quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Eles não pertenciam ao MeToo.

Faço minhas as últimas palavras do segundo texto de M. J. Avillez. Gente que se preza e que é prezada nos sítios certos, onde as distinções sociais obedecem aos padrões vulgares da antiga aristocracia, mostrando quão ilusórias são as pretensões democráticas actuais, que mascaram um real desamor humano, nesses países de aparência de democracia, estatuída há mais tempo, todavia, do que no nosso. Refiro-me ao caso da cena de racismo num avião que sulcou a Europa, em que a senhora alvo da agressão racista é que teve de se levantar e mudar, e o homem que a atacou verbalmente permaneceu no seu lugar, por ordem do encarregado superior do voo. É que, assim que ouvi a notícia, pensei exactamente isso que MJA logo condena, como aristocrata de formação moral e espiritual reais, e que confesso ser também a minha, embora de sangue plebeu.

Quanto ao resto, a mesma verve de sempre, sacudida de real virtude e competência de pensamento. Os comentadores o afirmam - quando não condenam, noutro padrão ideológico.
I - ANTÓNIO COSTA - Habilidade?/premium
OBSERVADOR, 17/10/2018
Releia-se a espantosa carta de Costa a Negrão, repare-se no seu tom ditatorial, pasme-se sobre o seu acinte, e perceber-se-á porque evoco o passado recente socialista. Perceber-se-á ao que chegámos.
1. O primeiro round foi ganho: que melhor do que apanhar um país desprevenido num fim de semana com Fátima, futebol e Leslie para despedir quatro ministros de uma assentada? A surpresa política, forte, convenhamos, só iludiu porém os distraídos,
Ao ter metido tudo no mesmo saco, relativizando e desqualificando os pesados casos que tinha pela frente, António Costa exibiu aquela leveza de pensamento e comportamento de quem tudo se permite por se achar incólume, talvez mesmo acima do bem e do mal. Chamam-lhe “habilidade”. Grande parte da plateia aplaude mas repare-se na leveza: ao fim de um longo folhetim indecoroso, a questão de Tancos — que arrasaria qualquer governo pela gravidade da sua dupla natureza militar e política foi publicamente transformada pelo primeiro-ministro na ressurreição do seu próprio Executivo. Despejou-se o titular da Defesa à mistura com outros que (afinal?) urgiam ser despejados e eis, do pé para a mão, um governo, “novo”, “fresco”, “combativo”. Pronto para tudo, que o governante está atento à felicidade dos governados e quis demonstrá-lo. Pronto para tudo e apto para tudo: não é verdade que veremos alguns dos seus membros defender politicamente um Orçamento de Estado que eles não fizeram, nem leram, mas do qual passam a ser os responsáveis, amanhã ou depois?
2. À primeira vista foi isto mesmo, um bom número político: houve bravos da plateia socialista, genuíno espanto dos compagnons de route e no tal país mais distraído – ou que intencionalmente se refugia na distracção – ouviram-se hinos (que carecem de reciclagem) à habilidade de Costa. Apanhada pela minha própria surpresa na Madeira (onde Leslie, amavelmente, não impediu o quente mar, o sol e o grato usufruto de jardins encantados) concluí porém que quem arreda assim Defesa, Economia, Saúde, Cultura, emite alguns sinais de apreensão. O político António Costa leu os sinais vermelhos, mas uma boa percepção política das coisas não é o mesmo que saber domesticar uma governação que reclama poder de decisão e escolhas seguras, o que a bicuda circunstância geringoncional e as cedências a que obriga, têm quase sistematicamente impedido. Não é raro que o político e o governante descoincidam. Basta aliás reparar que enquanto o político gozava a vitória da sua jogada de antecipação, o governante era obrigado a pescar os seus novos reforços onde podia: nas suas próprias águas. Viva a gestão do dia a dia com amigos fiéis.
3. Tudo isto acabará mal, vem nos livros, virá nas urnas. Poderá porém acabar pior – e este é hoje o meu ponto – quando a crescente arrogância do político, o abuso do tudo se permitir, ou a suas habilidades, comecem a parecer-se demasiado com o passado recente do PS. Exagero? Releia-se a espantosa carta de António Costa a Fernando Negrão, repare-se no seu tom quase ditatorial, p asme-se sobre o seu acinte, e depois perceber-se-á o que quero dizer quando evoco hoje o passado recente socialista. E sobretudo perceber-se-á ao que chegámos.
