Exemplifico o conceito
expresso por Salles da Fonseca, a partir
de um verso de Alberto Caeiro – “Pensar
incomoda como andar à chuva” - cujo sentido é objecto da sua contestação - com um texto de Teresa Sofia Serafim, do Público de 23/10, divulgando a extraordinária odisseia de um jovem explorador da Antárctida, Barney Swan, que ali “andou cerca de mil
quilómetros até chegar ao Pólo Sul, em Janeiro deste ano”, primeiro acompanhado do pai,
Robert
Swan, e
continuando so com os companheiros a sua viagem de trenó, por desistência daquele. Num intuito
aventureiro, inicialmente, seguindo as pisadas do pai - “Em
1989, Robert Swan tornou-se a primeira pessoa a andar no Pólo Sul e no Pólo
Norte” - tendo fundado a “organização
2041 ClimateForce” com fins educativos de prevenção contra os desastres
ecológicos causados pela inconsciência humana. O texto de Teresa Sofia Serafim é uma autêntica história de encantar, que
subentende enorme espírito de sacrifício aliado a uma vontade indomável de “salvar a Terra” deste jovem de 24 anos,
e os companheiros, merecedor, certamente, também de prémio, pelo alcance da sua
mensagem de anti-poluição salvadora do nosso planeta.
Mas, continuando no espírito da mensagem de Salles da Fonseca, de que é
pelo pensamento que algo se cria, de superior, não podemos rejeitar, nessa
criatividade, o complemento da emoção e da sensibilidade a ele aliados. Acabo
de assistir, no 2º Canal, a um concerto de “Carmina
Burana”, e fico maravilhada com tais provas do engenho humano e da
extraordinária adaptação sinfónica e coral feita por Carl Orff (1895-1982) em
1935, de textos medievais exaltadores dos prazeres da vida, executada por uma enorme
orquestra e coral franceses, julgo, onde entrava diversidade de componentes,
entre os quais rapazinhos cantores.
Fernando Pessoa /A. Caeiro), um homem só, embrulhado em pensamentos de
extrema genialidade…
Quanta maravilha neste mundo de acção e pensamento! A acefalia é,
talvez, a excepção à regra. Mas, como disse Reinaldo
Ferreira, “Mínimo sou, Mas quando ao Nada empresto A
minha elementar realidade, O Nada é só o resto.” Com acefalia ou sem
ela, o Homem é uma extraordinária criatura criadora.
HENRIQUE SALLES DA
FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 26.10.18
Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais. (…)
Ser poeta não é uma ambição minha,
É a minha maneira de estar sozinho.
Alberto Caeiro In “O Guardador de Rebanhos”
O poeta que me perdoe, mas
prefiro o incómodo à acefalia.
Quanto à poesia, creio que há
muito quem se limite aos jogos de palavras e sons pelo que raramente ela faz
sentido no papel; prefiro-a na vida.
II - ANTÁRCTIDA - Barney Swan
sobreviveu dois meses no Pólo Sul só com energia renovável
Ao longo de 60 dias, um explorador
percorreu a Antárctida com um trenó que tinha um sistema que lhe permitiu
derreter gelo para ter água. Nessa expedição, iniciou também um desafio para
limpar 326 milhões de toneladas de dióxido de carbono na atmosfera.
PÚBLICO, 23 de Outubro de 2018,
Já tinha passado mais de um mês
desde que Barney Swan começou uma expedição ao Pólo Sul e tudo se estava a
complicar. “Andar só no gelo deixa-nos
loucos. Só temos a nossa respiração e silêncio. É difícil especialmente um mês
depois. Não há banhos, não há boa comida, nada”, conta agora. Além disso, o
seu pai – Robert Swan – tinha abandonado esta aventura a meio. Mas havia algo
que movia Barney Swan e que o fez continuar: inspirar as pessoas no combate às alterações climáticas. Afinal,
na expedição de dois meses ao Pólo Sul – que terminou em Janeiro deste ano –, o
explorador e a sua equipa tornaram-se os primeiros a andar no Pólo Sul apenas com energia renovável.
Barney Swan, de 24 anos,
nascido no Reino Unido e agora a viver nos Estados Unidos, não se considera bem
um explorador. Aliás, para si, um explorador é já algo obsoleto. “Todos sabem
onde os mapas terminam, sabe-se explorar os oceanos profundos ou ir ao espaço. Somos
aventureiros não exploradores”, considera. “Só queria ter uma história que fosse relevante para falar de
desenvolvimento sustentável.”
No fundo, Barney Swan está a
seguir os passos do seu pai agora com 62 anos. Em 1989, Robert Swan tornou-se a primeira pessoa a andar no Pólo Sul e no
Pólo Norte. “As suas expedições foram épicas: não havia GPS, rádio, nem rede
de protecção”, lembra Barney Swan. Como tal, Robert Swan fundou a
organização 2041 ClimateForce, inspirado no explorador Jacques Cousteau.
O nome da fundação refere-se ao Tratado da Antárctida, que determinou que o continente só
deverá ser usado para fins pacíficos e científicos até 2041. “Basicamente, a
fundação que o meu pai fez serve para educar e inspirar as pessoas.”
