A crónica de Pacheco
Pereira sobre o ensino secundário e o estado do ensino em geral, que
intitulou de “As profissões infernais”, suscitou
catadupa de intervenções, de professores atentos não só ao texto de PP, mas
sobretudo às reacções e opiniões de cada um, o que, naturalmente, estabeleceu
diálogo entre os intervenientes, de acordo com as experiências e temperamentos
próprios, que me agradou transcrever. Chega-se à conclusão, ao lê-los, de que
vivemos hoje, no ensino, numa espécie de floresta emaranhada, em que
dificilmente se avança, num mundo de disparate e violência a que os
responsáveis ministeriais, propondo normas, em documentação vasta e contínua de
um vazio desprezível, fingem ignorar a perversidade de uma educação tosca e
desautorizada, que reduz o ensino a uma “profissão infernal”, havendo,
contudo, na sociedade, quem condene a classe docente, na ineficácia da sua
actuação e no exagero da sua reivindicação salarial. Apetece reler a “Alice no
País das Maravilhas”, no paralelo mirífico e absurdo de uma contínua
desconstrução para a qual parece que tendemos, imparavelmente.
As profissões infernais
A escola perdeu a sua função e, no meio de
tudo, estão professores sitiados no meio de um inferno cheio de hormonas sem
regras.
PÚBLICO, 6 de
Outubro de 2018,
Para além de outros
disparates e fake news, a minha “biografia” na Wikipédia começa
com a seguinte frase: “É professor do ensino
secundário.” Como se sabe, a Wikipédia é um lugar de
muita vingança e má-fé e quem a escreveu usa a expressão “professor do ensino secundário”
como um mecanismo de desvalorização, porque sabe muito bem de que grau de
ensino fui professor, até porque acrescenta mais abaixo “também leccionou no ISCTE — Instituto
Universitário de Lisboa e em instituições de ensino particular; nomeadamente na
Universidade Autónoma de Lisboa”. Ou seja, trata-se de um “professor de ensino secundário” que
leccionou na universidade, certamente por grande favor. Como eu não quero saber
da minha página da Wikipédia para coisa nenhuma, nunca corrigi nada. Corrijo
mais facilmente quando me tratam por professor doutor, que não sou, para não
correr o risco de ser incluído na escola Sócrates-Relvas de abuso de
classificações académicas.
Se a intenção é usar a
expressão “professor do ensino secundário” como
classificação pejorativa, estão bem enganados. Fui de facto professor do ensino
secundário com muita honra e fiz a diáspora habitual dos professores, dei aulas
em Vila Nova de Gaia, Coimbra, Espinho, Boticas e no Porto e aprendi muito mais
nesse deambular do que na universidade. Por uma razão muito simples: é que já era
então muito mais difícil ser professor do ensino secundário do que
universitário. E a realidade é que, quer num quer noutro grau de ensino, as
coisas pioraram muito desde esses anos.
Por isso escrevo hoje sobre os
professores do ensino secundário, e por extensão sobre todos os professores.
Não é pela sua luta sindical, nem por causa das manifestações, nem por nada
dessas coisas, embora também seja. É
pelo vilipêndio demasiado comum da condição de professor, de ser professor,
como se fosse um lugar de comodismo, salários altos, trabalho confortável e
nada desgastante. Não estou a falar das escolas e colégios privados que podem
escolher quais são os seus estudantes, à força de dinheiro e da facilidade de
afastarem quem não querem, estou a falar da escola pública, um pouco por todo o
país, mas com maior relevo nos locais mais pobres, onde as famílias estão
desestruturadas, onde a violência é endémica, onde há gangues e bullying como regra, onde tudo
é precoce e nada é maduro.
É que o problema não é o dos adolescentes de hoje, é também o dos pais
dos adolescentes de hoje, parte deles também professores, normalmente os mais
hostis aos seus colegas. O problema é uma sociedade que deixou todos os
problemas, de raça, de exclusão, de pobreza, de marginalidade, de droga para a
escola e na escola para os professores. As famílias demitem-se e acham que é a
escola que lhes deve socializar os filhos com um mínimo de “educação” e, como
isso, não acontece atiram-se contra os professores. Não é preciso ir mais longe
do que a absurda prática de deixar levar telemóveis para as aulas, sabendo-se
como se sabe que não há qualquer utilidade no seu uso, e que servem apenas para
uma nova forma de se estar “agarrado”. A completa falta de qualquer autoridade
nas escolas torna-as um falanstério de ruídos, perda de atenção, violação da
privacidade e crime, em que o comodismo dos pais, e a sua idêntica falta de
autoridade, isola a função de ensinar de qualquer utilidade social. A escola
perdeu a sua função e, no meio de tudo, estão professores sitiados no meio de
um inferno cheio de hormonas sem regras. Não admira que seja das profissões que
mais frequentam psiquiatras e psicólogos e que ardem mais depressa do que o
pavio de uma vela curta. Venham pois hipocritamente atacar os professores,
esses preguiçosos privilegiados.
