1ª Parte da extensa crónica
de , do Observador
- “Trump, Portugal e a Europa na transição para uma nova era /Premium”, para
um delirium tremens de aflição.
Trump, Portugal e a Europa na transição para uma nova
era /premium
OBSERVADOR,24/9/2018
Estranhos
dias. Estamos a entrar numa nova era e os Europeus parece terem apenas uma só e
uma só preocupação: distinguir e dividirem-se entre quem gosta e quem não gosta de Donald
Trump.
Numa época
presidida e dominada pelos afectos, gostar ou não gostar, afigura-se ser, de
facto, tudo quanto importa, senão mesmo tudo quanto mais importa. Não parece
muito saudável. Dir-se-á que, em política, a forma, por vezes, conta tanto ou
mais do que o conteúdo, mas confundir uma e outro não deixa ser um erro a poder
ter, por vezes, não apenas as mais nefastas como, eventualmente mesmo, as mais
catastróficas consequências.
Que o modo
de agir do actual Presidente dos Estados Unidos desencadeia sempre as mais
passionais reacções é tão patente que já nem vale a pena sequer referi-lo.
Todavia, importa perceber igualmente se o seu modo de agir não poderá ser
propositado, mesmo estudado, como, mais importante ainda, se por detrás de uma
aparente inconsequência de actuação, por vezes até aparentemente demasiado
histriónica, não poderá haver algo mais a que nem sempre estaremos a dar, em
resultado da mesma imediata reacção emocional, a devida atenção. Ou seja, numa
formulação simples, se a estratégia é a arte de conduzirmos terceiros a agirem
em nosso benefício, mesmo sem consciência disso, o que importa não será
perceber se a actuação de Donald Trump, enquanto Presidente dos Estados Unidos,
legítimo representante dos Norte-Americanos, não beneficia, em última instância
e acima de tudo, os interesses dos mesmos Norte-Americanos, levando terceiros a
reagirem, com ou sem consciência disso, em prol dos mesmos Estados Unidos e,
consequentemente, a conferir a Donald Trump popularidade que Donald Trump,
goste-se ou não da figura de Donald Trump, congrega entre os seus conterrâneos?
Se nos
colocarmos do outro lado do Atlântico e calçarmos os sapatos de um
Norte-Americano, como se costuma dizer, talvez não se afigura muito difícil
percebermos alguns factores determinantes da sua visão, perspectiva e atitude
perante o mundo actual e da correlativa popularidade de Donald Trump.
Em
primeiro lugar, temos a dimensão, a extensão territorial, recursos e uma
consequente capacidade de os Estados Unidos se fecharem ao mundo como talvez
pouco outras nações o poderão alguma vez fazer, ou sonhar sequer poderem
fazê-lo, e mais a mais num momento em que têm vindo a ultrapassar, quase em
absoluto, como também é sabido, o seu mais tradicional calcanhar de Aquiles
como era a conhecida dependência energética, não apenas pela decisiva revolução
do gás de xisto, que não respeita apenas ao gás mas também ao petróleo, bem
como pelos avanços que, pouco a pouco, vão estabelecendo nas energias
renováveis e que a prazo não deixarão de ter, evidentemente, igualmente a
devida repercussão
Praticamente autónomos em termos energéticos,
exportando já, inclusive, gás natural liquefeito um pouco para todo o mundo, a posição dos Estados Unidos é hoje, evidentemente, muito
distinta da que era há alguns anos, permitindo que a sempre latente divisão
entre os mais isolacionistas e os mais mundialistas, ou internacionalistas e
intervencionistas, se assim podemos dizer, eventualmente mais se acentue
também, cedendo os primeiros, em relação aos segundos, apenas e enquanto, nos
tempos de novo realismos e pragmatismos que estamos vivendo, tal posição conduza a ganhos e vantagens
políticas, económicas e geoestratégicas patentemente tangíveis e mensuráveis.
Numa época tão dominada por um novo realismo
político e por um não menor e até quase extremo pragmatismo, como referido, não
é natural que se vá deixando passar à
História os dias de assunção de uma espécie de divina missão de levar a
liberdade e a justiça ao mundo, como anteriormente, em prol de outras mais
imediatas razões, eventualmente menos nobres e até possivelmente mais egoístas,
como sejam a afirmação de uma tão ampla quanto possível garantia de Segurança e
Defesa do seu próprio território, assim como de uma igual protecção dos
respectivos interesses próprios espalhados um pouco por todo o mundo, a par,
evidentemente, do reforço de uma prosperidade económica o mais visível e robusta
possível? Assim se afigura. Nada de novo, dir-se-á, com toda a
razão.
