Do blog “A Bem da Nação” retiro o tema que Henrique Salles da Fonseca distribuiu por seis dias - A CAMINHO DO CÉU… - em diferentes capítulos e
envolvendo diferentes leituras que generosamente aponta, sobre o processo
evolutivo humano que, repousando no desejo de felicidade – “Caminho do Céu”- e que os filósofos e os
economistas definem como “crescimento” - tal como os leigos, aliás, que somos a
maioria, e ao longo dos tempos sempre lutámos por uma fuga à pequenez, ao
estreitamento, em paralelo, de resto, com o que se observa no processo físico evolutivo
da mãe natura, aplicado a todos os seres vivos: o crescimento irrefreável, que
a “lei da morte”, hélas!, faz declinar. Esse aspecto do declínio poderia servir
como aviso, o que as próprias Escrituras também colocam na boca de um Jeová
indignado contra a ganância desobediente dos nossos pais primeiros, que ele
expulsou do paraíso, com a denúncia do “pulvis es” repetido nas liturgias pré
pascais católicas. Mas religiões há muitas, tal como os chapéus, e a maioria
até será avessa às restrições sinistras condicionantes das liberdades que os
clássicos também lembravam, contudo mais apoiados em preceitos de dignificação
valorativa da racionalidade humana.
Certo é que, gradualmente, ao longo dos seus
seis textos - DA NATUREZA HUMANA; TUDO JÁ; O TER PELO SER; AINDA COM OS PÉS NO CHÃO; ESTE
MUNDO É UMA ALDEIA OU O TRIGO E O JOIO; THE POWER “OR” THE GLORY – Salles da Fonseca reflecte sobre o
fenómeno do progressivo abandono de preceitos abstractos, de cariz moral, pela
desenfreada busca da valorização económica que rege hoje em dia a sociedade do
prazer assente na realização que o poder do dinheiro favorece.
Um trabalho sério, de pesquisa e
dedução, e, como sempre, marcado por um subtil humor pessimista, que se torna excelente
lição para os que a queiram receber, a começar pelos que nos governam ou venham
a fazê-lo, para bem de uma Nação necessitada de se apoiar em valores de
autenticidade não demagógica mas ponderadamente democrática.
Henrique Salles da Fonseca 12.10.18
DA NATUREZA HUMANA TUDO JÁ!
O crescimento não é um mero
pormenor na ideologia do mercado livre. É toda a sua essência. (Jonathan Franzen, in «Liberdade», ed. D. Quixote, 4ª edição, Setembro de 2015, pág. 442)
É da natureza humana ambicionar
para o futuro algo melhor do que o presente já que ao presente lhe cumpre
mostrar ser melhor que o passado. E ao que não decorra deste modo
se lhe chama contra-natura.
Dando-se a circunstância de a
vocação da política ser precisamente a de desenhar o caminho entre a situação
presente e a situação futura que se pretende melhorar, não há programa político
que não refira o objectivo do crescimento como instrumento para se alcançar um
determinado tipo de bem-comum. Até porque o decrescimento está associado à
recessão, à perda de qualidade de vida.
Então, é na definição do
bem-comum e no caminho para lá se chegar que diferem as diversas propostas
partidárias, as quais, em democracia, são ciclicamente postas a referendo
popular.
Ganha o melhor? Não
propriamente; ganha o que melhor souber «vender o seu produto». Mais concretamente, ganhará aquele que fizer as promessas mais
apetecidas pelos eleitores. E assim tem sido desde que a ditadura do número – a
que chamamos democracia - passou a ser o melhor regime que se nos oferece. Contudo, as forças políticas que
tradicionalmente (desde o final da II Guerra Mundial) têm dominado o cenário
europeu, vêm ultimamente sofrendo sérias ameaças e até rudes golpes por parte
de novas forças a que os «velhos» se apressam a apelidar de populistas. E esses «novos» não são apenas de direita (a Alternative für Deutschland, o francês Front
National, o Freiheitliche Partei Österreichs, etc.) mas também de esquerda (o Bloco de
Esquerda em Portugal, o Podemos em Espanha, o Sirysa grego, etc.). E nas bocas dos «velhos», todos
estes novos passam por populistas… como se eles, os tradicionais, não tivessem
sempre sido isso mesmo. A essência da democracia é o populismo e dizer o contrário é ser
elitista, platónico.
E se já nos cenários tradicionais o que para uns era positivo e
para outros podia ser negativo, actualmente, as diferenças radicalizaram-se. Ou
seja, as variáveis dos diversos modelos económicos (e sociais) têm
interpretações diferentes conforme o campo político a que pertençam os
observadores e quanto mais actores buscarem o protagonismo, mais essas
diferenças tenderão a acentuar-se.