Uma questão interessante de
discutir em democracia é a de saber que critérios devem existir para pagar
salários mais elevados e se
um dos fundamentais não é a dificuldade no exercício da profissão.
Se um homem do lixo, que faz um trabalho que ninguém quer, se um mineiro, que
tem um trabalho duríssimo, não deveriam ganhar muito mais do que um burocrata
ou mesmo um trabalhador qualificado ou um gerente bancário ou um técnico de
informática? E carregar sacos e caixas de cerveja, ou passar o dia a abrir
valas debaixo de um sol impiedoso nas ruas da cidade? A resposta habitual é que as qualificações
significam “valor” e produtividade, e é verdade.
Mas devem esses serem os critérios principais na atribuição de um “valor” no
salário? O
“valor” económico deve sobrepor-se à “justiça” social?
Não é uma questão fácil de responder, mas merece ser discutida. E é por isso que eu nunca alinho nessa lenda
de que os professores são uns privilegiados e que não merecem o parco salário
que ganham. Experimentem ir para Almada ou para Campanhã ou para o Seixal ou
para Sacavém ou para Setúbal dar aulas a alunos e alunas de 13, 14, 15, 16, 17,
18 anos...
COMENTÁRIOS:
marina.carreiras, 07.10.2018 : Muito obrigada pela crueza, pela verdade das suas palavras. Creio que
todos os meus colegas se identificam com aquilo que escreveu. Bem-haja. Mcumps,
MC
Maria Moreira,
07.10.2018 Parabéns
PP, como sempre certeiro, rigoroso, acutilante, desassombrado e oportuno. Não
os deixe instalarem-se na sua farsa de homens de bem. Exponha o desprezo que
mal disfarçam pela ilustração, pelo conhecimento e pelos seus agentes, muitos
políticos são homens de acção porque não tiveram unhas para a teoria. Ninguém
se questiona por que razão hoje não há Vergílios Ferreiras e Rómulos de
Carvalho, professores do ensino secundário nas escolas portuguesas. Tal como
outros nobres comentadores da nossa praça, não os deixe dormir o sono dos
justos. Muito me honra que tenha feito parte da nossa refrega.
j sousa,
Portugal 07.10.2018 : Infelizmente
a nobre e valiosa profissão de professor tem-se tornado, em tantos casos,
infernal, pela incapacidade de significativas franjas da sociedade, em
valorizar a importância da Escola na formação das gerações futuras. A Escola
deveria ter nos encarregados de educação os seus principais aliados e no
Ministério o seu principal promotor e defensor. Mas não é assim em tantos casos
e há tantos anos. Com o envelhecimento e desvalorização da classe dos
professores, caminhamos para o sério risco de uma fractura na continuidade de
um ensino público preparado para os desafios do século XXI.
Maria Moreira, 07.10.2018 O desprezo manifestado, de forma implícita
ou explícita, pela classe política em relação ao conhecimento e aos seus
agentes, é mimetizado por parte da população portuguesa, que mantém uma relação
intergeracional difícil com a escola, fruto da alta taxa de analfabetismo
vigente em Portugal antes do 25 de abril e devido à baixa escolaridade. Esta
situação demora várias gerações a ser normalizada. A massificação do ensino
e o declínio no grau de exigência aportou a desvalorização e a banalização da
escola. Daí o recurso à aquisição de títulos, sem má consciência por parte da
classe política.
Suspicious Minds, Graceland, 06.10.2018:Vivi durante umas
décadas no Minho profundo, onde o estado sempre foi pária, e onde coisas tão
básicas como o domínio da língua são um mito. Junte-se a isso a sub-cultura
dominante, e temos o caldo perfeito para que a vida de qualquer professor se
torne num autêntico inferno. Tenho muitos amigos professores, e não lhes invejo
a "sorte". São os meus heróis!
Licinio Castro, 06.10.2018: Lamento dizer isto, mas é o que eu sinto. A sociedade
está em completa desagregação. O 25 de Abril representou uma esperança de
mudança para melhor, mas estamos a estragar tudo.
Patrícia
Carreira, 06.10.2018 : Não estamos nada, isso é o típico pessimismo português.
Já dizia a minha avó que nasceu em 1915 e morreu aos 100 anos, tendo por isso
vivido de tudo: “nunca isto esteve tão bom” ??
Jose
06.10.2018 18:46: Caro Licínio Castro consulte
os documentos para ter uma opinião fundamentada sobre a sociedade portuguesa
antes do 25 de Abril. Depois de documentado verificará que escreveu um grotesco
disparate.