A
questão do maior ou menor isolacionismo, da maior ou menor preponderância para
um mais efectivo internacionalismo e consequente intervencionismo no mundo, tem
atravessado a História dos Estados Unidos e evoluído também de acordo com a
visão mais pessoal ou institucional dos seus respectivos Presidentes, de acordo
também com as circunstâncias do mundo, como sucedeu mais, por exemplo, mais
recentemente com George Bush, tendencialmente defensor de um maior
isolacionismo mas compreendendo, após o 11 de Setembro, não podendo os próprios
Estados Unidos, na prossecução dos seus superiores interesses, isolar-se do
mundo, ser então preferível ter as respectivas tropas a combaterem a milhares
de quilómetros de distância de casa, evitando o risco de, em contrapartida,
virem um dia, eventualmente, a terem de combater o inimigo dentro de portas.
A questão de um maior isolacionismo versus um
maior internacionalismo ou intervencionismo dos Estados Unidos não é, porém,
quanto mais nos importa aqui abordar mas, olhando com olhos de ver para o mundo
actual, tentar perceber um pouco melhor a trama global quando é nítida a
persistência de uma Potência Dominante, como ainda continuam a ser, apesar de
tudo quanto se diz e se vai pouco a pouco alterando, os Estados Unidos, perante
o repto de uma nova Potência Desafiante, como se afirma, indiscutivelmente, a
China, e de uma Potência que hoje se dirá Expectante, como a actual Rússia após
os dias de Grande Potência vividos nos idos da velha União Soviética e depois
do descalabro vivido na sequência da queda do Muro de Berlim. Neste
panorama, a Europa já não exerce senão um papel relativamente Crepuscular,
ainda com valor sobretudo em termos económicos mas pouco mais.
Sobre
os Estados Unidos, Potência Dominante, não se afigura haver muitas dúvidas
sobre a sua real e efectiva capacidade económica, tecnológica e militar,
superando ainda, e de longe, as restantes nações do mundo sem que se preveja
por enquanto e a breve prazo, a possibilidade de qualquer inversão da actual
situação. Haverá, por certo, o desafio da Potência Desafiante, passe a
redundância, entre outros? Com certeza, mas é ainda larga a distância e se é
previsível uma redução relativa dessa mesma larga distância, não é, de facto,
previsível, a breve prazo, uma completa inversão da actual situação.
Em termos económico, dir-se-á ser exactamente o
que se está a verificar, por exemplo, em relação à China.
Assim
é, de facto, mas apenas muito relativamente, ou seja, as assimetrias e os
problemas internos persistentes no Império do Meio ainda levarão muitos anos a
superar para que se possa colocar em verdadeiro paralelo a sua evolução com a
dos Estados Unidos, para já nem referirmos os problemas políticos a que essas
mesmas assimetrias, por um lado, e a própria natural evolução económica e
superação, por outro, não deixarão de tender, mais cedo ou mais tarde, a
conduzir também.
Apesar de toda a aparente defesa de um certo
liberalismo económico e da liberdade do comércio, não é possível esquecer nunca
a profunda contradição de um regime ainda hoje estruturalmente
Marxista-Leninista, profundamente estatista e com práticas de mercado tudo
menos claras, não podendo tudo isto augurar nada de bom a prazo.
Com certeza, num mundo crescentemente
globalizado é natural haver um progressivo esbatimento das diferenças tanto
económicas como tecnológicas, sobretudo em relação às grandes Potências, mas,
mesmo nesse caso, necessitando a evolução e desenvolvimento económico e tecnológico
de um ecossistema que não se cria de uma dia para o outro, e menos ainda por
simples decreto, também não se vê como possam os Estados Unidos ser rapidamente
superados por terceiros, nomeadamente pela China, que, apesar de todos os
seus inegáveis e enormes avanços, ainda está muito dependente para a sua
efectiva concretização de práticas tão aparentemente condenáveis e
contraprodutivas como seja, por exemplo e tanto quanto é amplamente referido, o
total desrespeito pela propriedade intelectual.
Para
além disso, em termos puramente militares, onde mais directamente se compara o
efectivo poder das grandes Potências, o avanço dos Estados Unidos, mesmo
contando apenas com as suas actuais capacidades, como reconhecem os principais
especialistas, não deixa de lhes garantir uma supremacia dificilmente igualável
num horizonte entre 10 a 15 anos, seja pela China, seja pela Rússia. Não pode a
situação alterar-se? Pode. E porque a situação pode sempre alterar-se, importa
sempre ter igualmente em conta outro importante factor como seja o interesse
dos próprios norte-americanos em que tal supremacia, de um modo ou outro,
persista, não deixando assim de aplaudir os anunciados incrementos nos
investimentos dedicados às Forças Armadas em geral e à Marinha muito em especial,
pela actual Administração.
