Quando se é leigo em matéria
política, apreciam-se os articulistas que vão acompanhando a evolução das
relações internacionais, entre os que têm nas mãos os destinos do mundo. E tudo
se passa por entre a pesporrência de uns, os que os julgam ter e os vão traçando,
em medidas sucessivas de hipocrisia e desconcerto ferozes, e a ineficácia de
outros, condenados à subserviência nas relações com aqueles, um mundo onde
ninguém pode ficar indiferente, mas onde deve participar, ao menos nas medidas
que pretendem salvaguardar o destino da própria Terra, protegendo-a contra a
poluição. Ou criando beleza.
Não, não falo de Trump, nem de
King Jong Un, nem de Angela Merkel, Putin ou Macron, que têm árduas tarefas
sobre os ombros, como o demonstra Teresa de
Sousa, com a lucidez de sempre, e a preocupação que nos transmite.
Prefiro lembrar um poema alegórico, de um cantor madeirense pouco mencionado
por cá, e que – transcrevo - «em “Onde Vais Rio Que Eu Canto",
da autoria de Nóbrega e Sousa e Joaquim Pedro Gonçalves, venceu o
VII Grande Prémio da Canção, realizado a 22 de maio de 1970, mas o tema não
participou no Festival da Eurovisão realizado no mês anterior.» Muito
bonita a canção, cantada por SÉRGIO BORGES (1943
– 2011) e bem sugestivo deste caminho que seguimos, numa política de
convulsão. Mas ouçamo-lo, na Internet que seja, e sintamos a magia do seu canto
alegórico, que tão singelamente se nos aplica:
Onde Vais Rio Que Eu Canto
Onde vais,
rio, que eu canto,
quero ver teu novo norte.
Há no cais, para onde vais,
mãos de vida, não de morte.
quero ver teu novo norte.
Há no cais, para onde vais,
mãos de vida, não de morte.
Vai no mar,
barco à vela,
vais para te abastecer,
Mais além, barco veleiro,
vais para te abastecer,
Mais além, barco veleiro,
flor da vida
vai colher.
Onde vais,
rio, que eu canto,
nova luz já te alumia,
Lá no cais, p´ra onde vais,
nasce amor dia após dia.
nova luz já te alumia,
Lá no cais, p´ra onde vais,
nasce amor dia após dia.
Voa, voa, ó
gaviâo,
sobre o mar de teu senhor,
que no cais para onde vais,
não há raiva, mas amor.
sobre o mar de teu senhor,
que no cais para onde vais,
não há raiva, mas amor.
Vai no mar,
barco á vela,
vais para te abastecer,
Mais além, barco veleiro,
flor da vida vai colher.
vais para te abastecer,
Mais além, barco veleiro,
flor da vida vai colher.
Onde vais,
rio que eu canto,
nova luz já te alumia,
Lá no cais, p´ra onde vais,
nasce amor dia após dia.
nova luz já te alumia,
Lá no cais, p´ra onde vais,
nasce amor dia após dia.
Onde vais,
rio que eu canto,
nova luz já te alumia,
Lá no cais, p´ra onde vais,
nasce amor dia após dia.
nova luz já te alumia,
Lá no cais, p´ra onde vais,
nasce amor dia após dia.
“So
far, so Trump”
No fundo, Trump dá-se melhor com os homens fortes que lideram a China e
a Rússia do que com os líderes da aliança ocidental. Citando uma das
correspondentes da CNN no Quebeque, “so far, so Trump”. Próximo destino
Singapura.
TERESA DE SOUSA
PÚBLICO, 10 de Junho de 2018, 7:00
1. Nem os eurodeputados da CDU estavam à espera do discurso que a
chanceler resolveu fazer em Munique, na quarta-feira passada, nos “dias de
estudo” do PPE (Partido Popular Europeu) que reúne os partidos de centro-direita
da União Europeia. Esperavam uma intervenção de circunstância, com algumas
ideias suficientemente vagas para deixar muita coisa em aberto, na contagem
decrescente para a cimeira europeia de 28 e 29 de Junho, inicialmente prevista
para dar vida a uma agenda europeia mais ambiciosa e mais de acordo com os
tempos actuais.
