quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Textos de reflexão económica e ética


Do blog “A Bem da Nação” retiro o tema que Henrique Salles da Fonseca distribuiu por seis dias - A CAMINHO DO CÉU… - em diferentes capítulos e envolvendo diferentes leituras que generosamente aponta, sobre o processo evolutivo humano que, repousando no desejo de felicidade – “Caminho do Céu”- e que os filósofos e os economistas definem como “crescimento” - tal como os leigos, aliás, que somos a maioria, e ao longo dos tempos sempre lutámos por uma fuga à pequenez, ao estreitamento, em paralelo, de resto, com o que se observa no processo físico evolutivo da mãe natura, aplicado a todos os seres vivos: o crescimento irrefreável, que a “lei da morte”, hélas!, faz declinar. Esse aspecto do declínio poderia servir como aviso, o que as próprias Escrituras também colocam na boca de um Jeová indignado contra a ganância desobediente dos nossos pais primeiros, que ele expulsou do paraíso, com a denúncia do “pulvis es” repetido nas liturgias pré pascais católicas. Mas religiões há muitas, tal como os chapéus, e a maioria até será avessa às restrições sinistras condicionantes das liberdades que os clássicos também lembravam, contudo mais apoiados em preceitos de dignificação valorativa da racionalidade humana.
Certo é que, gradualmente, ao longo dos seus seis textos - DA NATUREZA HUMANA; TUDO JÁ; O TER PELO SER; AINDA COM OS PÉS NO CHÃO; ESTE MUNDO É UMA ALDEIA OU O TRIGO E O JOIO; THE POWER “OR” THE GLORYSalles da Fonseca reflecte sobre o fenómeno do progressivo abandono de preceitos abstractos, de cariz moral, pela desenfreada busca da valorização económica que rege hoje em dia a sociedade do prazer assente na realização que o poder do dinheiro favorece.
Um trabalho sério, de pesquisa e dedução, e, como sempre, marcado por um subtil humor pessimista, que se torna excelente lição para os que a queiram receber, a começar pelos que nos governam ou venham a fazê-lo, para bem de uma Nação necessitada de se apoiar em valores de autenticidade não demagógica mas ponderadamente democrática.
 Henrique Salles da Fonseca  12.10.18
DA NATUREZA HUMANA TUDO JÁ!
O crescimento não é um mero pormenor na ideologia do mercado livre. É toda a sua essência. (Jonathan Franzen, in «Liberdade», ed. D. Quixote, 4ª edição, Setembro de 2015, pág. 442)
É da natureza humana ambicionar para o futuro algo melhor do que o presente já que ao presente lhe cumpre mostrar ser melhor que o passado. E ao que não decorra deste modo se lhe chama contra-natura.
Dando-se a circunstância de a vocação da política ser precisamente a de desenhar o caminho entre a situação presente e a situação futura que se pretende melhorar, não há programa político que não refira o objectivo do crescimento como instrumento para se alcançar um determinado tipo de bem-comum. Até porque o decrescimento está associado à recessão, à perda de qualidade de vida.
Então, é na definição do bem-comum e no caminho para lá se chegar que diferem as diversas propostas partidárias, as quais, em democracia, são ciclicamente postas a referendo popular.
Ganha o melhor? Não propriamente; ganha o que melhor souber «vender o seu produto». Mais concretamente, ganhará aquele que fizer as promessas mais apetecidas pelos eleitores. E assim tem sido desde que a ditadura do número – a que chamamos democracia - passou a ser o melhor regime que se nos oferece. Contudo, as forças políticas que tradicionalmente (desde o final da II Guerra Mundial) têm dominado o cenário europeu, vêm ultimamente sofrendo sérias ameaças e até rudes golpes por parte de novas forças a que os «velhos» se apressam a apelidar de populistas. E esses «novos» não são apenas de direita (a Alternative für Deutschland, o francês Front National, o Freiheitliche Partei Österreichs, etc.) mas também de esquerda (Bloco de Esquerda em Portugal, o Podemos em Espanha, o Sirysa grego, etc.). E nas bocas dos «velhos», todos estes novos passam por populistas… como se eles, os tradicionais, não tivessem sempre sido isso mesmo. A essência da democracia é o populismo e dizer o contrário é ser elitista, platónico.
E se já nos cenários tradicionais o que para uns era positivo e para outros podia ser negativo, actualmente, as diferenças radicalizaram-se. Ou seja, as variáveis dos diversos modelos económicos (e sociais) têm interpretações diferentes conforme o campo político a que pertençam os observadores e quanto mais actores buscarem o protagonismo, mais essas diferenças tenderão a acentuar-se.