Tiago,
06.10.2018 22:17: Diria que negar o sentimento de alguém, dizendo que é um
disparate, demonstra mente fechada e indisposição para ouvir. Eu sinto algo
semelhante. Claro que cada caso é um caso, cada vida tem experiências e por
isso visões diferentes, mas não é difícil observar que as relações sociais
estão mudando e tendem a ser bem mais líquidas, superficiais e frágeis. As
caricaturas que retratam famílias sentadas lado a lado, cada uma no seu
telemóvel não aparecem por acaso. Enquanto antes as amizades se contavam pelos
dedos, hoje coleccionam-se "amizades" às centenas, mas não se
conhecem realmente as pessoas, apenas a bela fachada que compartilham. A
Patrícia e o Jose apontam para a evolução individual e material da sociedade
desde o 25 de abril. O Licínio aponta para o enfraquecer da argamassa social.
José Fragoso
Santos, 06.10.2018 : Entristece-me
que o Pacheco Pereira se tenha deixado transformar numa espécie de velho do
Restelo versão Z, cheio de amargura e ideias feitas. É impossível encontrar um
artigo baseado em dados concretos, estatísticas etc. Os números, não importa de
que fonte, são sempre massajados; os números são para os burocratas das folhas
de Excel; o que importa é a percepção vivida da realidade
"objectiva". Tudo num tom de superioridade moral que enjoa. Este
artigo é paradigmático. Sabemos que o salário médio de um prof. do ensino
secundário está muito acima: do salário médio nacional, do salário médio dos
seus congéneres europeus (ajustado ao poder de compra), e do salário médio dos
professores do ensino privado. Mas o que é isso importa? Obviamente, nada...
José Carvalho: 06.10.2018: Nada interessa o que
José Fragoso diz. Motivo? Não sabe praticamente nada do assunto, apenas repete
o que algum mentiroso "oficial" debitou. O que lhe importa a si a
verdade? Nada! Obviamente...
José Fragoso Santos, 07.10.2018
O José Carvalho recorre ao insulto. Segue
a escola do Pacheco Pereira, os dados que não lhes convêm são falsos. Mas
deixo-lhe algumas fontes. Só fiz uma pesquisa rápida. - O salário médio
nacional é 925 euros (PORDATA). O salário de um prof do ensino secundário é no
início de carreira 1200 euros e ao fim de 15 anos 1900 euros (página da
educação). - Segundo dados da página da educação, o salário de um prof do
ensino secundário português é equivalente ao salário de um prof do ensino
secundário francês se o ajustarmos ao poder de compra (pela tabela da OCDE).
Agora, em França, onde eu vivi e cujo sistema conheço bem, o concurso para prof
do ensino secundário é uma prova extremamente exigente com uma taxa de
insucesso gigante. Em Portugal, o acesso à profissão é o que se sabe.
jafundo,
07.10.2018. Também
está a inventar números e a comparar o incomparável sem citar fontes... tonto.
José Fragoso Santos,
07.10.2018: As
fontes estão entre parêntesis. Se não sabe obter os links a partir dos nomes,
usando o google, desejo-lhe sorte na vida. Vai precisar. Relativamente a
comparar o incomparável. Se estou a usar o índice PPP da OCDE para comparar os
salários? Que quer mais que faça? Já que a metodologia da OCDE não lhe serve, o
que é que tem a propor?
Tiago,
07.10.2018: José, 1.200 euros mal
pagam um T0 em Lisboa, de acordo com uma notícia aqui publicada. Daqui a pouco
os professores têm de morar na rua para trabalhar. Água, energia, gás, comida,
transporte, roupa, material... Nem sei como alguém sobrevive com tão pouco, a
menos que viva dependendo de mais alguém. Sendo que ainda é uma profissão
extremamente desgastante. Eu dei aulas durante um ano numa universidade, um dia
por semana e chegava em casa exausto. Nem consigo imaginar fazê-lo diariamente,
numa escola secundária, de adolescentes com hormónios lá no alto, numa época
onde os pais mal educam os filhos. Jogue o Índice PPP da OCDE no lixo e vá dar
aulas já que é tão bom.
José Fragoso
Santos, 07.10.2018: Oh Tiago... Concordo que 1200 não chega para viver
com dignidade em Lisboa. Não precisamos de viver todos no centro (mas isso é
outra conversa). E o que dizer de um enfermeiro que ganha 700 euros num lar (há
muitos, informe-se), ou de um prof de um colégio privado a ganhar a recibos
muito frequentemente menos de 1000 euros, ou de um empregado de mesa num
café... Há tantos casos e todos com vidas tão difíceis porque é que este caso é
diferente. Em média um trabalhador português ganha 925 euros. Em que país é que
vc vive? E, olhe, tem azar porque eu dou aulas numa instituição de ensino
superior em Londres onde sou avaliado todos os anos pelo meu manager e pelos
alunos. Tenho um contrato a termo e o meu salário não me permite alugar casa em
Londres. Paciência, alugo um quarto.
