-se para criar pretensos direitos de
cidadania, mais baratos ou sem custo, mediaticamente mais apelativos e para os
quais bastam uma lei e umas assinaturas. A legalização da eutanásia é um desses
apregoados direitos. Uma expressão neototalitária através de um relativismo
ético pelo qual cada desejo se arrisca a transformar num direito. Neste caso,
através de terceiros a quem se pede que a tal direito não contraponham o seu
dever e a sua deontologia!
Estamos perante um retrocesso civilizacional e o perigo de
desestruturar a sociedade no seu pilar fundamental. Atrasados em tantos
aspectos da nossa vida colectiva, queremos ser pioneiros nesta insondável
cultura da morte, apresentada eufemisticamente como avanço social. É a
nossa triste dianteira!
P.S. O Primeiro-ministro de
Portugal não quis dizer na AR qual a sua posição sobre a eutanásia, apesar de
sempre nos brindar com a sua opinião sobre todas as minudências. Pura arte de
fazer política…
Um comentário e um rugido
Jose,
25.05.2018 19:03
Estamos num momento em
que o descartável se tornou moda. As pessoas também se tornaram descartáveis
como telemóveis descontinuados. É terrível sabermos o pouco que se sabe sobre
os velhos que são eliminados em "lares" e afins, os maus tratos familiares
e o abandono que por aí paira. A solidão generalizada é transversal: calar o
isolar uma criança com um smartphone ou tablet é igual ao isolamento dos
adultos e pior a dos velhos. A natural fragilidade dos velhos não pode ser
socorrida por uma sociedade atomizado, isolada no seu dispositivo que lhe dá a
ilusão de estar ligado a todos no mundo ao mesmo tempo que esquece, abandona o
pai, tio, avó, vizinho ali ao lado em carne e osso. Esta sociedade pressiona
muito os frágeis a querer morrer. O mundo não é para velhos diz-se! Para matar
basta!
Não sei que idade tem o
Jose, mas se os seus pais forem vivos, ou avos, ou tios, com idade de serem velhos,
tenha-os em casa e trate bem deles...se não o fizer, largue de ser hipócrita,
que desses, há tanto que até mete nojo. Se o fizer, bravo! Há poucos que o
fazem em completo!
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