Aos eleitores são apresentados leques mais profusos de alternativas e resta saber se o eleitorado distingue o trigo do joio, ou seja, o plausível do utópico.
Há quem considere a produção como o grande motor do desenvolvimento mas outros há que consideram que o grande motor é o consumo; há quem aposte na indústria a há quem aposte nos serviços; há quem queira erradicar o analfabetismo mas também há quem considere que a felicidade está na ignorância… Mas todos apregoam que querem o crescimento.
Crescer até onde? Tem o crescimento um tecto ou pode ir até ao Céu infinito? Se não tem, tudo bem, o modelo político pode continuar; se tem, o discurso político extingue-se. E depois?
Depois, teremos que mudar de políticos.
 Henrique Salles da Fonseca,  13.10.18
TUDO JÁ!
Para além da espiritualidade, todas as religiões tratam de questões sociais de tal modo que cada uma delas construiu o seu próprio Código de Conduta e, daí, a sua civilização: civilização hindu, civilização budista, civilização judaica, civilização cristã, civilização muçulmana, …
Assim foi que tempos houve em que eram os teólogos a ditar essas normas sociais e quando os argumentos lógicos não bastavam, avançava-se com a ameaça da ira divina; e se mesmo esta não bastasse, ditava-se o dogma. Exemplos? Tantos que é impossível enumerá-los: não comer carne de porco; não beber álcool; não comer carne à sexta-feira; não cobiçar a mulher alheia; etc…
E foi da base dogmática e sequente exegese que derivou o quadro jurídico que a partir de certo estádio se tornou progressivamente mais «civil» e menos espiritual. Relativamente a nós, ao Ocidente, a Revolução Francesa foi decisiva para esse corte entre o Clero e o Povo.
Na sequência da tomada da Bastilha e com a chegada das forças populares ao Poder, o Regime laicizou-se e a ameaça da ira divina foi substituída pela «obra» bem mais terrena do médicoJoseph-Ignace Guillotin.
Então, na ausência de uma justificação sobrenatural, qual passou a ser o rumo dos povos? E a resposta está no regresso à filosofia platónica em que o objectivo da vida é a obtenção do prazer - não há mais uma vida edénica para além da morte, há, na vida terrena, um direito inalienável de obtenção do prazer. Que tipo de prazer? O prazer de todos os tipos, desde o virtuoso ao vicioso. E como a fé numa vida para além da morte deixou de ser crível pelos actuais «senhores da guerra», há que obter de imediato o máximo de prazer.
E a filosofia de vida passou a ser, «Tudo, já!»
 Henrique Salles da Fonseca, 14.10.18
O TER PELO SER
Então, todos querem tudo e já!
Assim é que, sob o culto do consumismo de bens, serviços e notícias, colhe perguntar se resta lugar para valores éticos e morais. Mais concretamente, a questão está em saber qual é o lugar dos valores superiores num mundo de factos e como podem aqueles entrar neste mundo primário.
Poucos são os homens de Ciência que escrevem sobre valores porque a grande maioria considera que isso não passa de mero palavreado. Contudo, os valores emergem juntamente com os problemas e frequentemente estes dizem respeito a factos.
Uma coisa, uma ideia, uma teoria ou uma mera abordagem podem ser admitidas como válidas para ajudar a resolver um problema mas só passam a pertencer ao mundo intelectual se forem submetidas à discussão, à crítica. Antes disso, pertencem muito provavelmente apenas à esfera do empirismo. Até porque tudo começa empiricamente e só depois é que evolui para outros patamares.
É que o mundo mais primitivo, desprovido de vida, não tinha problemas e, como tal, não tinha valores porque os problemas entram no mundo pela mão da vida e não apenas pela da consciência. Daqui resultam dois tipos de valores: os criados pela vida, pelos problemas inconscientes tais como os do reino vegetal; os criados pela mente humana com base em soluções anteriores na tentativa de resolver problemas. É este último tipo de questões – formadas pelo conjunto de problemas historicamente originados em factos, respectivas soluções, críticas para o despiste de erros, teorias globalizantes e valores consequentes – que dá forma ao mundo da intelectualidade.
O mundo dos valores transcende, pois, o mundo sem valores e meramente factual, o mundo dos factos brutos. O drama está quando se disfarça de intelectualidade a mera discussão de factos e, mais gravemente, de pessoas.