4. A necessidade de mimar a “cultura” que acode ao espírito de todo e qualquer político na véspera das “suas” eleições, precisava agora de melhor expressão e maior sedução. Vai ser preciso fazer barulho e fazer de conta: que há o dinheiro que não há, que há a consideração rendida do poder para com o universo cultural, que raramente há. No abrir de porta de um ano triplamente eleitoral a démarche do poder para com a cultura será mais viva, simulará ser mais generosa e parecerá estar mais atenta: a grande família cultural da esquerda tem de ser levada ao colo. Menos pelo que simboliza, mais pelo seu ilimitado poder mediático. Não sei o que desgosta mais: se testemunhar um poder político que se irá prestar a esta encenação em nome da caça ao voto; se ver alguma gente respeitável — e culta — participar no espectáculo com o élan e o empenho que se usa quando as coisas são sérias.
5. Os últimos serão os primeiros: dificilmente se discorda da escolha de João Gomes Cravinho para a massacrada Defesa. Tudo abona em seu favor, tudo parece recomendá-lo para o cargo -como num certo sentido tudo desaconselhava o seu antecessor. João Gomes Cravinho possui desde logo o entendimento da delicadeza da sua missão, oxalá possua igualmente a autoridade e a vontade política de remover o joio e salvar o trigo. O passado indigno que herda pô-lo-á à prova mais que os outros, dele espera-se esse “muito” que é a certeza de acabar com Tancos de uma vez por todas. Com isso redimindo quem deve ser redimido, punindo quem deve ser punido e desagravando o país, durante longos meses tomado por parvo.
COMENTÁRIO:
Santos Rosas: Partilho integralmente todo o artigo. Diria mais, o sr Costa tem a noção de que esta geringonça não terá muita longevidade e vai comprometendo futura governação de outro partido, com a execução de benesses  que não poderão ser mantidas. É assim que com papas e bolos os tolos vão dando o seu voto no alterne a que o ps se habituou.
II- GOVERNO - Sinais /Premium
OBSERVADOR, 24/10/18
Espanta este visceral complexo de afirmação perante um passado que provavelmente incomoda mais António Costa e os seus pares do que recomendaria a racionalidade política.
1. Saber ler os sinais na política é um dom avaro. Não sei se a Ciência Política ensina a lê-los, mas devia. Os sábios transformam os sinais num trunfo político, os soberbos nem tanto. Fazem mal.
No nosso céu político alguns sinais aceleraram a sua valsa. O PS acredita porém — e como tal se comporta e exibe — que a generalidade dos portugueses só dança a valsa dos bons sinais, a dessa luz acesa pelo governo, após as trevas trazidas pela coligação anterior.
2. Os votos andam demasiado calados e votos calados são normalmente sinal de desconformidade. Não sei se quem cala o voto o faz por (intencional) alheamento, muda indiferença ou mero cansaço. Sei o que interessa: nem o PS parece ser o porto de abrigo dessa (suposta?) grande onda de felicidade, nem, de momento, o seu “termómetro” eleitoral marca subidas de marés dignas de registo. Não ignoro que nada muda mais rapidamente do que a política e que o PS pode — finalmente — ganhar as próximas eleições. Mas é sobre os sinais deste “ hoje” que agora escrevo. E hoje o PS, colhendo votos, não os colhe ao ritmo do seu transbordante optimismo.
3. O défice-quase-zero tudo permite? O governo acha que sim, comportando-se abertamente como “o dono” — o pior modo da arrogância na política. Qualquer decisão governamental, seja um projecto, escolha de pessoas, medida, etc, cuja fisionomia política suscite a dúvida ou cujos contornos éticos mereçam ser democraticamente questionáveis, é de imediato cortada por um “não tem a menor importância”. Ou então fica a jazer numa altiva — e estéril — mudez governamental e a vida continua: o camarote real socialista a nada se sente obrigado. Os argumentos das oposições e dos discordantes ficam à porta: não contam. Estorvam a glória da narrativa. Contam apenas formalmente para fazer de conta que no parlamento vigora o debate político-partidário saudável, útil, civilizado, que não vigora: a olho nu, a oposição é mais vezes cilindrada pelo uso do desprezo pessoal de António Costa e muito menos pela argumentação governamental contra ela. Tudo isto fervido pela obsessão com o passado de que, misteriosamente, ninguém naquela morada se liberta: qualquer vitória que o governo considere sua é, logo a seguir, velozmente atirada à cara dos antecessores. (Um tique doentio a não ser que o passado incomode mais António Costa e os seus do que a racionalidade política recomendaria. )
