Faço minhas as últimas palavras do segundo texto de M. J. Avillez. Gente que se preza e que
é prezada nos sítios certos, onde as distinções sociais obedecem aos padrões
vulgares da antiga aristocracia, mostrando quão ilusórias são as pretensões
democráticas actuais, que mascaram um real desamor humano, nesses países de
aparência de democracia, estatuída há mais tempo, todavia, do que no nosso.
Refiro-me ao caso da cena de racismo num avião que sulcou a Europa, em que a
senhora alvo da agressão racista é que teve de se levantar e mudar, e o homem
que a atacou verbalmente permaneceu no seu lugar, por ordem do encarregado
superior do voo. É que, assim que ouvi a notícia, pensei exactamente isso que
MJA logo condena, como aristocrata de formação moral e espiritual reais, e que
confesso ser também a minha, embora de sangue plebeu.
Quanto ao resto, a mesma verve
de sempre, sacudida de real virtude e competência de pensamento. Os
comentadores o afirmam - quando não condenam, noutro padrão ideológico.
I - ANTÓNIO COSTA
- Habilidade?/premium
OBSERVADOR, 17/10/2018
Releia-se a espantosa carta de Costa a Negrão, repare-se no seu tom
ditatorial, pasme-se sobre o seu acinte, e perceber-se-á porque evoco o passado
recente socialista. Perceber-se-á ao que chegámos.
1. O
primeiro round foi ganho: que
melhor do que apanhar um país desprevenido num fim de semana com Fátima,
futebol e Leslie para despedir quatro ministros de uma assentada? A surpresa
política, forte, convenhamos, só iludiu porém os distraídos,
Ao ter metido tudo no mesmo saco, relativizando e desqualificando os
pesados casos que tinha pela frente, António Costa exibiu aquela leveza de
pensamento e comportamento de quem tudo se permite por se achar incólume,
talvez mesmo acima do bem e do mal. Chamam-lhe
“habilidade”. Grande parte da plateia aplaude mas repare-se na leveza:
ao fim de um longo folhetim indecoroso, a questão de Tancos — que arrasaria
qualquer governo pela gravidade da sua dupla natureza militar e política foi
publicamente transformada pelo primeiro-ministro na ressurreição do seu próprio
Executivo. Despejou-se o titular da
Defesa à mistura com outros que (afinal?) urgiam ser despejados e eis, do pé
para a mão, um governo, “novo”, “fresco”, “combativo”. Pronto para tudo, que o
governante está atento à felicidade dos governados e quis demonstrá-lo. Pronto
para tudo e apto para tudo: não é verdade que veremos alguns dos seus membros
defender politicamente um Orçamento de Estado que eles não fizeram, nem leram,
mas do qual passam a ser os responsáveis, amanhã ou depois?
2. À
primeira vista foi isto mesmo, um bom número político: houve bravos da plateia
socialista, genuíno espanto dos compagnons de route e no
tal país mais distraído – ou que intencionalmente se refugia na distracção –
ouviram-se hinos (que carecem de reciclagem) à habilidade de Costa. Apanhada pela minha própria surpresa na Madeira
(onde Leslie, amavelmente, não impediu o quente mar, o sol e o grato usufruto
de jardins encantados) concluí porém que
quem arreda assim Defesa, Economia, Saúde, Cultura, emite alguns sinais de
apreensão. O político António Costa leu os sinais vermelhos, mas uma boa
percepção política das coisas não é o mesmo que saber domesticar uma governação
que reclama poder de decisão e escolhas seguras, o que a bicuda circunstância
geringoncional e as cedências a que obriga, têm quase sistematicamente
impedido. Não é raro que o político
e o governante descoincidam. Basta
aliás reparar que enquanto o político gozava a vitória da sua jogada de
antecipação, o governante era obrigado a pescar os seus novos reforços onde
podia: nas suas próprias águas. Viva a gestão do dia a dia com amigos fiéis.
3. Tudo isto acabará mal, vem
nos livros, virá nas urnas. Poderá porém acabar pior – e este é hoje o meu
ponto – quando a crescente arrogância do político, o abuso do tudo se permitir,
ou a suas habilidades, comecem a parecer-se demasiado com o passado recente do
PS. Exagero? Releia-se a espantosa carta de António Costa a Fernando Negrão,
repare-se no seu tom quase ditatorial, p asme-se sobre o seu acinte, e depois
perceber-se-á o que quero dizer quando evoco hoje o passado recente socialista.
E sobretudo perceber-se-á ao que chegámos.
