sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Conclusão dos textos de reflexão económica e ética e um livro sobre Angola


Afinal, os textos de Salles da Fonseca enquadrados no sub -título “A Caminho do Céu” só acabaram ontem, no blog “A Bem da Nação” e assim os concluo com um novo título- “DO CAOS E DA ORDEM ou «DA FINNE AL CAPO»”, ao qual acrescento a leitura de um romance de Yara Monteiro sobre Angola, no mesmo blog.
O novo texto ético é imprescindível, como percepção do efeito de muralha que os novos meios de aculturação das massas, trazidos pela rapidez do progresso técnico, estabelecem contra os valores da educação mais clássicos, baseados, estes, num real gosto pela história - das letras, das artes, das ciências, no seu processo evolutivo, e complementados com os conceitos do Bem e do Mal, a que as teorias filosóficas libertadoras do conceito do definitivo, pela descrença e o cepticismo, extraem o radicalismo de qualquer tomada de posição, o que conduz, naturalmente, a este caos que hoje domina.
Salles da Fonseca propõe uma «reintrodução de significados tão antigos como o bem e o mal», auxiliado pela leitura de uma obra religiosa – (de D. Manuel Clemente) – que não impõe a necessidade de se ser religioso para distinguir esses conceitos, formulados no despojamento de egoísmos e na prática de deveres fundamentais, para que a ordem se restabeleça.
Quanto ao livro sobre uma Angola hoje, de Yara Monteiro, “ESSA DAMA BATE BUÉ”, parece que é revelador de uma sociedade que decaiu, naturalmente, com a sua independência, movida num universo de retrocesso.
Mas é um prazer este, de pensar que haverá sempre quem não ceda, apesar de nos parecer que o caminho é irreversível, na rapidez com que avançamos para o “buraco negro” da nossa desesperança.
 Henrique Salles da Fonseca   18.10.18
DO CAOS E DA ORDEM ou «DA FINNE AL CAPO»
A aculturação das populações pelos grandes meios de comunicação a um modelo standard e globalizado corta o acesso às raízes culturais mais endógenas e isso anula qualquer ética étnica, essência da cultura mais genuína dos povos.
Uma vez desenraizadas e fidelizadas a novas «divindades» tão motivadoras como as telenovelas (e seus complementos, os telejornais), às legiões pseudo desportivas ou aos clubes políticos, as multidões deixam-se esmagar pelo stress publicitário, acreditam na demagogia partidária e sindical que as convence de que a tudo têm direito, usam e abusam do crédito que a banca lhes apresenta como se de mais um direito se tratasse, endividam-se para além dos limites do razoável e, quando menos esperam, vêem-se falidas e perseguidas pelos algozes ao serviço dos «deuses» em que foram induzidas a acreditar.
Se a todo este absurdo somarmos a mentira institucionalizada a que está na moda chamar-se a «pós-verdade» e eufemizarmos a realidade acima descrita chamando-lhe «cenário quântico», então continuaremos na fuga para a frente rumo à completa irracionalidade.
Colhe, assim, perguntarmo-nos como estaríamos agora se as multidões já se tivessem apercebido do ocaso dessa «religião» que dá pelo nome de Hedonismo e do respectivo «deus», o Prazer.
E a questão é: - Como hão-de as multidões erguer-se acima do caos e emergir à luz do Sol?
Então, a resposta é:Pela reintrodução de significados tão antigos como o bem e o mal.
E lendo D. Manuel Clemente no seu livro “1810-1910-2010 DATAS E DESAFIOS” (pág. 121), «as coisas não são boas ou más porque Deus as mande ou as proíba; antes as manda porque são boas e as proíbe porque são más».
Ou seja, tanto o bem como o mal existem fora da discussão teológica e por isso também é possível erigirmos uma Ética laica. Não ser religioso não é, portanto, desculpa.
E onde está o mal?
O mal está no contrário do bem. Assim, basta encontrarmos o bem para que, no seu oposto, encontremos o mal.
E o que é o bem?
O bem é o que está conforme à ética e à moral sendo esta a questão dos princípios e aquela a dos factos.
A proposta laica (mas enquadrável religiosamente) que aqui endereço a todas as pessoas de boa vontade é a condição ética definida pela síntese do «eu, tu, ele»: o que é que eu quero, posso e devo fazer por ti sem o prejudicar a ele, esse terceiro que pode nem sequer ser nosso conhecido?