Eis a imensidão do que fica por fazer entre o primarismo factual e a elevação dos valores. Resta a esperança de que uma elite consiga preencher esse imenso vazio. Então, a primeira questão é: - O que são elites? Sendo que a segunda questão é: - A elite é-o porque tem ou porque pensa e, portanto, é? O materialismo considera que a elite tem. A terceira questão é: - Alguém duvida sobre o que nós pensamos?
 Henrique Salles da Fonseca  15.10.18
AINDA COM OS PÉS NO CHÃO
À laia de interregno, deixemos os níveis etéreos e desçamos às realidades terrenas para enquadrarmos a questão portuguesa nessa substituição do ser pelo ter.
Isso de se querer «tudo e já» conjugado com a substituição do ser pelo ter, numa economia pouco produtiva e, mesmo assim, com baixa produtividade, só pode levar ao desastre na balança comercial, na de transacções correntes e mesmo na de pagamentos. Daí à falência perante o exterior foi um passo (como todos sabemos por experiência colectiva própria) e não houve turismo nem remessas de emigrantes que na crise suprema conseguissem tapar o buraco. Tivemos mesmo que pedir ajuda aos credores e passar por todas as restrições que tanto doeram.
E, atenção, não refiro a apropriação indevida de bens e liquidezes que por aí campeou; apenas refiro a falta de capacidade da oferta interna para suprir o consumo também interno. Quando a produção interna é restringida por inúmeros factores (custos de contexto, opacidade dos mercados, vícios na formação dos preços) e o consumo é incentivado, só o cenário da catástrofe se afigura como plausível.
Então, não serão necessárias muitas mais explicações para se compreender que «quem não trabuca, não manduca» e que o verdadeiro motor do desenvolvimento não é o consumo mas sim a produção dos bens transacionáveis que todos tanto gostamos de consumir. Quase diria que Colbert deveria ser desenterrado para nos impor o seu mercantilismo durante uns tempos. E digo impor porque «às boas» não iremos lá. Lá, onde? À racionalidade da auto-sustentabilidade pela via da produção e da competitividade.
E aqui, trago um excerto de um escrito de Francisco Gomes de Amorim no qual se refere à podridão:
«O Brasil bateu todos os recordes do mundo em ladroagem e corrupção, tem uma classe política com uma abissal falta de educação, cultura, ética, classe e conhecimentos, mas continua a ser um lugar meio mítico com o seu carnaval, as suas praias e as suas gentes, sempre amáveis.
Corrupção houve desde sempre, sempre. Lembremos só o Bezerro de Ouro, a ter-se passado foi há mais de 3.500 anos, os 30 dinheiros que o pobre Judas recebeu, os presentes que davam a Khrushchov quando premier dum mundo eufemisticamente chamado comunista, o governo do general Grant no EUA, considerado o mais corrupto de toda a história daquele país (incluindo Bush) e centenas, milhares de outros, entre eles o Príncipe Bernardo da Holanda que recebeu mais de um milhão de dólares para que usasse sua influência junto ao governo neerlandês na aquisição de aviões de combate americanos!»
Olhemos à nossa volta e meditemos. Mas não olhemos demais para não cegarmos com tanta vergonha nem meditemos de mais para não ensandecermos ou entrarmos em curto circuito neurológico. Ponto final no interlúdio terreno, regressemos à elevação.
Henrique Salles da Fonseca,  16.10.18 
ESTE MUNDO É UMA ALDEIA OU O TRIGO E O JOIO
É quando menos esperamos que nos cruzamos com gente conhecida e assim também acontece com pensamentos nossos, actuais, em escritos alheios muito anteriores.
Foi o caso de andar eu a confabular sobre estas matérias da liderança e tanto da legitimidade como da transparência do Poder e ter começado a ler um livrinho de Karl Popper sobre questões epistemológicas[1] deparando logo no Prefácio com linhas que eu poderia subscrever.
Diz Popper ser naturalmente favorável à democracia, mas não do mesmo modo que a maioria dos seus defensores. Citando de Churchill a célebre frase «A democracia é a pior forma de governo com excepção de todas as outras», reconhece que não temos alternativa ao respeito pelas decisões livremente expressas da maioria mas acrescentando que um governo democrático é responsabilizável sendo que a responsabilidade perdura individual e colectivamente para além do exercício do período do respectivo mandato. Trata-se duma responsabilidade moral e ética, mais do que uma responsabilidade meramente cívica ou mesmo criminal. E essa é a grandeza da democracia – a responsabilidade moral e ética.
