Estive a ler os jornais que a
minha irmã me trouxe ontem, e, entre as várias crónicas, uma vez mais me detive
nesta lição de História, que, naturalmente, os da esquerda generosa contestam.
Entretive-me, pois, a ler os comentários e assim os coloco, democraticamente. A
outros, a obrigação de descortinar a verdade dos factos, já que
OPINIÃO A Nakba
Nos dias de hoje assistimos à libertação da palavra que não hesito em
qualificar de antissemita. Israel tornou-se o judeu das nações. Outra vez?
PÚBLICO, 31 de Maio de 2018
Para quem tenha estado
desatento, principalmente no momento em que tanto se fala de Gaza e do
“massacre” por parte de Israel, a palavra Nakba significa
tragédia, catástrofe, em árabe. É a designação associada à partilha da
Palestina pelas Nações Unidas em 1947, seguida pela criação do Estado de Israel
e ao subsequente êxodo de cerca de 700 mil árabes da Palestina. Mas para
além do qualificativo, importa perceber quais as razões deste êxodo massivo.
Para certos
comentadores, tratou-se muito simplesmente de uma expulsão, de “uma limpeza
étnica” programada de antemão pelo sionismo “racista e colonialista”. Mas na
realidade, depois da recusa árabe da partilha da Palestina decidida pela ONU,
as populações árabes palestinianas privadas de uma direcção política e militar
remetem-se nas mãos dos exércitos dos Estados árabes. Com efeito,
na época não existe nenhuma instituição representativa dos árabes da Palestina.
A razão é simples:
durante todo o período do Mandato Britânico, é o pan-arabismo que está no
centro da luta contra o sionismo. Para o movimento
nacionalista árabe, a Palestina é a parte sul da Síria. Em nenhum momento se
coloca a questão de um Estado palestiniano. Em nenhum momento os dirigentes
árabes, apesar de largamente maioritários no quadro das fronteiras do Mandato
Britânico na Palestina, tentam criar estruturas de um futuro Estado árabe na
Palestina. Em 1947, na ONU, opondo-se à formação dos dois
Estados, o delegado do Alto Comité Árabe dirá: “A Palestina faz parte da
Província da Síria (...) politicamente, os Árabes da Palestina não são
independentes ao ponto de formar uma entidade politicamente separada.” Esta
convicção é tão profunda que ainda em 1956, Ahmed Choukeiry, que fundará a
OLP em 1964, declara: “É do conhecimento público que a Palestina mais não é do
que a Síria do Sul.”
Assim, será a própria
guerra que tinha como fim impedir a formação do Estado judaico que acabará por
levar ao êxodo de centenas de milhares de árabes. Este começa em Dezembro de
1947 e, em Março de 1948, escreve o historiador Benny Morris: “Com a
fuga de uma parte das classes superiores e médias de cidades como Haifa e Jafa
destinadas a fazer parte do futuro Estado judaico (...). Esta fuga das elites
contagia e atinge as comunidades rurais.”
A imprensa da época
comprova-o: o jornal jordano Filastin escreve a
19.5.1949: “Os Estados árabes encorajaram os árabes da Palestina a deixar
temporariamente as suas casas para não perturbar o avanço dos exércitos árabes.”
Mahmud Darwich, poeta nacional palestiniano, também confirma esta versão
dos factos: “Para os meus pais, a nossa estadia no Líbano era temporária;
estávamos de visita ou em passeio. Na época tinham recomendado aos
palestinianos que deixassem a sua pátria para não atrapalhar o desenvolvimento
das operações militares árabes que deviam durar apenas alguns dias e permitir o
nosso rápido regresso. Os meus pais descobriram rapidamente que essas promessas
não passavam de sonhos ou ilusões.”
O abandono da Palestina
pelas elites árabes e o incitamento dos Estados árabes junto das populações
árabes da Palestina para saírem temporariamente do país são factos históricos.
Mas não esgotam as suas causas: o Exército israelita também levou a cabo a
expulsão de árabes da Palestina em zonas consideradas estratégicas do ponto de
vista militar, nomeadamente vias essenciais de comunicação e zonas
fronteiriças. Segundo Benny Morris, estas expulsões atingem 5% do total de
refugiados.