Aos eleitores são apresentados
leques mais profusos de alternativas e resta saber se o eleitorado distingue o
trigo do joio, ou seja, o plausível do utópico.
Há quem considere a produção
como o grande motor do desenvolvimento mas outros há que consideram que o
grande motor é o consumo; há quem aposte na indústria a há quem aposte nos
serviços; há quem queira erradicar o analfabetismo mas também há quem considere
que a felicidade está na ignorância… Mas todos apregoam que querem o
crescimento.
Crescer até onde? Tem o crescimento um tecto ou pode ir até ao Céu
infinito? Se não tem, tudo bem, o modelo político pode continuar; se tem, o
discurso político extingue-se. E depois?
Depois, teremos que mudar de políticos.
Henrique
Salles da Fonseca, 13.10.18
TUDO JÁ!
Para
além da espiritualidade, todas as religiões tratam de questões sociais de tal
modo que cada uma delas construiu o seu próprio Código de Conduta e, daí, a sua
civilização: civilização hindu, civilização budista, civilização judaica,
civilização cristã, civilização muçulmana, …
Assim foi que tempos houve em
que eram os teólogos a ditar essas normas sociais e quando os argumentos
lógicos não bastavam, avançava-se com a ameaça da ira divina; e se mesmo esta
não bastasse, ditava-se o dogma. Exemplos? Tantos que é impossível enumerá-los:
não comer carne de porco; não beber álcool; não comer carne à sexta-feira; não
cobiçar a mulher alheia; etc…
E
foi da base dogmática e sequente exegese que derivou o quadro jurídico que a
partir de certo estádio se tornou progressivamente mais «civil» e menos
espiritual. Relativamente a nós,
ao Ocidente, a Revolução Francesa foi decisiva para esse corte entre o Clero e
o Povo.
Na sequência da tomada da
Bastilha e com a chegada das forças populares ao Poder, o Regime laicizou-se e
a ameaça da ira divina foi substituída pela «obra» bem mais terrena do médicoJoseph-Ignace Guillotin.
Então,
na ausência de uma justificação sobrenatural, qual passou a ser o rumo dos
povos? E a resposta está no regresso à filosofia platónica em que o objectivo
da vida é a obtenção do prazer - não há mais uma vida edénica para além da
morte, há, na vida terrena, um direito inalienável de obtenção do prazer. Que
tipo de prazer? O prazer de todos os tipos, desde o virtuoso ao vicioso. E como
a fé numa vida para além da morte deixou de ser crível pelos actuais «senhores
da guerra», há que obter de imediato o máximo de prazer.
E
a filosofia de vida passou a ser, «Tudo, já!»
Henrique
Salles da Fonseca, 14.10.18
O TER PELO SER
Então,
todos querem tudo e já!
Assim
é que, sob o culto do consumismo de bens, serviços e notícias, colhe perguntar
se resta lugar para valores éticos e morais. Mais concretamente, a questão está em saber qual é o lugar dos
valores superiores num mundo de factos e como podem aqueles entrar neste mundo
primário.
Poucos são os homens de Ciência
que escrevem sobre valores porque a grande maioria considera que isso não passa
de mero palavreado. Contudo, os valores emergem juntamente com os
problemas e frequentemente estes dizem respeito a factos.
Uma coisa, uma ideia, uma
teoria ou uma mera abordagem podem ser admitidas como válidas para ajudar a
resolver um problema mas só passam a pertencer ao mundo intelectual se forem
submetidas à discussão, à crítica. Antes disso, pertencem muito provavelmente
apenas à esfera do empirismo. Até porque tudo começa empiricamente e só depois
é que evolui para outros patamares.
É
que o mundo mais primitivo, desprovido de vida, não tinha problemas e, como tal,
não tinha valores porque os problemas entram no mundo pela mão da vida e não
apenas pela da consciência. Daqui resultam dois tipos de valores: os criados pela vida, pelos
problemas inconscientes tais como os do reino vegetal; os criados pela mente
humana com base em soluções anteriores na tentativa de resolver problemas. É este último tipo de questões – formadas pelo conjunto de problemas
historicamente originados em factos, respectivas soluções, críticas para o
despiste de erros, teorias globalizantes e valores consequentes – que dá forma
ao mundo da intelectualidade.
O
mundo dos valores transcende, pois, o mundo sem valores e meramente factual, o
mundo dos factos brutos. O drama está quando se disfarça de intelectualidade a mera
discussão de factos e, mais gravemente, de pessoas.