4. A necessidade de mimar a
“cultura” que acode ao espírito de todo e qualquer político na véspera das
“suas” eleições, precisava agora de melhor expressão e maior sedução. Vai
ser preciso fazer barulho e fazer de conta: que há o dinheiro que não há, que
há a consideração rendida do poder para com o universo cultural, que raramente
há. No abrir de porta de um ano triplamente eleitoral a démarche do poder para
com a cultura será mais viva, simulará ser mais generosa e parecerá estar mais
atenta: a grande família cultural da
esquerda tem de ser levada ao colo. Menos pelo que simboliza, mais pelo seu
ilimitado poder mediático. Não sei o que desgosta mais: se testemunhar
um poder político que se irá prestar a esta encenação em nome da caça ao voto;
se ver alguma gente respeitável — e culta — participar no espectáculo com o élan
e o empenho que se usa quando as coisas são sérias.
5. Os últimos serão os primeiros: dificilmente se discorda da
escolha de João Gomes Cravinho para a massacrada Defesa. Tudo abona em seu
favor, tudo parece recomendá-lo para o cargo -como num certo sentido tudo
desaconselhava o seu antecessor. João Gomes Cravinho possui desde logo o
entendimento da delicadeza da sua missão, oxalá possua igualmente a autoridade
e a vontade política de remover o joio e salvar o trigo. O passado indigno que
herda pô-lo-á à prova mais que os outros, dele espera-se esse “muito” que
é a certeza de acabar com Tancos de uma vez por todas. Com isso redimindo quem
deve ser redimido, punindo quem deve ser punido e desagravando o país, durante
longos meses tomado por parvo.
COMENTÁRIO:
Santos Rosas: Partilho
integralmente todo o artigo. Diria mais, o sr Costa tem a noção de que esta
geringonça não terá muita longevidade e vai comprometendo futura governação de
outro partido, com a execução de benesses que não poderão ser mantidas. É
assim que com papas e bolos os tolos vão dando o seu voto no alterne a que o ps
se habituou.
II- GOVERNO - Sinais /Premium
OBSERVADOR, 24/10/18
Espanta este visceral complexo de afirmação perante um passado que
provavelmente incomoda mais António Costa e os seus pares do que recomendaria a
racionalidade política.
1. Saber ler os sinais na política é um dom avaro. Não sei se
a Ciência Política ensina a lê-los, mas devia. Os sábios transformam os sinais
num trunfo político, os soberbos nem tanto. Fazem mal.
No nosso céu político alguns
sinais aceleraram a sua valsa. O PS acredita porém — e como tal se comporta e
exibe — que a generalidade dos portugueses só dança a valsa dos bons sinais, a
dessa luz acesa pelo governo, após as trevas trazidas pela coligação anterior.
2. Os votos andam demasiado calados e votos calados são normalmente
sinal de desconformidade. Não sei se quem cala o voto o faz por (intencional)
alheamento, muda indiferença ou mero cansaço. Sei o que interessa: nem o PS
parece ser o porto de abrigo dessa (suposta?) grande onda de felicidade, nem,
de momento, o seu “termómetro” eleitoral marca subidas de marés dignas de
registo. Não ignoro que nada muda mais rapidamente do que a política e que o PS
pode — finalmente — ganhar as próximas eleições. Mas é sobre os sinais deste “
hoje” que agora escrevo. E hoje o PS, colhendo votos, não os colhe ao ritmo
do seu transbordante optimismo.
3. O défice-quase-zero tudo
permite? O governo acha que sim, comportando-se abertamente como “o dono” — o
pior modo da arrogância na política. Qualquer decisão governamental,
seja um projecto, escolha de pessoas, medida, etc, cuja fisionomia política
suscite a dúvida ou cujos contornos éticos mereçam ser democraticamente
questionáveis, é de imediato cortada por um “não tem a menor importância”. Ou então fica a jazer numa
altiva — e estéril — mudez governamental e a vida continua: o camarote real
socialista a nada se sente obrigado. Os argumentos das oposições e dos
discordantes ficam à porta: não contam. Estorvam a glória da narrativa. Contam
apenas formalmente para fazer de conta que no parlamento vigora o debate
político-partidário saudável, útil, civilizado, que não vigora: a olho nu, a
oposição é mais vezes cilindrada pelo uso do desprezo pessoal de António Costa
e muito menos pela argumentação governamental contra ela. Tudo isto fervido
pela obsessão com o passado de que, misteriosamente, ninguém naquela morada se
liberta: qualquer vitória que o governo considere sua é, logo a seguir,
velozmente atirada à cara dos antecessores. (Um tique doentio a não ser que o
passado incomode mais António Costa e os seus do que a racionalidade política
recomendaria. )
4. Hoje,