O mesmo que a Potência Desafiante também faz? Com certeza, não deixando de ser igualmente bem patentes os
seus investimentos nas Forças Armadas em geral e na Marinha muito em
particular, de tal forma que hoje se tornou capaz de construir desde
sofisticados Navios Hidrográficos a Porta-Aviões, como Submarinos, tanto
nucleares como convencionais, não deixando a sua frota de estar a expandir-se
de forma gradual, sistemática e contínua desde há alguns anos e sendo exactamente
nesta mesma área, i.e., na área militar, que os especialistas afirmam
detectarem os mais significativos avanços tecnológicos do Império do Meio, não
se limitando á reengenharia do material adquirido principalmente à Rússia, como
anteriormente, mas indo mesmo muito além disso.
E
facto, como é noticiado por vários meios de informação, a China neste momento
não apenas tem já planos para construção de mais 3 a 4 Porta-Aviões, dispondo
de tecnologia equiparável, segundo se comenta, ao USS Nimitz, para a construção
de um novo Destroyer, eventualmente comparável ao Zumwalt, como de novos e
igualmente sofisticados aviões furtivos conhecidos pela designação Chengdu
J-20, sendo ainda reconhecidos importantes avanços na Inteligência Artificial e
computação quântica.
A distância ainda será, porém, significativa,
mas é, e facto, passível de ser encurtada e o poder efectivo de uma nação nunca
respeita tão só estrita e exclusivamente à dimensão militar. Nesse sentido, a
par do reforço da capacidade militar mais pura e dura, a China não tem deixado
de procurar também ao longo dos últimos anos uma crescente influência económica
e diplomática em todo o mundo, sendo o mais perfeito exemplo disso a conhecida
e genericamente designada iniciativa «Uma Faixa, Uma Rota», não deixando emular,
em parte, o que os Estados Unidos têm vindo a fazer desde há décadas, dispondo
hoje, por exemplo, as mais de 700 Bases Militares que mantêm espalhadas por
mais de 60 países em todo o mundo.
Apesar
de haver quem preveja o fracasso da iniciativa «Uma Faixa, Uma Rota», em grande medida até pelos astronómicos investimentos
envolvidos, o facto é que, até agora, se encontra ainda em expansão e tem
permitido não só de acentuar a capacidade de influência de Pequim em termos
económicos como servir, inclusive, em alguns casos, de instrumento de pressão
política, ou político-económica, como sucedeu no caso do Sri Lanka, obrigado a
ceder o controlo do porto de Hambantota por contrapartida de dívidas
anteriormente contraídas a empresas chinesas, maioritariamente estatais,
naturalmente.
Voltaremos
à questão.
Entretanto, entre a Potência Actual e a Potência
Desafiante, há sempre, naturalmente, a Rússia, Potência Expectante, em
recuperação do seu pretérito poder mas ainda numa posição relativamente
enfraquecida após a derrocada do Império Soviético e os dias em que disputava a
supremacia mundial com os Estados Unidos, decaindo em seguida, a ponto de hoje
ser ter visto já ultrapassada pela China como a segunda Potência Militar do
mundo.
Apesar disso, i.e., apesar de economicamente
mais débil, tanto em relação aos Estados Unidos como em relação à China, muito
dependente das exportações de hidrocarbonetos, não tem deixado no entanto de
perseguir uma consistente modernização das suas Forças Armadas e, uma vez mais,
com especial enfâse na Marinha, desenvolvendo e construindo não apenas novos e
submarinos, tanto sofisticados submarinos nucleares como não menos sofisticados
e inovadores submarinos electrodiesel, assim como, em diferente mas correlato
plano, os mais sofisticados navios quebra-gelos, incluindo navios quebra-gelos
nucleares, únicos, afirmando também, por razões sobre as quais não valerá
talvez a pena agora mais muito mais elaborar, uma supremacia no Árctico
inimaginável ainda há um par de anos, aspecto ao qual regressaremos também mais
adiante.
Para
além disso, não deixando de continuar a possuir o maior arsenal atómico do
mundo, a Rússia não deixa nunca de se ver, de querer ver-se e ser reconhecida
como uma das Grandes Potências do mundo, como, de certo modo, até pela sua
dimensão territorial, não deixa de ser compreensível, podendo assim suspender
momentaneamente a produção e desenvolvimento dos novos tanques por razões de
ordem económica, mas não de prosseguir o desenvolvimento e construção de novos
e mais sofisticados caças furtivos como os SU-.57, bombardeiros TU-22M3M, novos
submarinos, como já referido, e mísseis, dos SS-400 aos KH-32, anunciados por
Putin como uma arma imbatível, a um ritmo que não só não tem diminuído como até
tem mesmo vindo, segundo alguns entendidos, a acentuar-se.
