Sempre que o homem sonha.
Que homem, afinal? António Gedeão, na sua “Pedra Filosofal”, usou imagens
concretas referentes à evolução do mundo, a partir do sonho humano, desde a
tela e o pincel até ao desembarque em foguetão na superfície lunar. Muitas
mais coisas foram descobertas desde este último. Também nós criámos o Simplex
facilitador da vida. Mas o mal é a visita às Laranjeiras e as suas filas de
espera demonstrativas da nossa “miséria institucional”, como nos conta ANTÓNIO
BARRETO. No meu tempo, era na FIL, a fila, onde se ia receber o ordenado
ultramarino num longo abraço ao edifício, que levava um dia inteiro, prova que
o nosso mundo não pula assim, nem com Simplex. Quanto ao artigo de , que só li hoje, ele vem provar o nosso
modo de pular e de avançar, não pelo sonho (ou talvez sim), mas no artifício e na falcatrua da nossa “miséria moral”,
tentando impor uma lei não referendada, e nem sequer referida aquando das
eleições de batota.
E assim vamos pulando. Enganando.
Pedinchando. Impondo, dictatorialmente, as regras, em falso clima de uma falsa
democracia, à medida dos orgasmos intelectuais de uma esquerda que não se
enxerga.
I - Simplex e proximidade nas Laranjeiras
ANTÓNIO BARRETO
DN, 16/6/18
Um dia de Junho. Dias depois da organização do Festival da Eurovisão,
ainda os portugueses estão felizes com a sua modernidade. Dias antes do início
do Campeonato do Mundo de futebol, no qual Portugal participa após um enorme
esforço de talento. Ao mesmo tempo, no Terreiro do Paço, um zepelim anuncia no
céu mais um avanço do Simplex na humanização dos serviços públicos.
Na Loja do Cidadão das Laranjeiras, em Lisboa, às oito da manhã, as
filas de espera contam com umas centenas de cidadãos de todas as cores, feitios
e idades. Alguns chegaram às cinco e meia, para marcar vez. Outros às sete,
para tirar a senha. Quando a Loja abre, há longas filas de pessoas. Algumas já
não serão atendidas nesse dia.
A Loja, realização de um governo socialista, logo adoptada por todos os
governos desde há 20 anos, poderia ter simplificado a vida a milhões de
pessoas. Uma só ida para resolver vários problemas. Alta eficiência. Absoluta
coordenação entre serviços e total comunicabilidade entre instituições, dizem
as leis e a propaganda. Rapidez e prontidão. O cidadão pode ali tratar da
Segurança Social, do Cartão do Cidadão, do SEF, dos papéis para casar, do
passaporte, da ADSE, da Carta de condução, do registo criminal, das pensões,
dos impostos, das certidões de registo civil e ainda da EDP, da NOS, dos CTT,
da CGD, da Via Verde... Foram numerosos
os benefícios. Há testemunhos a demonstrar os progressos conseguidos. Mas, como
tantas vezes acontece, a rotina e a propaganda levam a melhor. Uma visita às
Laranjeiras dá o sentido da realidade. A miséria institucional está à espreita.
Depois de horas de espera na rua, os cidadãos obtêm as senhas. Quem
estava ali desde as 07.00, só às 09.10 obteve senhas com números de 95 a 150,
conforme os serviços. Quem tentou às 10.00 já não conseguiu! Como era
sexta-feira, "venha segunda"! Não há maneira de obter, dias antes, as
senhas com datas. Por vezes, são precisas três horas de espera só para saber o
que é preciso.
Há gente a mais. Poucos funcionários para aquela gente toda. Pessoas
sentadas no chão. Muitas de pé. Não há cadeiras que cheguem. Nem espaço. Em dia
de chuva e frio ou de calor a 30 oC a situação é aflitiva.
É frequente haver problemas de tradução, de compreensão e de literacia.