Eis a imensidão do que fica por
fazer entre o primarismo factual e a elevação dos valores. Resta a esperança de que uma elite consiga preencher esse imenso
vazio. Então, a primeira questão é: - O que são elites? Sendo que a segunda questão é: - A elite é-o porque
tem ou porque pensa e, portanto, é? O materialismo considera que a elite tem. A terceira questão é: - Alguém duvida sobre o que nós
pensamos?
Henrique
Salles da Fonseca 15.10.18
AINDA COM OS PÉS NO CHÃO
À
laia de interregno, deixemos os níveis etéreos e desçamos às realidades
terrenas para enquadrarmos a questão portuguesa nessa substituição do ser
pelo ter.
Isso
de se querer «tudo e já» conjugado com a substituição do ser pelo ter, numa
economia pouco produtiva e, mesmo assim, com baixa produtividade, só pode levar
ao desastre na balança comercial, na de transacções correntes e mesmo na de
pagamentos. Daí à falência perante o exterior foi um passo (como todos sabemos
por experiência colectiva própria) e não houve turismo nem remessas de
emigrantes que na crise suprema conseguissem tapar o buraco. Tivemos mesmo que
pedir ajuda aos credores e passar por todas as restrições que tanto doeram.
E, atenção, não refiro a
apropriação indevida de bens e liquidezes que por aí campeou; apenas refiro a
falta de capacidade da oferta interna para suprir o consumo também interno.
Quando a produção interna é restringida por inúmeros factores (custos de
contexto, opacidade dos mercados, vícios na formação dos preços) e o consumo é
incentivado, só o cenário da catástrofe se afigura como plausível.
Então, não serão necessárias muitas
mais explicações para se compreender que «quem não trabuca, não manduca» e que
o verdadeiro motor do desenvolvimento não é o consumo mas sim a produção dos
bens transacionáveis que todos tanto gostamos de consumir. Quase diria que
Colbert deveria ser desenterrado para nos impor o seu mercantilismo durante uns
tempos. E digo impor porque «às boas» não iremos lá. Lá, onde? À racionalidade
da auto-sustentabilidade pela via da produção e da competitividade.
E aqui, trago um excerto de um
escrito de Francisco Gomes de Amorim
no qual se refere à podridão:
«O Brasil bateu todos os recordes do mundo em ladroagem e corrupção, tem
uma classe política com uma abissal falta de educação, cultura, ética, classe e
conhecimentos, mas continua a ser um lugar meio mítico com o seu carnaval, as
suas praias e as suas gentes, sempre amáveis.
Corrupção houve desde sempre, sempre. Lembremos só o Bezerro de Ouro, a
ter-se passado foi há mais de 3.500 anos, os 30 dinheiros que o pobre Judas
recebeu, os presentes que davam a Khrushchov quando premier dum mundo
eufemisticamente chamado comunista, o governo do general Grant no EUA,
considerado o mais corrupto de toda a história daquele país (incluindo
Bush) e centenas, milhares de outros, entre eles o Príncipe Bernardo da
Holanda que recebeu mais de um milhão de dólares para que usasse sua influência
junto ao governo neerlandês na aquisição de aviões de combate americanos!»
Olhemos
à nossa volta e meditemos. Mas não olhemos demais para não cegarmos com tanta
vergonha nem meditemos de mais para não ensandecermos ou entrarmos em curto
circuito neurológico. Ponto final no interlúdio terreno, regressemos à elevação.
Henrique Salles da Fonseca, 16.10.18
ESTE MUNDO É UMA ALDEIA OU O TRIGO E O
JOIO
É quando menos esperamos que nos cruzamos com gente conhecida e
assim também acontece com pensamentos nossos, actuais, em escritos alheios
muito anteriores.
Foi o caso de andar eu a confabular sobre estas matérias da
liderança e tanto da legitimidade como da transparência do Poder e ter começado
a ler um livrinho de Karl Popper sobre questões epistemológicas[1] deparando logo no Prefácio com
linhas que eu poderia subscrever.
Diz Popper ser naturalmente favorável à
democracia, mas não do mesmo modo que a maioria dos seus defensores. Citando de Churchill a célebre frase «A democracia é a pior forma de governo com
excepção de todas as outras», reconhece que não temos alternativa ao
respeito pelas decisões livremente expressas da maioria mas acrescentando que um governo democrático é responsabilizável
sendo que a responsabilidade perdura individual e
colectivamente para além do exercício do período do respectivo mandato.
Trata-se duma responsabilidade moral e ética, mais do que uma responsabilidade
meramente cívica ou mesmo criminal. E essa é a grandeza da democracia – a
responsabilidade moral e ética.