Não fora cruzar-me com estes pensamentos de Popper e lá estaria eu a dar razão ao poeta alemão Hölderlin[2] quando dizia que «somos originais porque não sabemos nada». Pior, lá estaria eu a fazer meu o que genuinamente era alheio.
Então, a responsabilidade e possível responsabilização moral e ética fazem a diferença para com os governos que se dizem «do povo» que, no final, provam ser apenas modos de servir os interesses de nomenklaturas frequentemente demagogas e falaciosas. Estas, acabam normalmente julgadas por critérios criminais; e se o não forem no plano judicial efectivo, são-no certamente pela História e perante a Humanidade.
Eis a grande diferença entre as elites que devem liderar pelo exemplo da elevação e as nomenklaturas que devem ser judicialmente responsabilizadas.
É a diferença entre o trigo e o joio.
Talvez não fosse mau darmos uma vista de olhos pelos escritos de Gilles Lipovetsky[3]. Já lá iremos…
[1] “A Vida é Aprendizagem – epistemologia evolutiva e sociedade aberta”, Karl Popper– EDIÇÕES 70, ed. de Fevereiro de 2017, pág. 11 e seg.
[2] Friedrich Hölderlin (1770 - 1843)
[3] Gilles Lipovetsky (Millau, 24 De Setembro de 1944) é um filósofo francês, teórico da Hipermodernidade, autor dos livros A Era do VazioO luxo eternoA terceira mulherO império do efêmeroA felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade do hiperconsumo, entre outros.
 Henrique Salles da Fonseca  17.10.18
THE POWER “OR” THE GLORY[1]
Hoje, escolho “O crepúsculo do dever[2] como o livro de Gilles Lipovetsky que me parece mais apropriado para o tema que me move neste escrito, o da morte prematura da moral e da ética.
 (...) A sociedade post-moderna ou post-moralista designa a época em que o dever se adocicou e tornou anémico, em que a ideia do sacrifício pessoal se ilegitimou socialmente, em que a moral já não exige que as pessoas se devotem a uma causa superior, em que os direitos subjectivos dominam os mandamentos. Na sociedade post-dever, o mal transformou-se em espectáculo, o ideal pouco engrandecido. Se perdura a crítica do vício, o heroísmo do bem enfraquece. Os valores que reconhecemos são mais tidos como negativos do que como positivos. Por trás de uma falsa revitalização ética, triunfa uma moral indolor, último estádio da cultura individualista democrática(...) [pág. 57 op. cit.]
Na sequência do que chegámos à filosofia do poder, aquela em que o grande objectivo é o poder e que resulta claramente de um espírito de permanente competição. Como cada vitória tenderá a elevar o nível dessa mesma competição, o final lógico de tal filosofia é o poder ilimitado e absoluto. Aqueles que buscam o poder podem não aceitar as regras éticas definidas pelos costumes, a tradição e, pelo contrário, adoptam outras normas e regem-se por outros critérios que os ajudam a obter o triunfo. Tentam mesmo convencer as outras pessoas de que são éticos no sentido do objectivo supremo por eles definido tentando conciliar o poder e o reconhecimento da moralidade.
Assim foi que se sentaram na cadeira do poder muitos daqueles para quem a ética dos costumes virtuosos, das leis naturais, da fé, do voluntarismo e da disciplina são palavra vã. Daí ao poder absoluto, à ausência de regras consensualmente construídas, ao Direito «pret à porter» e à dissolução do Estado de Direito, vulgo o fascismo, não dista muito ou não dista mesmo nada. Ignorados os princípios que definem o bem-comum, instala-se o “salve-se quem puder”, instala-se a razão da força em oposição à força da razão.
Globalizado e sacralizado o império da competição desenfreada, não mais resta qualquer esperança de sobrevivência aos que não sejam campeões. E a alternativa para os não campeões – em que o 2º classificado mais não é do que o 1º vencido – é unicamente a de serem servos. Servos mais ou menos mitigados, mais ou menos engravatados, numa gaiola mais ou menos doirada mas servos e apenas servos.
O poder mal alcançado é o oposto da glória e por isso me apetece voltar a Popper para, com ele, lastimar que, perante tanta desgraça, «só nos reste ir para o Inferno».
Mas não, pelo contrário, opto pelo título verdadeiro do romance de Graham Greene, «THE POWER AND THE GLORY».
[1] - Corruptela do título do livro de Graham Greene, “THE POWER AND THE GLORY”
[2] D. QUIXOTE, 4ª edição, Maio de 2010



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