Em salas com centenas de pessoas, mais de metade são estrangeiros. Africanos,
árabes, paquistaneses, chineses, tailandeses e o mais que se queira. Muitos
brasileiros. Da Europa Oriental já há poucos.
Em certos guichés, como no da Segurança Social, para cerca de cem
pessoas, há dois funcionários, uma para o atendimento geral, outro para os
prioritários (doentes, idosos, deficientes, grávidas...). Duas horas depois, há
três funcionários para o atendimento geral, um para os prioritários. E mais
pessoas à espera. Às 10.20, foi chamada a senha A034. Às 11.58, a A062. Ainda
faltam 90!
Em poucas horas os funcionários ficam exaustos e nervosos. Uns
mal-dispostos, outros desesperados. Os cidadãos também. Seguir os números das
senhas permite perceber quanto tempo de espera se tem diante de si. Quem chegou
às 07.00 e obteve senha às 09.10 foi recebido às 14.50!
Na net não há indicações sobre o que é necessário preparar, o que faz
que muitas pessoas, depois de passarem horas à espera, fiquem a saber que têm
de voltar. Como fazem os que trabalham com horários rígidos e não têm folga? E
os que não têm em casa uma reformada, um velhote ou um desempregado para tratar
destas coisas?
Os grandes sistemas tecnocráticos sustentáveis e as plataformas digitais
ultramodernas, todos nossos amigos, todos de grande proximidade, têm o pequeno defeito
de não perceber que há gente no fim da linha, que há pessoas de carne e osso,
por vezes com pouca cultura e menos escolaridade, outras vezes com escola e
leitura, a quem estes sistemas nada dizem. São pessoas que pedem ajuda. Pessoas
a quem as Laranjeiras trouxeram promessas. Mas que, sem humanidade, não
conseguem derrubar os muros da desigualdade. Pior: da indiferença.
As minhas fotografias
Turistas em fila de espera, Martim Moniz, Lisboa. Foi há pouco tempo,
três anos, e era assim. Os eléctri-cos, designadamente o 28, estavam em
ascensão. O turismo também. Muitos "amarelos" estavam já destruídos,
abandonados, vendidos... Mas ainda sobravam os suficientes para a ressurreição.
Hoje, não há eléctrico que não esteja sempre esgotado, cheio, à cunha. E muita
fila de espera. Em Portugal (e noutros países imprevidentes, deve dizer-se...)
é sempre assim: algo com êxito? Fila de espera. Uma coisa interessante? Fila de
espera. Cuidado de saúde, segurança social, um procedimento administrativo, uma
certidão? Fila de espera. O problema é que as filas de espera para a Arena e o
Rock in Rio, por exemplo, são facultativas e dependem da escolha de cada um.
Enquanto as filas de espera para os transportes públicos, a Segurança Social e
o centro de saúde são necessidades, frequentemente urgências e muitas vezes
desespero.
II - EUTANÁSIA
Não se metam onde não são chamados /premium
OBSERVADOR, 26/5/2018
A eutanásia é algo de
bem diverso do suicídio. A proposta do PS e outros é uma enorme mistificação
que não ousa assumir o seu nome nem as suas consequências. Trata-se, pois, de
uma hipocrisia total.
Volto ao assunto da
tentativa de liberalização da eutanásia pois o PS e alguns apaniguados não
desistem de se meter onde não são chamados. A menos que esses deputados
proclamem que possuem competência para tudo o que lhes passe pela cabeça, esta
inexplicável insistência é inadmissível. É literalmente um abuso de confiança
cometido por umas escassas dezenas de deputados sem mandato para isso. Com
efeito, a eutanásia não é uma questão política, muito menos uma coisa de
partidos de «esquerda» ou de «direita», como mostra aliás a posição do PCP. Nem
sequer uma questão ética. No meu caso tão pouco se trata de uma convicção
religiosa, mas sim de resistir a um abuso de confiança com consequências
lamentáveis.
