segunda-feira, 18 de junho de 2018

Mário Nogueira não é burro



Não, senhor, não é. Nem os outros de que trata João Miguel Tavares. No fundo, são todos uns oportunistas, Mário Nogueira há muito que o prova, angariando a simpatia do pessoal docente para lhe proporcionar o bem-estar a que todo o ser humano se acha com direito, e os professores, naturalmente, com mais motivos, depois de um curso que os projectou para a ribalta da docência, meio propício a uma progressão, desde que o docente se sinta vocacionado para ela, o que não raro é falácia, todos sabemos disso, embora eu julgue que a maioria dos professores se vai especializando ao menos nas matérias que tem de transmitir, com maior ou menor qualidade. Mas a injustiça sempre reinou, como bem descreve João Miguel Tavares, e mais ainda na democracia, de tudo ao molho e fé em deus, como já foi no ensino massificado estatuído com o 25 de Abril, que Deus tem em glória, tal como nós o temos. Não, não é de estranhar que Mário Nogueira, que não é burro, conquanto nunca o provou em sala de aulas, ao que parece, se tenha ficado pelo seu poiso de promotor de desordem, arvorado em chefe sindical, tal como os outros chefes sindicais, sem cuidar de formular deveres, mas apenas de reivindicar direitos. Não se estranha que ele o faça, alcandorado a uma profissão de vendedor de banha de cobra, por interesse próprio mais do que por interesse alheio. Mas que o façam os representantes do PSD, a começar por Rui Rio e a acabar em David Justino, que sabem quanto não é possível tal dispêndio de massas, num país endividado até à medula, nas condições que João Miguel Tavares denuncia, é, realmente, não ter um pingo de vergonha, fazendo-o só para suplantar António Costa nas eleições futuras, sabendo bem, neste país de tanga, que, caso fossem governo – e esperemos que não – usariam a mesma política de aperto e não cedência que António Costa se vê obrigado a seguir. Por isso os artigos de João Miguel Tavares constituem uma boa análise do problema, merecedor, naturalmente, de doestos, em grande parte pouco decentes e denunciantes da nossa pequenez moral e espiritual, mas também de apreço de professores mais exigentes e lúcidos. Cito apenas o comentário de  Mafalda Matos, por me parecer expressivo de um bom senso que seria necessário ser seguido:
 Porto 17.06.2018
«Apoiado, João Miguel Tavares! Sou professora e subscrevo as suas crónicas sobre o que se está a passar com a greve dos professores! NÃO HÁ DINHEIRO, ponto final parágrafo! Os professores têm que progredir por mérito e não por tempo de serviço. Estou farta de ver colegas incompetentes a ganhar muito mais que jovens colegas super empenhados e estou à vontade para o dizer pois tenho 32 anos de serviço. Sei que serei queimada na fogueira por grande parte dos meus colegas, que aliás têm dificuldade em respeitar o meu direito a não fazer greve, assim como eu aceito o direito deles de a fazerem. E mais não digo.»
I- OPINIÃO
Porque é que os professores irritam tanta gente?
Não percebo como os professores aceitam que bons e maus tenham progressões semelhantes; e no meio está Mário Nogueira a misturar tudo com o beneplácito da classe.
JOÃO MIGUEL TAVARES
PÚBLICO, 9 de Junho de 2018
Um dia os professores irão perceber que os Mários Nogueiras desta vida podem ter lutado ferreamente pelos seus direitos laborais e pela manutenção de alguns dos seus privilégios, mas têm aos poucos vindo a roubar à profissão o prestígio, a autoridade e a simpatia que ela deveria ter junto da comunidade que é suposto servir.
O meu último texto, sobre a questão das progressões automáticas, deu origem a numerosas reacções, a mais comum das quais vinda de professores que procuraram explicar-me que o automático não é assim tão automático – implica avaliações positivas (que todos têm), horas de formação e, nalguns escalões, observação de aulas (que todos podem ter). Chamem-lhe “automatizada”, se quiserem; a discussão semântica interessa pouco. É óbvio que a progressão está estruturada em torno do tempo de serviço, que é o que justifica o conflito entre governo e sindicatos. Se a progressão não fosse generalizada não andaríamos a debater milhões de euros.
No entanto, o que mais me impressionou foi ter encontrado professores a defenderem que este mecanismo burocrático de ascensão na profissão (e também de travão dessa ascensão, já que a obrigatoriedade de permanecer certos anos em cada escalão serve igualmente para impedir a rápida promoção dos melhores) é, ainda assim, o melhor sistema possível. O argumento usado foi este: se as promoções fossem deixadas à discricionariedade das escolas, aqueles que subiriam não seriam os melhores professores, mas sim os mais próximos de quem avalia.
Louvo a sinceridade do argumento, e é até possível que ele tenha fundamento. Mas conformarmo-nos com este facto é reconhecer, de forma tristemente fatalista, que vivemos num país condenado à perpétua mediocridade: os professores não podem ser avaliados porque é impossível pôr de pé um bom sistema de avaliação; e o mérito nunca será o motor de ascensão profissional dentro da função pública. Mais vale fechar o país e desligar a luz.