Não foi assim. Fazendo
as contas à sua longa intervenção, ela pode ser vista como a resposta que toda
a gente esperava à visão que o Presidente francês apresentou em Setembro
passado na Sorbonne e que continuava à espera da chanceler. Houve os problemas
da negociação de um novo governo e as dificuldades acrescidas de Merkel, que
saiu enfraquecida das eleições de Setembro. Houve a entrevista que concedeu
há dez dias ao jornal das elites alemãs, o Frankfurt Allgamein Zeitung em que
começou a abrir o jogo e, pela primeira vez, apresentou alguns (ainda
poucos) pontos de convergência com Macron no que diz respeito à reforma
da zona euro. Em Munique, foi mais longe. Apresentou as suas
ideias de forma sistemática e clara, incluindo o desafio fundamental de fazer
dela um actor global num mundo que, entretanto, ficou irreconhecível.
Concorde-se ou não com ela, a Europa que defende representa uma escolha
política fundamental: depois de quase uma década de crise em que tudo parecia
estar em causa na integração europeia e aumentavam as dúvidas sobre o interesse
e o empenho alemão na Europa, a chanceler veio dizer que a União continua a
ser um interesse vital do seu país. A questão alemã voltou muitas vezes ao
debate europeu. É útil recordar alguns factos.
A resposta à crise do
euro foi ditada por Berlim, sem grande contemplação pelos países mais frágeis
que tiveram de cumprir processos de ajustamento económica e socialmente
violentos. A perspectiva de uma Europa alemã pairou sobre o destino da Europa.
A economia era tudo, a defesa um pormenor. Hoje, o mínimo que se pode dizer
é que a aprendizagem de Merkel foi, em alguns momentos, demasiado lenta e quase
desesperante. Basta recordar um exemplo. Em 2012, quando a França (ainda
com Hollande) decidiu intervir no Mali para impedir o avanço de forças
islamistas com ligações ao Daesh sobre a capital do país, o comentário da
chanceler não podia ser mais displicente. “Não tencionamos pagar as guerras
da França”. Hoje tropas alemãs estão no Sahel em apoio das francesas e
a Alemanha participa nas missões de dissuasão da NATO na fronteira dos Bálticos
com a Rússia. A chanceler coloca a defesa e segurança no topo da sua agenda
europeia e não apenas de forma retórica. Apoia as propostas de Macron e
aparentemente vai ainda mais longe. Na sexta-feira, Manfred Weber, o
líder do Partido Popular no Parlamento Europeu e anfitrião do encontro de
Munique, disse aos jornalistas que o seu país vê com bons olhos a evolução da
defesa europeia para um exército europeu em 2030. Nada disto quer dizer
que a chanceler desistiu da NATO. A relação transatlântica, que foi um dos dois
pilares sobre os quais a República Federal foi criada depois da Guerra (a
França foi o segundo) continua a ser indispensável na perspectiva da chanceler.
No domínio da segurança mas também da economia, apesar das circunstâncias
actuais, com um Presidente americano que ignora os aliados, despreza a
integração europeia e vê a Alemanha como o alvo principal.
2. O
que fez mudar a chanceler? Ela própria respondeu: uma ordem
internacional que mudou radicalmente. Que deixa a Europa mais sozinha e mais
dependente da sua própria vontade, perante a desordem regional e internacional
e onde as ameaças proliferam. A Europa fez um esforço inicial para manter as
pontes com Trump. Continua a tentar fazê-lo. O resultado tem sido igual a zero,
como se viu no Irão ou agora na “guerra comercial” que desencadeou contra a
Europa e o Canadá, justamente os mais antigos e fiáveis aliados dos EUA,
invocando uma questão de “segurança nacional”.
