Afinal, os textos de Salles da
Fonseca enquadrados no sub -título “A Caminho do Céu” só acabaram ontem,
no blog “A Bem da Nação” e assim os
concluo com um novo título- “DO CAOS E DA ORDEM ou
«DA
FINNE AL CAPO»”, ao qual acrescento a leitura de um romance de
Yara
Monteiro sobre Angola, no mesmo blog.
O novo texto ético é imprescindível, como percepção do efeito de muralha
que os novos meios de aculturação das massas, trazidos pela rapidez do
progresso técnico, estabelecem contra os valores da educação mais clássicos,
baseados, estes, num real gosto pela história - das letras, das artes, das
ciências, no seu processo evolutivo, e complementados com os conceitos do Bem e
do Mal, a que as teorias filosóficas libertadoras do conceito do definitivo,
pela descrença e o cepticismo, extraem o radicalismo de qualquer tomada de
posição, o que conduz, naturalmente, a este caos que hoje domina.
Salles da Fonseca propõe uma «reintrodução de significados
tão antigos como o bem e o mal», auxiliado pela leitura de
uma obra religiosa – (de D. Manuel Clemente) – que não impõe a
necessidade de se ser religioso para distinguir esses conceitos, formulados no
despojamento de egoísmos e na prática de deveres fundamentais, para que a ordem
se restabeleça.
Quanto ao
livro sobre uma Angola hoje, de Yara Monteiro, “ESSA DAMA BATE BUÉ”, parece que é
revelador de uma sociedade que decaiu, naturalmente, com a sua independência,
movida num universo de retrocesso.
Mas é um prazer este, de
pensar que haverá sempre quem não ceda, apesar de nos parecer que o caminho é
irreversível, na rapidez com que avançamos para o “buraco negro” da nossa
desesperança.
Henrique Salles da Fonseca
18.10.18
DO CAOS E DA ORDEM ou «DA FINNE AL CAPO»
A aculturação das populações
pelos grandes meios de comunicação a um modelo standard e
globalizado corta o acesso às raízes culturais mais endógenas e isso anula
qualquer ética
étnica, essência da cultura mais
genuína dos povos.
Uma vez desenraizadas e
fidelizadas a novas «divindades» tão motivadoras como as telenovelas (e seus complementos,
os telejornais), às legiões pseudo desportivas ou aos clubes políticos, as
multidões deixam-se esmagar pelo stress publicitário,
acreditam na demagogia partidária e sindical que as convence de que a tudo têm
direito, usam e abusam do crédito que a banca lhes apresenta como se de mais um
direito se tratasse, endividam-se para além dos limites do razoável e, quando
menos esperam, vêem-se falidas e perseguidas pelos algozes ao serviço dos
«deuses» em que foram induzidas a acreditar.
Se a todo este absurdo somarmos
a mentira institucionalizada a que está na moda chamar-se a «pós-verdade» e
eufemizarmos a realidade acima descrita chamando-lhe «cenário quântico», então
continuaremos na fuga para a frente rumo à completa irracionalidade.
Colhe, assim, perguntarmo-nos como estaríamos agora se as
multidões já se tivessem apercebido do ocaso dessa «religião» que dá pelo nome
de Hedonismo e do respectivo «deus», o Prazer.
E a questão é: - Como hão-de as multidões
erguer-se acima do caos e emergir à luz do Sol?
Então, a resposta é: - Pela
reintrodução de significados tão antigos como o bem e o mal.
E lendo D. Manuel Clemente no seu livro “1810-1910-2010 DATAS E DESAFIOS” (pág. 121), «as coisas não são boas ou más porque Deus as mande ou as proíba; antes
as manda porque são boas e as proíbe porque são más».
Ou seja, tanto o bem como o mal existem fora da discussão
teológica e por isso também é possível erigirmos uma Ética laica. Não ser
religioso não é, portanto, desculpa.
E
onde está o mal?
O mal está no contrário do bem. Assim, basta encontrarmos o bem
para que, no seu oposto, encontremos o mal.
E o que é o bem?
O bem é o que está conforme à ética e à moral sendo esta a questão
dos princípios e aquela a dos factos.
A proposta laica (mas
enquadrável religiosamente) que aqui endereço a todas as pessoas de boa vontade
é a condição ética definida pela síntese do «eu, tu, ele»: o que é que eu quero, posso e devo fazer
por ti sem
o prejudicar a ele, esse
terceiro que pode nem sequer ser nosso conhecido?
