domingo, 17 de junho de 2018

O mundo pula e avança



Sempre que o homem sonha. Que homem, afinal? António Gedeão, na sua “Pedra Filosofal”, usou imagens concretas referentes à evolução do mundo, a partir do sonho humano, desde a tela e o pincel aao desembarque em foguetão na superfície lunar. Muitas mais coisas foram descobertas desde este último. Também nós criámos o Simplex facilitador da vida. Mas o mal é a visita às Laranjeiras e as suas filas de espera demonstrativas da nossa “miséria institucional”, como nos conta ANTÓNIO BARRETO. No meu tempo, era na FIL, a fila, onde se ia receber o ordenado ultramarino num longo abraço ao edifício, que levava um dia inteiro, prova que o nosso mundo não pula assim, nem com Simplex. Quanto ao artigo de MANUEL VILLAVERDE CABRAL, que só li hoje, ele vem provar o nosso modo de pular e de avançar, não pelo sonho (ou talvez sim), mas no artifício e na falcatrua da nossa “miséria moral”, tentando impor uma lei não referendada, e nem sequer referida aquando das eleições de batota.
E assim vamos pulando. Enganando. Pedinchando. Impondo, dictatorialmente, as regras, em falso clima de uma falsa democracia, à medida dos orgasmos intelectuais de uma esquerda que não se enxerga.
I - Simplex e proximidade nas Laranjeiras
ANTÓNIO BARRETO
DN, 16/6/18
Um dia de Junho. Dias depois da organização do Festival da Eurovisão, ainda os portugueses estão felizes com a sua modernidade. Dias antes do início do Campeonato do Mundo de futebol, no qual Portugal participa após um enorme esforço de talento. Ao mesmo tempo, no Terreiro do Paço, um zepelim anuncia no céu mais um avanço do Simplex na humanização dos serviços públicos.
Na Loja do Cidadão das Laranjeiras, em Lisboa, às oito da manhã, as filas de espera contam com umas centenas de cidadãos de todas as cores, feitios e idades. Alguns chegaram às cinco e meia, para marcar vez. Outros às sete, para tirar a senha. Quando a Loja abre, há longas filas de pessoas. Algumas já não serão atendidas nesse dia.
A Loja, realização de um governo socialista, logo adoptada por todos os governos desde há 20 anos, poderia ter simplificado a vida a milhões de pessoas. Uma só ida para resolver vários problemas. Alta eficiência. Absoluta coordenação entre serviços e total comunicabilidade entre instituições, dizem as leis e a propaganda. Rapidez e prontidão. O cidadão pode ali tratar da Segurança Social, do Cartão do Cidadão, do SEF, dos papéis para casar, do passaporte, da ADSE, da Carta de condução, do registo criminal, das pensões, dos impostos, das certidões de registo civil e ainda da EDP, da NOS, dos CTT, da CGD, da Via Verde...  Foram numerosos os benefícios. Há testemunhos a demonstrar os progressos conseguidos. Mas, como tantas vezes acontece, a rotina e a propaganda levam a melhor. Uma visita às Laranjeiras dá o sentido da realidade. A miséria institucional está à espreita.
Depois de horas de espera na rua, os cidadãos obtêm as senhas. Quem estava ali desde as 07.00, só às 09.10 obteve senhas com números de 95 a 150, conforme os serviços. Quem tentou às 10.00 já não conseguiu! Como era sexta-feira, "venha segunda"! Não há maneira de obter, dias antes, as senhas com datas. Por vezes, são precisas três horas de espera só para saber o que é preciso.
Há gente a mais. Poucos funcionários para aquela gente toda. Pessoas sentadas no chão. Muitas de pé. Não há cadeiras que cheguem. Nem espaço. Em dia de chuva e frio ou de calor a 30 oC a situação é aflitiva.
É frequente haver problemas de tradução, de compreensão e de literacia. Em salas com centenas de pessoas, mais de metade são estrangeiros. Africanos, árabes, paquistaneses, chineses, tailandeses e o mais que se queira. Muitos brasileiros. Da Europa Oriental já há poucos.
Em certos guichés, como no da Segurança Social, para cerca de cem pessoas, há dois funcionários, uma para o atendimento geral, outro para os prioritários (doentes, idosos, deficientes, grávidas...). Duas horas depois, há três funcionários para o atendimento geral, um para os prioritários. E mais pessoas à espera. Às 10.20, foi chamada a senha A034. Às 11.58, a A062. Ainda faltam 90!
Em poucas horas os funcionários ficam exaustos e nervosos. Uns mal-dispostos, outros desesperados. Os cidadãos também. Seguir os números das senhas permite perceber quanto tempo de espera se tem diante de si. Quem chegou às 07.00 e obteve senha às 09.10 foi recebido às 14.50!
Na net não há indicações sobre o que é necessário preparar, o que faz que muitas pessoas, depois de passarem horas à espera, fiquem a saber que têm de voltar. Como fazem os que trabalham com horários rígidos e não têm folga? E os que não têm em casa uma reformada, um velhote ou um desempregado para tratar destas coisas?
Os grandes sistemas tecnocráticos sustentáveis e as plataformas digitais ultramodernas, todos nossos amigos, todos de grande proximidade, têm o pequeno defeito de não perceber que há gente no fim da linha, que há pessoas de carne e osso, por vezes com pouca cultura e menos escolaridade, outras vezes com escola e leitura, a quem estes sistemas nada dizem. São pessoas que pedem ajuda. Pessoas a quem as Laranjeiras trouxeram promessas. Mas que, sem humanidade, não conseguem derrubar os muros da desigualdade. Pior: da indiferença.
As minhas fotografias