Em brevíssima síntese, este é o panorama actual
no que respeita aos desenvolvimentos mais significativos, sobretudo em termos
militares, em relação às maiores Potências do mundo, sendo exactamente com
estas Potências que o mundo de hoje conta e tem de contar, não nos podendo
esquecer igualmente os seus principais e consequentes interesses estratégicos e
geoestratégicos.
Tal não
significa, evidentemente, serem tão só estas as nações relevantes na
actualidade e que outros actores igualmente significativos, do Irão à Turquia,
passando pelo Afeganistão e Paquistão, para não referir já o caso da Coreia do
Norte que se coloca em diferente plano, não contem, bem ainda como uma Índia
que não deixando de tender a poder vir a superar a China em quase todos os
aspectos, da dimensão populacional à pujança económica, do desenvolvimento
tecnológico até mesmo, se assim entender, à eventual capacidade militar, não
manifestando efectiva pretensão, todavia, neste momento, pelo menos, de querer vir
a transformar-se numa Potência Global, mantendo-se, por conseguinte, numa
posição sempre um pouco mais recuada, na sombra, salvo, naturalmente, na sua
mais directa área de influência, tanto de um ponto de vista territorial, seja
em relação ao Paquistão, seja em relação à China, bem como, evidentemente, em
termos marítimos, no que respeita ao Oceano Índico onde a mesma China não deixa
de vir a afirmar tanto o seu crescente interesse, como a sua presença e marcada
influência em muitos casos já.
De
qualquer modo, o jogo, neste momento, é entre os Estados Unidos, a China e a
Rússia,
Nessa
perspectiva, regressando ao ponto de partida, se nos interrogarmos sobre qual
poderá ser o maior pesadelo para quem olha para o Globo a partir dos Estados
Unidos, talvez muito não erremos se admitirmos que o maior pesadelo será mesmo ver uma excessiva aproximação em
conjugação de interesses, esforços e acção entre a Rússia e a China, tal como,
em muitos aspectos tem vindo e está já a suceder.
De
facto, olhando o mundo a partir dos Estados Unidos, a primeira grande
preocupação deverá ser, sem sombra de dúvida, a militarização verificada no Mar
do Sul da China onde Pequim não reconhece qualquer outro Direito, mesmo que se
arrogue como Direito Internacional, sobre o que defende serem os seus
prioritários Direitos Históricos nessa área, como ficou bem patente, de resto,
na absoluta desconsideração votada à decisão do Tribunal Arbitral de Haia em
relação à disputa mantida com as Filipas nessa questão, continuando a construir
verdadeiras bases militares nas pequenas ilhas, ou mesmo apenas recifes,
localizadas exactamente nas áreas marítimas em disputa com várias nações da
região, como sucede nas Spratly, Paracels ou Woody Island, nem se coibindo de
intensificar entretanto os avisos a toda a navegação aérea e marítima para
abandonarem as respectivas rotas quando se entende estarem a ultrapassados os
limites do que é unilateralmente determinado como zona marítima e aérea sob
exclusivo jurídico do Império do Meio.
Defendendo o que consideram serem, ao abrigo do
Direito Internacional, áreas internacionais e por conseguinte de livre
navegação, os Estados Unidos têm vindo a marcar de forma veemente a sua
posição, navegando livremente nas mesmas áreas mas não sem o risco de poderem
vir a deparar-se com situações, no mínimo, mais equívocas.
A questão, porém, é complexa porque não está
apenas em causa uma mera medição de forças bilateral mas também a necessidade
de defesa das nações da região em disputa com Pequim, como o Brunei, Formosa,
Malásia e Vietname, para além das já referidas Filipinas, sem qualquer
possibilidade de confronto com o gigante vizinho, bem como, em diferente
ângulo, tanto a Coreia do Sul como, muito especificamente, o Japão.
De facto, a mesma tendência hegemónica relativamente
ao Mar do Sul da China tem vindo a ser também aplicada por Pequim, embora ainda
em diferente escala, ao Mar do Japão, onde mantém igualmente a disputa sobre as
Ilhas Senkaku/Diaoyu, mas não deixando de obrigar Tóquio a alterar a sua
tradicional doutrina de Defesa e a acelerar novos planos de reforço da sua
Marinha _ e sobretudo quando, a Norte, a disputa pelas Curilas com a Rússia não
deixa de se manter igualmente activa.
Diretor do Jornal da Economia do Mar
Nenhum comentário:
Postar um comentário