Não
fora cruzar-me com estes pensamentos de Popper e lá estaria eu a dar razão ao
poeta alemão Hölderlin[2] quando dizia que «somos originais porque não sabemos nada».
Pior, lá estaria eu a fazer meu o que genuinamente era alheio.
Então, a responsabilidade e possível responsabilização moral e
ética fazem a diferença para com os governos que se dizem «do povo» que, no
final, provam ser apenas modos de servir os interesses de nomenklaturas
frequentemente demagogas e falaciosas. Estas, acabam normalmente julgadas por
critérios criminais; e se o não forem no plano judicial efectivo, são-no
certamente pela História e perante a Humanidade.
Eis a grande diferença entre as
elites que devem liderar pelo exemplo da elevação e as nomenklaturas que devem
ser judicialmente responsabilizadas.
É a diferença entre o trigo e o joio.
Talvez
não fosse mau darmos uma vista de olhos pelos escritos de Gilles Lipovetsky[3]. Já lá iremos…
[1] “A Vida é Aprendizagem – epistemologia evolutiva e
sociedade aberta”, Karl
Popper– EDIÇÕES 70, ed. de Fevereiro
de 2017, pág. 11 e seg.
[3] Gilles Lipovetsky (Millau, 24 De Setembro de 1944) é um filósofo francês,
teórico da Hipermodernidade, autor
dos livros A Era do Vazio, O luxo eterno, A terceira mulher, O império do efêmero, A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade do
hiperconsumo, entre outros.
Henrique
Salles da Fonseca 17.10.18
Hoje, escolho “O crepúsculo do dever”[2] como o livro de Gilles
Lipovetsky que me parece mais apropriado para o tema que me move neste
escrito, o da morte prematura da moral e
da ética.
(...) A sociedade post-moderna ou
post-moralista designa a época em que o dever se adocicou e tornou anémico, em
que a ideia do sacrifício pessoal se ilegitimou socialmente, em que a moral já
não exige que as pessoas se devotem a uma causa superior, em que os direitos
subjectivos dominam os mandamentos. Na sociedade post-dever, o mal
transformou-se em espectáculo, o ideal pouco engrandecido. Se perdura a crítica
do vício, o heroísmo do bem enfraquece. Os valores que reconhecemos são mais
tidos como negativos do que como positivos. Por trás de uma falsa revitalização
ética, triunfa uma moral indolor, último estádio da cultura individualista
democrática. (...) [pág. 57 op. cit.]
Na sequência do que chegámos à filosofia do poder, aquela em que o grande objectivo é o poder e que resulta
claramente de um espírito de permanente competição. Como cada vitória tenderá a
elevar o nível dessa mesma competição, o final lógico de tal filosofia é o poder ilimitado e absoluto.
Aqueles que buscam o poder podem não
aceitar as regras éticas definidas pelos costumes, a tradição e, pelo
contrário, adoptam outras normas e regem-se por outros critérios que os ajudam
a obter o triunfo. Tentam mesmo convencer as outras pessoas de que são éticos
no sentido do objectivo supremo por eles definido tentando conciliar o poder e
o reconhecimento da moralidade.
Assim foi que se sentaram na cadeira do poder muitos daqueles para
quem a ética dos costumes virtuosos, das leis naturais, da fé, do voluntarismo
e da disciplina são palavra vã. Daí ao poder absoluto, à
ausência de regras consensualmente construídas, ao Direito «pret à porter» e à
dissolução do Estado de Direito, vulgo o fascismo, não dista muito ou não dista
mesmo nada. Ignorados os princípios que definem o bem-comum, instala-se o
“salve-se quem puder”, instala-se a razão da força em oposição à força da
razão.
Globalizado e sacralizado o império da
competição desenfreada, não mais resta qualquer esperança de sobrevivência aos
que não sejam campeões. E a alternativa para os não campeões – em que o 2º
classificado mais não é do que o 1º vencido – é unicamente a de serem servos.
Servos mais ou menos mitigados, mais ou menos engravatados, numa gaiola mais ou
menos doirada mas servos e apenas servos.
O poder mal alcançado é o oposto da glória e por isso me apetece
voltar a Popper para, com ele, lastimar que, perante tanta desgraça, «só nos
reste ir para o Inferno».
Mas não, pelo contrário, opto pelo título verdadeiro do romance de
Graham Greene, «THE POWER AND THE GLORY».
[1] - Corruptela do título do
livro de Graham Greene, “THE POWER AND THE GLORY”
[2] D. QUIXOTE, 4ª edição,
Maio de 2010
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