4. Hoje, em Portugal, são raros os jovens – vinte, trinta anos – que, não tendo fortuna pessoal sólida, ou não sendo super-protegidos pelas suas circunstâncias familiares, estejam em condições de fundar uma família, comprar uma casa, iniciar nova etapa, crescer na vida. Péssimo sinal, já que falamos de sinais e de os saber ler. E péssima radiografia que as Web Summits, o défice zero, as movidas, a cintilação do sucesso, o país das capas das revistas internacionais, não apaga. Não cometeria a imbecilidade de achar que a culpa é deste governo, a nossa circunstância é o que é, e o país está cada vez mais pobre. Mas, se as coisas são o que são, o Governo, os socialistas, a geringonça, a esquerda, longe de serem excepcionais e não tendo salvo o país de absolutamente nada, distribuem ilusão e ilusões como se elas fossem “sustentáveis”. Pode chegar um dia, mesmo que não seja amanhã, em que a descoincidência entre a ficção governamental e a realidade nacional faça ouvir a sua voz: parece-me difícil que um jovem que legitimamente aspira a uma vida “dele” e “feita” por ele, se deixe acalentar por novela tão rosada quando, pela enésima vez, não consegue casa, nem orçamento, nem um futuro por aí além; que a classe média possa indefinidamente arcar com esta mochila fiscal, directa ou indirecta, cujo resultado lhe nivela a vida pela “cepa torta”, ao vetar-lhe qualquer legítima ambição; que o tecido empresarial — pulmão económico de um país que não cresce há mais de uma década, seja incompreensivelmente secundarizado pelo poder, apesar de promessas e garantias; que os empresários estejam tão empolgados com o novo Orçamento quanto os seus auto-empolgados autores; que as populações do centro do país — para descer ainda mais ao quotidano mais trivial – sintam grande afinidade com as autoridades políticas ou administrativas após terem sido inconcebivelmente abandonadas por todas elas, aquando da tempestade Leslie; que quem espera a casa prometida há mais de um ano, após os fogos de 2017, ainda não a tenha, apesar de discursos emocionados, visitas televisionadas e banhos estivais na zona (só uma magra percentagem do total prometido está construído ).
5. Que, que, que.
6. Mais do mesmo? Enquanto as coisas forem as coisas esvoaçantes que são, sim. Mais do mesmo.
P.S.: Num banal voo entre duas cosmopolitas cidades europeias um gémeo de Bolsonaro, com o gesto e verbo descontrolados, insultou uma mulher de cor, sentada ao seu lado no avião: fê-lo por ela ser negra e falar “estrangeiro”. Não sei o que é pior: se este eloquentíssimo sinal de um tempo que veio para ficar; se um comandante de uma companhia aérea europeia que acha “normal” — que se saiba — não intervir face ao obsceno comportamento do passageiro. Se não podia apeá-lo (custa caro), deveria exemplarmente tê-lo posto a bom recato no avião, “à parte”, como se estivesse possuído de um mal contagiante. Ao contrário, foi a mulher que pressurosamente foi mudada de lugar. A tripulação não pestanejou — a cena teve como interveniente um único membro fardado — o comandante calou. O voo seguiu o seu destino. Não fora a filmagem de um passageiro e esta indecência nunca tinha existido. Eis o que nos espera.
COMENTÁRIOS:
José Maria: Mais sinais... Passos Coelho: Os melhores anos ainda estão para vir: Passos 2013: Verdade. Assim tem sido desde Novembro de 2015, como todas as estatísticas o demonstram. Em 2016, Portugal conseguiu o resultado histórico do índice mais baixo de GINI, que mede a desigualdade na distribuição do rendimento.Os malefícios da política anti-social do PSD/CDS começaram a ser revertidos. Por isso mesmo, é que a direita tem baixado sucessivamente nas  sondagens e teve um resultado vergonhoso nas últimas eleições autárquicas, que serviram de guia de marcha para a saída baixa do pantomineiro.
Miguel Cardoso -> josé maria: Não néscio, assim tem sido desde que Passos acabou com a roubalheira do teu gangue, meteu a justiça a funcionar mesmo com os poderosos e nos tirou do enorme buraco em que o PS deixou Portugal. De 2013 a 2015 viemos sempre em crescendo na economia e com redução no crescimento da dívida, em 2015 o PS reverteu isso também, abrandou, estagnou, reduziu-se em 2016, descontado o efeito da inflação o país está estagnado, e temos muito mais stock de dívida, crescemos 1€ por cada 2€ que cresceu a dívida. As políticas "anti sociais" começaram com Sócrates e com Costa com os PEC, ainda andavam entretidos a gamar em TGV, aeroportos, museus e outras obras faraónicas e aceleraram depois de falirem o Estado com o memorando que desenharam. Não confundas causas com efeitos troll!

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