Em 1949, Ben-Gurion
aceita o regresso de 100.000 pessoas, mas é confrontado com a recusa lapidar
dos Estados árabes que, mesmo depois da sua estrondosa derrota na guerra por
eles próprios desencadeada, continuam a proclamar a ilegalidade fundamental do
Estado judaico e a sua total destruição ao mesmo tempo que exigem a readmissão
total e incondicional de todos os refugiados. Pressionado por todos os
lados, incluindo pelos americanos, Ben-Gurion clama que no limite poderão
destruir Israel, mas não obrigar o país ao suicídio... porque é disso que se
trata. A Resolução da Conferência dos Refugiados Árabes em Homs, na
Síria, a 11 de Julho de 1957, é cristalina: “Qualquer discussão para
uma solução do problema palestiniano que não seja baseada sobre o direito dos
refugiados de destruir Israel será considerada como uma profanação do povo
árabe e como um acto de traição.” Em 1960, o Presidente Nasser dirá: “Se os
refugiados regressarem a Israel, Israel deixará de existir”...
Esta será a essência da
política dos Estados árabes para quem os refugiados serão a arma ideal contra
Israel, impedindo a sua integração nos seus próprios países e bloqueando
sistematicamente todos os projectos da UNRWA escalonados entre 1949 e 1959
destinados a conferir uma base económica própria aos refugiados. É o
próprio director da organização, Ralph Galloway, quem o afirma cruamente em
Amã, em 1951: “Os Estados árabes não desejam resolver o problema dos
refugiados. Querem mantê-lo como ferida aberta, uma afronta às Nações Unidas e
uma arma contra Israel. Que os refugiados vivam ou morram, é a última das
preocupações dos líderes árabes.” As consequências desta politica
far-se-ão sentir duas décadas mais tarde: nos campos em que são mantidos como
párias, vivendo da caridade internacional e onde se multiplicam com estatuto de
refugiados por gerações sucessivas, nascerá um nacionalismo palestiniano
alimentado pelo ressentimento e pelo ódio...
No quadro da vitória
fulminante na Guerra dos Seis Dias, guerra que nunca desejou, Israel
conquistou a Cisjordânia e Jerusalém Oriental, que desde 1949 estavam nas
mãos da Jordânia, e Gaza, até então pertencente ao Egipto. É bom
lembrar que na resolução 242 das Nações Unidas aprovada em Novembro de 1967,
pedindo a Israel para se retirar de territórios recentemente ocupados, as
palavras “Palestina” e “Palestinianos” não constam do texto da resolução. Os
territórios a devolver tinham como destinatários os países aos quais tinham
sido conquistados e não a um eventual Estado palestiniano...
Devia Israel ter
saído unilateralmente dos territórios árabes? Talvez com isso
tivesse conquistado a simpatia da opinião pública mundial, mas não certamente a
dos países árabes nem da OLP, cujo ódio e ressentimento duplicaram com a
humilhante derrota. Logo no primeiro dia de Setembro teve lugar a cimeira
de Karthoum, na qual é reafirmada a posição dos países árabes e da
OLP fundada em 1964: “Não à paz com Israel, não ao reconhecimento de
Israel, não à negociação com Israel.” Face a este impasse, Israel foi-se
habituando progressivamente a um status quo que de
provisório se tornou permanente. Começa assim lentamente a instalação judaica
nos territórios para além da “linha verde”, alimentada pela radicalização árabe
e palestiniana, pelo sentimento de insegurança israelita e pelo despontar de um
nacionalismo messiânico apologista da instalação judaica no berço do judaísmo
bíblico: a Judeia-Samaria. Enquanto estes três ingredientes não forem
ultrapassados por ambas as partes, as tragédias como a que acaba de acontecer
em Gaza continuarão.
Mas para todos os que
criminalizam Israel é preciso relembrar que a retirada unilateral de Gaza em
2005 decidida por Ariel Sharon teve apenas uma consequência: a vitória do grupo
terrorista Hamas nas eleições para o parlamento palestiniano em 2006, que
depois de expulsar a Autoridade Palestiniana do território mantém a sua
população refém do seu ódio e determinação em aniquilar Israel. Uma organização
terrorista que não hesita em utilizar a sua população como alvo para
deslegitimar Israel aos olhos do mundo.
A morte de vidas
humanas causada pela resposta do Exército israelita à provocação do Hamas
indignou a “comunidade internacional”. Mas estranhamente esta não se questiona
como é possível uma mãe levar um bebé de dois meses a manifestações violentas
mesmo depois dos sucessivos alertas do Exército israelita. Uma União Europeia
que não tem uma palavra contra o Hamas e que, em nome de um processo de paz
inexistente, prefere o status quo que eterniza
o conflito entre as partes. Que não entende que a vitimização que dura há 70
anos apenas prejudica as suas “vítimas” e que não há reconhecimento
internacional capaz por si só de edificar um país. E, finalmente, que a pior
arma escolhida pelas boas consciências sempre em paz consigo próprias é o
boicote absurdo precisamente à consciência mais crítica de Israel, como são os
seus académicos, escritores, artistas e pensadores.