Tiago,
07.10.2018 : José, o que ouço quando
leio comentários como o que fez é "como eu não estou disposto a lutar pela
minha dignidade e direitos básicos, que incluem o direito de constituir família
(que vivendo num quarto certamente não o poderá fazer), opto então por
questionar aqueles que ainda estão um pouco melhor que eu." Impressionante
como a grande maioria de pessoas hoje se posiciona na urna contra ideologias
comunistas, pela ideia que equivale a igualar a riqueza por baixo, mas depois
não hesitam em atacar quem ganha apenas um pouco melhor, mas claramente
insuficiente para uma vida salutar, usando como padrão sua própria pobreza ou a
de outros. Me desculpe, mas isso é juntar à pobreza material a pobreza de
espírito. Se dá aulas, deveria era então saber e defender que merece melhor.
Boa sorte.
Maria Moreira.
07.10.2018:
Não sabe nada. Começa por dizer que os números são massajados e depois
contradiz-se e retorce para concluir o que lhe convém: o salário é bom porque
dizem as boas línguas que sim e convém acreditar nelas, porque o trabalho do
professor é irrelevante na sua escala de avaliação e porque lhe convém
juntar-se ao coro de descrédito e difamações aos professores. Experimente subir
a um arranha céus numa grande cidade, tudo o que vê é obra de professores, a
cultura, a civilização é resultado do trabalho dos professores. Os autodidactas
são uma gota no oceano e os robôs transmissores do conhecimento ainda não
existem.
Eduardo
Parrança, Ponta Delgada07.10.2018: Essa história de
que os professores ganham "balúrdios" parece quase uma anedota se não
fosse tragicamente injusto. Ganham muito? Por comparação ao ordenado mínimo?
Pois, estranho seria uma profissão desgastante destas ter um salário assim. Há
pessoas que ganham o ordenado mínimo e têm profissões desgastantes. Sem dúvida.
Mas não falemos das especificidades de cada uma das profissões. Falemos da
questão de ganharem os tais balúrdios. É totalmente falso, pelo contrário,
ganham o mesmo salário durante anos a fio. Eu dou o meu exemplo, ganho
praticamente o mesmo desde 2000... Cada vez é mais complexo ser-se professor,
com um salário do passado então, ainda pior. Hoje em dia toda a gente gosta de
falar sobre aquilo que desconhece.
Espectro,
Matosinhos 06.10.2018: O problema dos
professores são eles próprios, isto é, os maus profs, que os há aos
milhares e que se opõem a que seja reconhecido o mérito e que se progrida na
carreira tendo em conta essencialmente esse mesmo mérito, isto é, mais uma vez,
que são encarniçadamente contra a avaliação do desempenho profissional. Tirando
isso, é óbvio que a função dos profs é fundamental, dificílima e desgastante -
e sendo-o, como escreve PP (e não disse nada de novo e que não tenha sido
repetido até à náusea) cada vez mais. Mas na verdade, no meio de metade
altamente dedicada e competente, existe outra metade podre, que pouco faz,
absentista, ignorante e que não se valoriza durante a carreira. Por isso a
reforma da ministra Maria de Lurdes (governo Sócrates) era tão importante e foi
tão combatida! LOL
José Fragoso Santos, 07.10.2018:
Caro
Espectro, excelente comentário. Lúcido sem ser acintoso. Assim vale a pena !
jafundo, 07.10.2018: Quais são os bons, quais são os maus, como se mede? Mas bem medido, com
base científica, não uma cópia de um qualquer modelo corrupto que só funciona
aparentemente.
Maria Moreira, 07.10.2018 A reforma de MLR é a grande responsável pela mediocridade
nas escolas. O seu modelo de avaliação de professores foi arquitectado de forma
medíocre e só valoriza os medíocres. Quem não domina a área fica refém da
imagem de "dama de ferro" e pensa que o que arde cura e o que aperta
segura, mas não, o seu modelo já foi caracterizado, e bem, como humanamente
desprezível, por especialistas, eu diria mais, é um modelo tecnicamente
incompetente e desastroso nos seus resultados. Ao contrário do que pensa, os
professores primeiro assustaram-se, contestaram e ficaram incrédulos com a
possibilidade daquela aberração entrar em vigor, mas logo que entrou, os
"fura-vidas" adaptaram-se muito bem e prosperaram na sua sanha
medíocre e videirinha, arrastando a escola para a sua mediocridade.
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