Uma atitude inicial que parte
do voluntarismo traduzido pelo «quero», que reconhece – com mais ou menos
humildade – as limitações pessoais através do «posso» e que se auto impõe o
«dever»: altruísmo, humildade, sentido do dever.
E
aí está ele, o contrário do bem, o mal representado pelo egoísmo, pela
arrogância e pela irresponsabilidade.
Então, passando do singular ao
plural na síntese do «nós, vós, eles», chegamos ao bem-comum (a que também
poderemos chamar «Sentido de Estado»): o que é que nós podemos fazer por vós sem os prejudicar a eles, esses terceiros que não
sabemos sequer quem são.
E assim regressamos à questão estaminal da distinção entre o bem e
o mal.
Estes são temas sobre que nunca é demais pensar e sem o que nunca
chegaremos ao Céu.
E foi preciso andar tanto para, afinal, regressarmos aos
primórdios da Civilização?
Sim, é que, como dizia Hölderlin, o poeta atacado de mansa
loucura, «somos originais porque não sabemos nada».
FIM
Henrique Salles da Fonseca, 11.10.18
Título – ESSA DAMA
BATE BUÉ
Autora – Yara Monteiro
Editora – GUERRA E PAZ
Edição – 1ª, Setembro de 2018
Romance do mais realista que pude alguma vez imaginar. E logo eu
que deixara de ler romances…
Quem quiser ter uma ideia bem aproximada daquilo em que Angola se
transformou desde que assumiu a plena soberania, não pode deixar de ler este
pequeno livro com apenas 197 páginas de texto distribuído por capítulos curtos.
Para não cometer inconfidências, extraio da contracapa que a
personagem principal, Vitória, nasceu em Angola mas foi criada pelos avós na
Malveira, em Portugal, para que se transformasse numa «boa esposa». Mas, não
ultrapassando o trauma de ter sido abandonada pela mãe, uma guerrilheira, foge
para Angola pouco antes do casamento à procura da mãe.
Chega a uma Luanda completamente caótica, de flagrantes contrastes
sociais, aguarela em que tragédia e comédia roçam ombros. A Autora traça aqui
um quadro tão realista que dá ao leitor a impressão de se encontrar envolvido pelo cenário absurdo que descreve a selva
que é a actual capital angolana.
Mais do que isto, o drama por
que vêm passando tantos angolanos na tentativa de recomposição duma sociedade
destruída por décadas de guerra civil, a ditadura dos «todo poderosos» do
regime político instaurado, o «salve-se quem puder» a que os simples se têm que
entregar para garantirem a sobrevivência.
Da badana extraio que a Autora nasceu no Huambo em 1979 mas que
com dois anos de idade veio para Portugal, que casou, que vive no Alentejo e se
dedica à escrita a às artes plásticas.
Partes que chamaram a minha atenção:
Num último abraço de despedida, os braços trocaram de corpos, os rostos
trocaram de olhos, que trocaram de alma. (pág. 16)
Conforme nos vamos aproximando do povoado, a mais visível marca da
guerra é o silêncio imposto à vida diária. Até mesmo o capim tem a respiração
suspensa. (pág. 17)
«Faz de conta que estás na tua casa» é uma formalidade da boa educação
que intenta colocar a pessoa convidada à vontade. É bem-intencionada mas é
falsa. Ou, pelo menos, assume que os hábitos na nossa casa são os mesmos do que
dos de quem nos recebe. Por norma, não é o mesmo. Não fazer de conta que
estamos na nossa casa é meio caminho andado para garantir uma boa convivência
quando se é visita. (pág. 37)
(…) mãos que choram lágrimas caladas. (pág. 84)
[No aeroporto, ele] gosta de observar os viajantes.
Imagina-lhes a vida que levam e a que tentam esconder. O mestre sabe que a
aparência é enganadora. Confia mais na ausência da luz que revela a sombra. (pág. 135)
A Lua acomoda-se na parte do céu que mais lhe convém. (pág. 156)
[Em romagem, as mulheres vão ] caminhando apoiando os
pés na fé. (pág. 191)
E, concluída a leitura, a pergunta que me ocorre é: - Terão os povos angolanos evoluído algo no
relacionamento entre si próprios desde os tempos em que por lá andou Paulo Dias
de Novais?
Outubro de 2018
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