Turistas em fila de espera, Martim Moniz, Lisboa. Foi há pouco tempo, três anos, e era assim. Os eléctri-cos, designadamente o 28, estavam em ascensão. O turismo também. Muitos "amarelos" estavam já destruídos, abandonados, vendidos... Mas ainda sobravam os suficientes para a ressurreição. Hoje, não há eléctrico que não esteja sempre esgotado, cheio, à cunha. E muita fila de espera. Em Portugal (e noutros países imprevidentes, deve dizer-se...) é sempre assim: algo com êxito? Fila de espera. Uma coisa interessante? Fila de espera. Cuidado de saúde, segurança social, um procedimento administrativo, uma certidão? Fila de espera. O problema é que as filas de espera para a Arena e o Rock in Rio, por exemplo, são facultativas e dependem da escolha de cada um. Enquanto as filas de espera para os transportes públicos, a Segurança Social e o centro de saúde são necessidades, frequentemente urgências e muitas vezes desespero.
Não se metam onde não são chamados /premium
OBSERVADOR, 26/5/2018
A eutanásia é algo de bem diverso do suicídio. A proposta do PS e outros é uma enorme mistificação que não ousa assumir o seu nome nem as suas consequências. Trata-se, pois, de uma hipocrisia total.
Volto ao assunto da tentativa de liberalização da eutanásia pois o PS e alguns apaniguados não desistem de se meter onde não são chamados. A menos que esses deputados proclamem que possuem competência para tudo o que lhes passe pela cabeça, esta inexplicável insistência é inadmissível. É literalmente um abuso de confiança cometido por umas escassas dezenas de deputados sem mandato para isso. Com efeito, a eutanásia não é uma questão política, muito menos uma coisa de partidos de «esquerda» ou de «direita», como mostra aliás a posição do PCP. Nem sequer uma questão ética. No meu caso tão pouco se trata de uma convicção religiosa, mas sim de resistir a um abuso de confiança com consequências lamentáveis.
Aquilo que o PS pretende fazer é uma questão duplamente deontológica, isto é, uma questão de comportamentos impróprios, eticamente reprováveis. Em primeiro lugar, uma falta deontológica desses deputados que não têm mandato para isso, pois nenhum dos partidos cujos membros pretendem agora impor a liberalização da eutanásia se atreveu a colocar tal questão nos seus programas ou sequer nos seus comícios de propaganda.
É aliás o segundo abuso de confiança política que o PS pretende cometer depois de se ter aliado ao PCP e ao BE sem anunciar previamente essa possibilidade, na qual, contudo, já pensava seguramente, pois sabia que não teria a maioria absoluta nas eleições legislativas de 2015! Se não o sabem já, o PS e os seus apaniguados que façam uma sondagem discreta para saber se a população é a favor ou contra tal medida raramente adoptada no mundo e em nenhum país de base cultural católica.
Em segundo lugar, trata-se de um ilícito deontológico em relação aos médicos, cuja vocação e prática não consiste em matar, mas exactamente o oposto: fazer tudo o que sabem e podem para salvar os doentes, seja de que doença for, mortal ou não. Por exemplo, não há doenças mentais ou perturbações psicológicas mortais, que eu saiba, e contudo a eutanásia frequentemente é aplicada a esses doentes nos países que a liberalizaram. Sofrimento, isso sim, há com toda a certeza, mas existe hoje uma quantidade de paliativos que a ciência não cessa, felizmente, de aumentar. Todas as profissões que se prezam têm um código deontológico: a mais antiga delas – a medicina – tem o Juramento de Hipócrates e é por ele que os médicos se devem reger a fim de nos inspirar confiança.
A única coisa que esses deputados insensatos estariam a fazer ao despenalizar a eutanásia seria autorizar a abertura ao público de clínicas cujos donos colocariam à porta o cartaz: «Aqui matam-se pessoas por tantos €€€». Foi praticamente o que se passou há semanas, numa clínica suíça autorizada a praticar aquilo a que eufemisticamente dão o nome de «suicídio assistido» a um cientista australiano de 104 anos disposto a pagar as despesas, conforme badalado na comunicação social.
A propósito de «mass media», desta vez é uma «colunista» que pretende defender a legalização da eutanásia invocando a ideia de «boa morte» do filósofo Séneca. Ora a autora finge ignorar que, na época de Séneca, há 2000 anos, não havia nem deixava de haver eutanásia. Havia drogas fatais que os patrícios romanos tomavam ou não a fim de se suicidarem se achavam chegada a hora. Algo semelhante se passava com outro artigo do «Público» acerca do qual aqui escrevi e onde nunca é dito que qualquer de nós tem a liberdade de se suicidar no caso de a vida nos pesar demasiado: para isso, não precisamos de médicos; no máximo, alguém incógnito que nos proporcione uma droga fatal.
Por solidariedade, sou favorável àquela droga instantânea proporcionada aos fugitivos judeus durante o nazismo e com a qual se matou Walter Benjamin, assim como um Wilhelm Friedmann, notável e corajoso professor de Literatura refugiado em França, que se suicidou em 1942 ao ser capturado pelos nazis nos Pirinéus, onde foi sepultado e onde se lhe juntou em 2006, por solidariedade familiar, o filósofo português Fernando Gil.
A eutanásia é, pois, algo de bem diverso do suicídio. A proposta do PS e apaniguados é, sim, uma enorme mistificação que não ousa assumir o seu nome nem as suas consequências. Por isso é que se recusa a submetê-la a referendo, como sucedeu com a liberalização do aborto. Trata-se, portanto, de uma hipocrisia total que apenas pretende abrir uma «fractura» na sociedade portuguesa, ao mesmo tempo que convida os médicos a fazerem o contrário daquilo para que foram formados.

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