É uma situação
completamente nova para a Europa. Pela primeira vez desde a II
Guerra, um Presidente americano é abertamente contra a integração europeia que
a própria América ajudou a criar. Se acrescentarmos a mudança estratégica da
Rússia, que se traduz numa acção externa agressiva nas fronteiras da Europa e
que ignora a lei internacional, o ambiente estratégico mudou radicalmente.
Finalmente, a mensagem talvez mais importante da chanceler em Munique: nenhum
dos desafios que a Alemanha enfrenta, da segurança à economia, pode ser
resolvido fora do quadro europeu. Falta ainda ver como se vai traduzir este
renovado compromisso com a Europa. Por enquanto, aquilo que Merkel está a
oferecer a Macron sobre a reforma da zona euro ainda não é convincente. No
próximo dia 19 a chanceler e o Presidente têm encontro marcado para acertar um
compromisso sobre o “renascimento” europeu em torno de três domínios
fundamentais: o euro, a defesa e as migrações. Como dizia um eurodeputado
alemão em Munique, ninguém ainda explicou aos alemães de forma suficientemente
clara as vantagens que tiram do euro e do mercado único.
3. Os riscos que a
Europa enfrenta vão hoje muito mais longe, desafiando as suas democracias nos
seus fundamentos. A ascensão dos populismos deve-se, em boa medida, à
rejeição de uma Europa da qual os eleitores desconfiam, que não defende os seus
interesses nem resolve os seus problemas, da economia à imigração, passando
pelo seu modo de vida. Contrariar a maré é uma tarefa ciclópica que não permite
perder um minuto. Se ainda for a tempo, o que não é seguro. A xenofobia alastra
a uma velocidade surpreendente.
Como referia na
sexta-feira o Financial Times,
a reunião de Munique tinha um objectivo específico: avaliar o impacte destas
transformações políticas na próxima composição do Parlamento Europeu que vai
sair das eleições de Maio de 2019. As perspectivas não são as melhores.
Para o centro-esquerda já eram bastante más. Começam a sê-lo também para o
centro-direita. O próximo PE terá menos europeístas e mais eurocépticos. Em
eleições que permitem um voto sem consequências políticas nacionais, os
partidos anti-sistema estão como peixe na água. E resta a incógnita Macron,
cuja República em Marcha ainda não definiu em que grupo quer ficar ou se tem
companhia suficiente para criar um novo grupo.
4. Enquanto
escrevo, a CNN vai dando conta do que se está a passar na reunião do G7 no
Quebeque. Chama-lhe uma reunião do “G6 mais um.” Ou, por outras
palavras, todos contra Trump e a sua decisão de penalizar os seus principais
parceiros comerciais com o aumento das tarifas sobre as suas exportações. Os
países europeus do G7 (são quatro) ainda não têm uma posição definida.
Macron quer liderar o “contra-ataque” juntamente com Justin Trudeau, o
anfitrião da cimeira. A Alemanha, que tem imenso a perder, é mais
prudente. As ameaças de Trump à importação dos seus automóveis chega para
deixar os alemães nervosos. Fora da Europa, é o seu maior mercado. Não
contente com a “guerra comercial” que declarou contra os seus principais
aliados, o Presidente americano resolveu lançar uma granada de que ninguém
estava à espera: o G7 tem de voltar a ser G8, incluindo a Rússia. Nada
fazia supor mais esta surpresa. Não houve qualquer mudança recente no
comportamento de Putin que permita esta reviravolta. Continua a ocupar a
Crimeia, a desestabilizar a Ucrânia, a suportar o regime criminoso de Damasco e
a interferir nas eleições das democracias ocidentais. No fundo, Trump dá-se
melhor com os homens fortes que lideram a China e a Rússia do que com os
líderes da aliança ocidental. Citando uma das correspondentes da CNN no
Quebeque, “so far, so Trump”. Próximo destino Singapura.
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