Analisando as centenas de reacções, sou obrigado a concluir duas coisas: 1) que os professores interiorizaram, de facto, a impossibilidade de um dia existir uma avaliação séria do seu desempenho; 2) que existe o sentimento profundo de uma classe acossada pelo Ministério da Educação e por todos os que não leccionam. Os professores falam como se ninguém na sociedade reconhecesse o valor da sua profissão e como se todos desmerecessem o enorme esforço que eles fazem diariamente.
Só para esclarecer: não é verdade. Em Setembro, a minha filha mais velha estará no nono ano, o meu segundo filho no sétimo, o terceiro no quinto e a mais nova vai entrar para a primeira classe. Todos em escolas públicas. Isso significa que já contactei, directa ou indirectamente, com largas dezenas de professores. E já vi de tudo: gente extraordinária que é um crime ser obrigada a saltar de escola em escola, e verdadeiras nódoas que coleccionam baixas, frustrações e incompetência. Qualquer pai deseja premiar os melhores e afastar os piores.
O que me choca, sempre chocou, e continuará a chocar, é a forma como uns e outros se misturam no sistema, e como este é incapaz de os diferenciar. Também não percebo como os professores aceitam que bons e maus tenham progressões semelhantes. Uns são escandalosamente mal pagos; outros escandalosamente bem pagos; e no meio está Mário Nogueira a misturar tudo com o beneplácito da classe. Isto, de facto, nunca compreenderei – e quem se irrita com tamanha injustiça está cheiinho de razão.    
II - OPINIÃO
Professores: o justo, o injusto e o Justino
Um vice-presidente do PSD deveria ter bastante mais prudência quando resolve dar o braço a Mário Nogueira para cantar uma grandolada com os professores.
PÚBLICO, 16 de Junho de 2018
O vice-presidente do PSD David Justino deu uma entrevista ao PÚBLICO. Título: “O tempo de carreira dos docentes deve ser respeitado.” Pós-título: “David Justino elogia sindicatos e cobra ao Governo a contagem integral do tempo de serviço congelado aos professores.” No mesmo dia, o PÚBLICO tinha como manchete um trabalho da jornalista Clara Viana sobre o número de professores e de alunos existentes no sistema de ensino. Título: “Número de alunos está a descer e o de professores a aumentar.” Pós-título: “Número de alunos no ensino não-superior desce por causa da quebra da natalidade e o de professores aumenta devido à entrada no quadro de cerca de 3300 contratados neste ano lectivo.” Eis o esplendor de Portugal. Na mesma edição do PÚBLICO temos um político na oposição a defender aquilo que sabe que o Estado não pode dar, e o Estado a ignorar os dados mais elementares da realidade demográfica portuguesa.
Será que depois de quatro anos de troika não aprendemos nada, e continuamos sentados a um canto com orelhas de burro, por mais reguadas que a realidade nos dê? Infelizmente, é pior do que isso. David Justino não é burro. António Costa não é burro. Mário Nogueira é tudo menos burro. Eles sabem que se as escolas têm cada vez menos clientela e ainda assim o número de professores continua a aumentar, o ensino público vai dar o berro, tal como o Sistema Nacional de Saúde já está a dar. Simplesmente, não há uma alma política neste país que seja capaz de governar com os olhos postos no longo prazo, e por boas razões: a democracia é um jogo de curto e médio prazo, e colocar demasiadas fichas no futuro é um péssimo investimento. Vejam o que aconteceu a Pedro Passos Coelho – bastou o diabo falhar a sua entrada e o erro de timing custou-lhe a cabeça. Mais do que isso: para quê preocuparmo-nos com justiças futuras quando há tantas e tão grandes injustiças para corrigir no presente?
Então não é justo que os professores contratados entrem no quadro? Claro que é. Então não é justo que todo o tempo de serviço seja contado para a progressão na carreira? Claro que é. Então não é justo que um professor tenha estabilidade e não ande anos e anos a saltar de escola em escola? Claro que é. Qualquer professor consegue apresentar uma longa lista de reivindicações justíssimas, e não é preciso ser Justino para concordar com elas. O problema – o dramático e terrível problema – é que essa soma de reivindicações justas, se forem aceites, criam uma situação simultaneamente injusta e insustentável: tendo o Estado meios finitos, não é possível fazer a todos justiça sem injustiçar o contribuinte.
Donde, um vice-presidente do PSD deveria ter bastante mais prudência quando resolve dar o braço a Mário Nogueira para cantar uma grandolada com os professores, até pelo histórico do seu partido. Há eleitoralismos que descredibilizam – e muito. E quanto à classe docente, com a qual tenho andado em animadas discussões nos últimos tempos, penso que deveria fazer um esforço sincero para levantar o nariz da sua carreira e olhar para o conjunto do país. É claro que para tudo há solução: se existem mais professores e menos alunos, então que se aproveite para diminuir o número de alunos por turma. Não será essa uma medida justa? Eu, como pai de quatro, respondo: é uma medida justíssima! E assim vamos nós andando alegremente, saltando de medida justa em medida justa, até nos afundarmos todos em mais uma injustiça geral.


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