Nos dias de hoje assistimos
à libertação da palavra que não hesito em qualificar de anti-semita. Israel
tornou-se o judeu das nações. Outra vez?
Estudiosa de temas judaicos
COMENTÁRIOS:
- luiz rechtman,
02.06.2018: Os contestadores da história em prol dos
mitos e narrativas da propaganda árabe palestina têm uma nostalgia das épocas
em que os judeus eram expulsos dos países em que viviam, tornando-se errantes
ao sabor das vontades, ódios e ganâncias de governantes e religiosos. A última
grande expulsão judaica dos países muçulmanos, gerou um número igual ou maior
ao dos árabes palestinos saídos por vontade dos árabes que invadiram o recém-criado
Estado de Israel ou foram expulsos de áreas estratégicas, não deu ensejo a
milhares de refugiados vivendo às custas da UNRWA, países variados, ONGS e
verbas milionárias de fontes diversas. Em 70 anos os israelenses
buscaram o desenvolvimento, infelizmente, os árabes palestinos preferiram o
atraso. Para júbilo dos seus simpatizantes e detratores de Israel.
- pabandeira75,
01.06.2018 : Em 1945 no espaço destinado a Israel há 55% de
judeus e 45% de árabes e outros; o território alocado à parte israelita é 56%;
à parte árabe 43%; Jerusalém será cidade franca. Depois da criação de Israel,
em 1949 Israel fica com 78% do território, a população judaica é de 86% e árabe
de 14%. É isto a Nakba: a destruição de aprox 500 povoações árabes, massacres,
o empurrar de 700 a 750 mil árabes para a condição de refugiados. É mesmo de
limpeza étnica que se trata. Já em 1937 o pai de Israel Ben Gurion escreve que
é preciso conquistar a terra dos "árabes", pois isto é condição para
construir um estado "judaico". Em 1937 está em curso o Holocausto
judaico; neste mesmo ano os fundadores do Estado judaico projetam um crime
contra a humanidade, que perpetrarão - ignominiosos atos, ambos!
- MCA. Cidadã da finis terræ: 01.06.2018:
Cada vez que Israel massacra lá vem o chorrilho de mentiras e o apontar do
dedo: “se nos criticam são anti-judeus!”. Tenha vergonha!
- José Manuel
Martins, évora 01.06.2018:
De longe a sua melhor e mais esclarecedora peça de propaganda. Talvez seja até
plenamente verdadeira. Mas, por muito de acordo que estejamos acerca da
instrumentalização árabe dos palestinianos e da sua escorregadia duplicidade
relativamente ao estatuto da própria Palestina, província Síria ou Estado
legítimo, a raiz única do problema é, do lado de Israel, a sua súbita
implantação em território bíblico (único 'direito' invocável para resolver
expeditamente o problema judaico europeu), que inteiramente legitima e explica
a recusa árabe em aceitar essa invasão (que aliás prolonga o colonialismo
britânico e a influência americana e ocidental na região). Do outro lado, a
pergunta é simples: qual a diferença entre fugir da sua casa na Palestina
sul da Síria e fugir da sua casa na Palestina? - Este segundo lado da questão - o lado árabe
e palestiniano - depende da raiz única de tudo, a territorialização
'bíblica' de Israel: qual a diferença entre fugir da sua casa na Palestina sul
da Síria e fugir da sua casa na Palestina? É a mesma diferença que há entre o
pastor do êxodo ser árabe e a razão para o êxodo ser judaica. Não se
confunda causa (os judeus, Israel) e agente (os exércitos árabes). Todos
os caminhos da questão vão dar à fundação de Israel. Tudo o mais é corolário.
estou a sugerir que o estado de Israel é ilegítimo? É evidente que é. E o
estado palestiniano, é uma invenção oportunista da absoluta hipocrisia árabe e
do esquerdismo bem-pensante mundial? É evidente que é. Entre os dois, venha o
diabo e escolha.