Uma atitude inicial que parte do voluntarismo traduzido pelo «quero», que reconhece – com mais ou menos humildade – as limitações pessoais através do «posso» e que se auto impõe o «dever»: altruísmo, humildade, sentido do dever.
E aí está ele, o contrário do bem, o mal representado pelo egoísmo, pela arrogância e pela irresponsabilidade.
Então, passando do singular ao plural na síntese do «nós, vós, eles», chegamos ao bem-comum (a que também poderemos chamar «Sentido de Estado»): o que é que nós podemos fazer por vós sem os prejudicar a eles, esses terceiros que não sabemos sequer quem são.
E assim regressamos à questão estaminal da distinção entre o bem e o mal.
Estes são temas sobre que nunca é demais pensar e sem o que nunca chegaremos ao Céu.
E foi preciso andar tanto para, afinal, regressarmos aos primórdios da Civilização?
Sim, é que, como dizia Hölderlin, o poeta atacado de mansa loucura, «somos originais porque não sabemos nada».
FIM
 Henrique Salles da Fonseca,  11.10.18
 Título – ESSA DAMA BATE BUÉ
Autora – Yara Monteiro
Editora – GUERRA E PAZ
Edição – 1ª, Setembro de 2018
Romance do mais realista que pude alguma vez imaginar. E logo eu que deixara de ler romances…
Quem quiser ter uma ideia bem aproximada daquilo em que Angola se transformou desde que assumiu a plena soberania, não pode deixar de ler este pequeno livro com apenas 197 páginas de texto distribuído por capítulos curtos.
Para não cometer inconfidências, extraio da contracapa que a personagem principal, Vitória, nasceu em Angola mas foi criada pelos avós na Malveira, em Portugal, para que se transformasse numa «boa esposa». Mas, não ultrapassando o trauma de ter sido abandonada pela mãe, uma guerrilheira, foge para Angola pouco antes do casamento à procura da mãe.
Chega a uma Luanda completamente caótica, de flagrantes contrastes sociais, aguarela em que tragédia e comédia roçam ombros. A Autora traça aqui um quadro tão realista que dá ao leitor a impressão de se encontrar envolvido pelo cenário absurdo que descreve a selva que é a actual capital angolana.
Mais do que isto, o drama por que vêm passando tantos angolanos na tentativa de recomposição duma sociedade destruída por décadas de guerra civil, a ditadura dos «todo poderosos» do regime político instaurado, o «salve-se quem puder» a que os simples se têm que entregar para garantirem a sobrevivência.
Da badana extraio que a Autora nasceu no Huambo em 1979 mas que com dois anos de idade veio para Portugal, que casou, que vive no Alentejo e se dedica à escrita a às artes plásticas.
Partes que chamaram a minha atenção:
Num último abraço de despedida, os braços trocaram de corpos, os rostos trocaram de olhos, que trocaram de alma. (pág. 16)
Conforme nos vamos aproximando do povoado, a mais visível marca da guerra é o silêncio imposto à vida diária. Até mesmo o capim tem a respiração suspensa. (pág. 17)
«Faz de conta que estás na tua casa» é uma formalidade da boa educação que intenta colocar a pessoa convidada à vontade. É bem-intencionada mas é falsa. Ou, pelo menos, assume que os hábitos na nossa casa são os mesmos do que dos de quem nos recebe. Por norma, não é o mesmo. Não fazer de conta que estamos na nossa casa é meio caminho andado para garantir uma boa convivência quando se é visita. (pág. 37)
(…) mãos que choram lágrimas caladas. (pág. 84)
[No aeroporto, ele] gosta de observar os viajantes. Imagina-lhes a vida que levam e a que tentam esconder. O mestre sabe que a aparência é enganadora. Confia mais na ausência da luz que revela a sombra.  (pág. 135)
A Lua acomoda-se na parte do céu que mais lhe convém. (pág. 156)
[Em romagem, as mulheres vão ] caminhando apoiando os pés na fé. (pág. 191)
E, concluída a leitura, a pergunta que me ocorre é: - Terão os povos angolanos evoluído algo no relacionamento entre si próprios desde os tempos em que por lá andou Paulo Dias de Novais?
Outubro de 2018

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