em Portugal, são raros os jovens – vinte, trinta anos – que, não tendo fortuna
pessoal sólida, ou não sendo super-protegidos pelas suas circunstâncias
familiares, estejam em condições de fundar uma família, comprar uma casa,
iniciar nova etapa, crescer na vida. Péssimo sinal, já que falamos de sinais e
de os saber ler. E péssima radiografia que as Web Summits, o défice zero,
as movidas, a cintilação do sucesso, o país das capas das revistas
internacionais, não apaga. Não
cometeria a imbecilidade de achar que a culpa é deste governo, a nossa
circunstância é o que é, e o país está cada vez mais pobre. Mas, se as coisas
são o que são, o Governo, os socialistas, a geringonça, a esquerda, longe de
serem excepcionais e não tendo salvo o país de absolutamente nada, distribuem
ilusão e ilusões como se elas fossem “sustentáveis”. Pode chegar um dia, mesmo
que não seja amanhã, em que a descoincidência entre a ficção governamental e a
realidade nacional faça ouvir a sua voz: parece-me difícil que um jovem que
legitimamente aspira a uma vida “dele” e “feita” por ele, se deixe acalentar
por novela tão rosada quando, pela enésima vez, não consegue casa, nem
orçamento, nem um futuro por aí além; que a classe média possa indefinidamente
arcar com esta mochila fiscal, directa ou indirecta, cujo resultado lhe nivela
a vida pela “cepa torta”, ao vetar-lhe qualquer legítima ambição; que o
tecido empresarial — pulmão económico de um país que não cresce há mais de uma
década, seja incompreensivelmente secundarizado pelo poder, apesar de promessas
e garantias; que os empresários estejam tão empolgados com o novo Orçamento
quanto os seus auto-empolgados autores; que as populações do centro do país —
para descer ainda mais ao quotidano mais trivial – sintam grande afinidade com
as autoridades políticas ou administrativas após terem sido inconcebivelmente
abandonadas por todas elas, aquando da tempestade Leslie; que quem espera a
casa prometida há mais de um ano, após os fogos de 2017, ainda não a tenha,
apesar de discursos emocionados, visitas televisionadas e banhos estivais na
zona (só uma magra percentagem do total prometido está construído ).
5. Que, que, que.
6. Mais do mesmo? Enquanto as coisas forem as coisas esvoaçantes
que são, sim. Mais do mesmo.
P.S.: Num banal voo entre duas
cosmopolitas cidades europeias um gémeo de Bolsonaro, com o gesto e
verbo descontrolados, insultou uma mulher de cor, sentada ao seu lado no avião:
fê-lo por ela ser negra e falar “estrangeiro”. Não sei o que é pior: se este
eloquentíssimo sinal de um tempo que veio para ficar; se um comandante de uma
companhia aérea europeia que acha “normal” — que se saiba — não intervir face
ao obsceno comportamento do passageiro. Se não podia apeá-lo (custa caro),
deveria exemplarmente tê-lo posto a bom recato no avião, “à parte”, como se
estivesse possuído de um mal contagiante. Ao contrário, foi a mulher que
pressurosamente foi mudada de lugar. A tripulação não pestanejou — a cena teve
como interveniente um único membro fardado — o comandante calou. O voo seguiu o
seu destino. Não fora a filmagem de um passageiro e esta indecência nunca tinha
existido. Eis o que nos espera.
José Maria: Mais sinais... Passos
Coelho: Os melhores anos ainda
estão para vir:
Passos 2013: Verdade.
Assim tem sido desde Novembro de 2015, como todas as estatísticas o demonstram.
Em 2016, Portugal conseguiu o resultado histórico do índice mais baixo de GINI,
que mede a desigualdade na distribuição do rendimento.Os malefícios da política
anti-social do PSD/CDS começaram a ser revertidos. Por isso mesmo, é que a
direita tem baixado sucessivamente nas sondagens e teve um resultado
vergonhoso nas últimas eleições autárquicas, que serviram de guia de marcha
para a saída baixa do pantomineiro.
: Não néscio, assim tem sido desde que Passos acabou com a roubalheira
do teu gangue, meteu a justiça a funcionar mesmo com os poderosos e nos tirou
do enorme buraco em que o PS deixou Portugal. De 2013 a 2015 viemos sempre em
crescendo na economia e com redução no crescimento da dívida, em 2015 o PS
reverteu isso também, abrandou, estagnou, reduziu-se em 2016, descontado o
efeito da inflação o país está estagnado, e temos muito mais stock de dívida,
crescemos 1€ por cada 2€ que cresceu a dívida. As políticas "anti sociais" começaram com Sócrates e com
Costa com os PEC, ainda andavam entretidos a gamar em TGV, aeroportos, museus e
outras obras faraónicas e aceleraram depois de falirem o Estado com o memorando
que desenharam. Não confundas causas com efeitos troll!
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