- pabandeira75,
01.06.2018: A declaração de 1947 da ONU pressupunha que no
Estado de Israel coexistiriam as populações então no interior das suas
fronteiras, com uma minoria de judeus e uma maioria árabe. A guerra que já
então se desenvolvia de forma larvar ganha uma dimensão de guerra
internacional, com os Estados vizinhos, e civil. Os fundadores do novo
estado consideraram que este deveria ser "judeu"… assim havia que
anular a maioria "árabe". Fizeram-no massacrando a população
civil árabe, assustando, expulsando entre 700 e 750.000 árabes. Tratou-se
mesmo de "limpeza étnica", crime contra a humanidade. É certo que
povo judeu foi vítima de crime desta natureza, mas aqui o perpetrador foi judeu.
Mucznik cita de forma distorcida e incompleta; agita o espantalho do
anti-semitismo; procura justificar o indesculpável!
- mário borges,
31.05.2018: Nunca entenderei porque tem a religião judaica tempo
de antena no jornal Público. Não vejo nada de sequer parecido com o islamismo,
ou o hinduísmo. A "cronista" teima vezes sem conta alterar a ordem
dos factos. Portugal agora era a Palestina (ou o oeste de Espanha como a
"cronista" gosta de chamar). E a ONU decidia pegar nos refugiados
islâmicos de toda a Europa e fazer um Estado em Portugal. Ocupava o
Alentejo e corria com os portugueses de lá. Aos poucos e com um forte armamento
pago pelos árabes o Estado Islâmico do Alentejo ocupava as Beiras o Algarve e
matava os portugueses por tuta e meia. Isto seria um escândalo mundial
tenebroso? Não, se Portugal se chamasse Palestina e se o Estado Islâmico do
Alentejo se chamasse Israel. Israel é o estado do holocausto palestino.
- Filipe Sousa,
31.05.2018: Sempre os mauzões do Hamas...! É caso para
perguntar: porque andou Israel a financiar e a apoiar o Hamas? É pena que na
sua pequena lição de história, não tenha deixado um espacinho para esse
episódio tão irónico.
- José Teixeira
Gomes, Porto 31.05.2018:
A Srª Esther Mucznik rebusca nos seus vastos conhecimentos da história recente
de Israel para encontrar citações que justifiquem o imperialismo israelita.
No entanto, omite deliberadamente que a resolução da ONU definiu fronteiras
claras que Israel se recusa a respeitar. Admito que os palestinianos, em
desespero, cometam o erro de enviar as suas crianças para a linha da frente,
mas um dos mais poderosos exércitos do mundo como o de Israel, ao atirar
mortalmente contra manifestantes pacíficos, comete um crime de genocídio a que
a ONU fecha os olhos. Não sou anti-semita. Admiro o povo de Israel mas
também o critico pelo seu silêncio quanto à ocupação vergonhosa da Cisjordânia
e à ocupação de Gaza como se fosse uma prisão
- Indalécio
Avelino Nascimento, Mem
Martins31.05.2018: A Sra. Esther não nos explica o
porquê da criação da Organização de Libertação da Palestina (OLP) e que por
pressão internacional de Israel passou a designar-se de Autoridade
Palestiniana. Fala no Hamas, mas também não diz que foi Israel, como forma de
criar e alimentar divisões entre os Palestinianos, quem fomentou o seu
crudescimento. Em momento algum nos explica os esforços de Yasser Arafat (Camp
David, Oslo, etc) no processo de paz, sistematicamente boicotados por Israel,
com vista à criação do Estado Palestiniano. Não fala nos colonatos e da
sistemática violação do Direito Internacional por parte de Israel. Pena a Sra.
não se ter oferecido para tomar conta das crianças, enquanto as suas mães
manifestavam a sua indignação pela ocupação, ilegítima, das suas terras.
Vergonhoso!
- C F,31.05.2018:
Fazer tábula rasa quando se está encurralado porque afinal não era o bom
trilho. Equilíbrios avalizados, mas onde é que hoje isso existe? Será mais
promissor uma assimetria ou uma triangulação? Planos não são predições, custa
tanto a entender?
P Galvao, Lisboa 31.05.2018:
Quando a ONU determina que Israel deve abandonar os "colonatos", que
mais não são do que uma forma asquerosa de invasão territorial, em clara
violação das convenções internacionais, nesse caso já não é para levar à letra.
Não imaginava que um judeu pudesse alguma vez reconhecer a legitimidade dos
povos alemães para terem invadido os Sudetas, e a Polónia, naquelas que eram -
à data - as suas terras prometidas. - A
sua versão da história. Interessante prosa de quem se queixa tanto dos
revisionistas. Ah, e a propósito, não há "terras prometidas": a Terra
é de todos.
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