Ao longo da sua vida, Barney
Swan sempre ouviu histórias sobre as expedições do pai e sentiu o peso do
seu legado. Há uns anos, quando num encontro da NASA (em São Francisco)
lhes falaram do que estava a acontecer na Antárctida, nomeadamente do degelo, pai e filho sentiram que tinha chegado o
momento de fazerem uma expedição em conjunto. “Queríamos [passar] uma mensagem focada na Antárctida e que as pessoas
se sentissem inspiradas.” Juntamente com mais duas pessoas, prepararam uma
expedição ao Pólo Sul só com energia renovável.
Como conseguiram? Levaram
nos seus trenós uns painéis solares – fornecidos pela NASA –, que derretiam
gelo e lhes permitia ter água. “Com estes ‘fornos’ de gelo movidos a energia
solar podíamos fazer cerca de seis litros de água quente”, recorda Barney Swan.
Além disso, tinham biocombustível produzido pela empresa Shell a partir de
lascas de madeira obtidas na Índia. “Tudo isto combinado e tínhamos um sistema
de energia diferente, que nos permitiu conseguir andar milhares de
quilómetros na Antárctida [andaram
cerca de mil quilómetros até chegarem ao Pólo Sul em Janeiro] durante 60 dias
de forma sustentável.”
Barney Swan refere ainda que –
apesar de não ter notado as consequências das alterações climáticas durante a
expedição porque só a longo prazo se tornarão visíveis – o seu pai sentiu a neve mais mole do que nas expedições anteriores.
Um espelho na neve
Enquanto andava todos esses
quilómetros, Barney Swan diz que teve momentos inesquecíveis. “[O melhor]
foi quando vi cristais de gelo no ar. Como a latitude é tão baixa, só acontece
assim lá. E vi um arco-íris à volta do Sol. Foi lindo! A certa altura, tinha os
pés e a cara gelada e já nem sentia as mãos. Os meus dedos não se mexiam. Mas,
ao mesmo tempo, foi a luz mais fantástica que vi. Foi um momento
superpoderoso.”
Outro dos momentos mais poderosos foi a desistência do seu pai.
“Chegámos a meio do caminho e o meu pai disse que não conseguia continuar. Depois
de me deixar ficou tudo mais silencioso e difícil”, lembra. Também recorda
como ficou surpreendido com o seu aspecto quando chegou à estação no
Pólo Sul Amundsen-Scott, uma base de investigação dos EUA. “Há lá uma esfera
que reflecte – parece um espelho – e bandeiras [dos países que ratificaram o
Tratado da Antárctida]. Já não tomava banho há muito tempo e quando olhei [para
a esfera] … Uau! Olhei para mim depois de dois meses e parecia que tinha
envelhecido e perdido quilos [perdeu cerca de 30 quilos].”
Ao mesmo tempo pensou: “Estava
numa situação de sobrevivência, mas tinha sido eu a escolher. E tinha um
propósito.” Nessa mesma expedição,
iniciou o Desafio ClimateForce, em que pretende limpar 326 milhões de toneladas
de dióxido de carbono (CO2) da atmosfera até 2025. Esse objectivo insere-se
dentro das ambições do Acordo de Paris, de 2015, que quer limitar a subida da
temperatura até aos dois graus Celsius face aos níveis pré-industriais até ao
final do século. “Queremos criar
soluções inteligentes, usar redes de estudantes e famílias para reduzir o CO2,
usando menos plástico ou considerando melhor o que se come [ou projectos a
larga escala como reflorestação e limpeza dos oceanos]. Ou seja, coisas básicas
que todos sabemos, mas que muitas pessoas não fazem.”
Além disso, há aventuras
como uma viagem ao Árctico no próximo ano. “Queremos que líderes,
educadores e artistas venham falar de soluções e que vejam com os seus próprios
olhos um urso polar ou um glaciar a cair no oceano. É um mecanismo que o meu
pai usa há muito tempo [nos últimos 15 anos levou cerca de 3500 pessoas a
expedições nas zonas polares] para envolver e inspirar as pessoas.” Aliás,
Barney Swan esteve em Portugal na última sexta-feira para entregar o prémio de
um concurso que o banco BNP Paribas desenvolveu internamente para levar os seus
funcionários nessa expedição.
“Neste momento, o CO2 é o
elefante na sala. E as pessoas deviam preocupar-se mais”,
frisa Barney Swan. Para si, a solução está nas acções diárias e nos
incentivos que empresas e governos possam criar para que essas acções se tornem
possíveis. “Não devemos comer carne nalguns dias da semana”, diz, acrescentando
que ele só come frango e peixe. “Também devemos reconsiderar os plásticos de
uso único, o carro que conduzimos ou a origem da nossa roupa. No fundo,
tornarmo-nos cidadãos habilitados e consumidores que façam ouvir a sua voz e
que influenciem políticas e o uso de certos produtos.”
E resume: “O mais preocupante é as pessoas pensarem que o problema é dos outros e
não colocarem a responsabilidade nelas próprias. Assusta-me a passividade das
pessoas sobre este assunto.”
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