Aquilo que o PS pretende
fazer é uma questão duplamente deontológica, isto é, uma questão de
comportamentos impróprios, eticamente reprováveis. Em primeiro lugar, uma falta
deontológica desses deputados que não têm mandato para isso, pois nenhum dos
partidos cujos membros pretendem agora impor a liberalização da eutanásia se
atreveu a colocar tal questão nos seus programas ou sequer nos seus comícios de
propaganda.
É aliás o segundo abuso
de confiança política que o PS pretende cometer depois de se ter aliado ao PCP
e ao BE sem anunciar previamente essa possibilidade, na qual, contudo, já
pensava seguramente, pois sabia que não teria a maioria absoluta nas eleições
legislativas de 2015! Se não o sabem já, o PS e os seus apaniguados que façam
uma sondagem discreta para saber se a população é a favor ou contra tal medida
raramente adoptada no mundo e em nenhum país de base cultural católica.
Em segundo lugar,
trata-se de um ilícito deontológico em relação aos médicos, cuja vocação e
prática não consiste em matar, mas exactamente o oposto: fazer tudo o que sabem
e podem para salvar os doentes, seja de que doença for, mortal ou não. Por
exemplo, não há doenças mentais ou perturbações psicológicas mortais, que eu
saiba, e contudo a eutanásia frequentemente é aplicada a esses doentes nos
países que a liberalizaram. Sofrimento, isso sim, há com toda a certeza, mas
existe hoje uma quantidade de paliativos que a ciência não cessa, felizmente, de
aumentar. Todas as profissões que se prezam têm um código deontológico: a mais
antiga delas – a medicina – tem o Juramento de Hipócrates e é por ele que os
médicos se devem reger a fim de nos inspirar confiança.
A única coisa que esses
deputados insensatos estariam a fazer ao despenalizar a eutanásia seria
autorizar a abertura ao público de clínicas cujos donos colocariam à porta o
cartaz: «Aqui matam-se pessoas por tantos €€€». Foi praticamente o que se
passou há semanas, numa clínica suíça autorizada a praticar aquilo a que
eufemisticamente dão o nome de «suicídio assistido» a um cientista australiano
de 104 anos disposto a pagar as despesas, conforme badalado na comunicação social.
A propósito de «mass
media», desta vez é uma «colunista» que pretende defender a legalização da
eutanásia invocando a ideia de «boa morte» do filósofo Séneca. Ora a autora
finge ignorar que, na época de Séneca, há 2000 anos, não havia nem deixava de
haver eutanásia. Havia drogas fatais que os patrícios romanos tomavam ou não a
fim de se suicidarem se achavam chegada a hora. Algo semelhante se passava com
outro artigo do «Público» acerca do qual aqui escrevi e
onde nunca é dito que qualquer de nós tem a liberdade de se suicidar no caso de
a vida nos pesar demasiado: para isso, não precisamos de médicos; no máximo,
alguém incógnito que nos proporcione uma droga fatal.
Por solidariedade, sou
favorável àquela droga instantânea proporcionada aos fugitivos judeus durante o
nazismo e com a qual se matou Walter Benjamin, assim como um Wilhelm Friedmann,
notável e corajoso professor de Literatura refugiado em França, que se suicidou em 1942 ao ser capturado pelos nazis nos
Pirinéus, onde foi sepultado e onde se lhe juntou em 2006, por solidariedade
familiar, o filósofo português Fernando Gil.
A eutanásia é, pois, algo de bem diverso do suicídio. A proposta do PS
e apaniguados é, sim, uma enorme mistificação que não ousa assumir o seu nome
nem as suas consequências. Por isso é que se recusa a submetê-la a referendo,
como sucedeu com a liberalização do aborto. Trata-se, portanto, de uma
hipocrisia total que apenas pretende abrir uma «fractura» na sociedade
portuguesa, ao mesmo tempo que convida os médicos a fazerem o contrário daquilo
para que foram formados.
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