3ª Parte da crónica
anterior, de Gonçalo Magalhães Collaço “ Trump, Portugal e a Europa na transição
para uma nova era /Premium”. Economia, Ciência, esgotamento,
o mar como alternativa. A desatenção dos portugueses.
Trump, Portugal e a Europa na transição para uma nova
era /premium
OBSERVADOR,24/9/2018
Nesse
enquadramento e num momento dominada por um novo realismo político, a par de um
extremo pragmatismo, devém como cousa quase natural o primado quase absoluto
conferido à Economia, quase tudo se justificando e legitimando igualmente em
seu nome.
Ora, quando se fala em Economia,
pensa-se, acto imediato, em recursos, a começar, evidentemente, neste
enquadramento, pelos recursos naturais, sejam recursos energéticos, antes de
mais, como recursos alimentares, uma preocupação sempre, não obstante, hoje,
como desde há poucos décadas, ter a humanidade conseguido atingir a capacidade
de produzir, pela primeira vez na História, a quantidade suficiente de
alimentos para, teoricamente, suprir todos as respectivas necessidades, bem
como recursos minerais, por razões ambientais, nuns casos, por esgotamento
noutros, de exploração cada vez mais complexa, difícil ou mesmo impossível em
terra firme, bem como, crescentemente mais importante ainda e sinal dos novos
tempos assim como da presente evolução científica e tecnológica, recursos
biológicos, decisivos em áreas tão críticas como as da biotecnologia,
biogenética, farmacologia, nutracêutica ou biomateriais, para nos referirmos
apenas a algumas das mais significativas actividades já presentes e do futuro
mais próximo.
Decorrente, em parte, deste novo
enquadramento, como também de uma certa estabilização, tanto quanto possível no
domínio político, das fronteiras terrestres, como do progressivo esgotamento de
muitos dos tais recursos minerais em terra, bem como da necessidade de avançar
decididamente para a pesquisa, recolha e exploração de novos recursos
biológicos marinhos, a terceira grande tendência a marcar a nova era é
exactamente a disputa pela conquista de
novos territórios, neste caso, marítimos.
O
ponto crítico de quanto se passa no Mar do Sul da China, no Mar do Japão, no
Árctico, como no Atlântico, é esse mesmo.
Estranhamente, porém, nem a Europa,
enquanto União Europeia, nem nós,
enquanto primeira Nação Marítima que deveria ter consciência de o ser, não se
afigura estarmos a prestar suficiente atenção a nada disto ou a atribuir sequer
a importância ao Atlântico que o Atlântico tem, e vai continuar a ter, ao
contrário dos Estados Unidos que, tal como em recente Editorialchamámos
igualmente a atenção, não cometem o mesmo erro, tal como o anúncio de
reactivação da sua II Esquadra, a ficar sediada na Base Naval de Norfolk, no
Estado da Virgínia e sede também do ACT (Allied Command Transformation) da
NATO, torna particularmente manifesto e significativo, sobretudo quando as
incursões e crescente procura de influência tanto por parte da China como por
parte da Rússia em toda a dimensão do Atlântico são também cada vez mais
arrojadas, e notáveis.
A Europa, a União Europeia enquanto personificação
da actual Europa, Potência em Decadência, conta pouco já e, de um ponto de
vista estratégico, parece mesmo completamente perdida, não valendo muito a pena
sequer estarmos agora a muito mais
elaborarmos sobre a total ausência de verdadeira política sobre temas tão
diversos quanto o disparate da Moeda Única, desde o modo e razões como foi
criada até à forma como tem sido gerida, ao patético da evolução e constantes
tergiversação ao longo das supostas negociações para uma possível integração da
Turquia, para já nem referir a permanente incongruência e inconsistência nas
relações com a Rússia, a incompreensão das Primaveras Árabes, o descalabro no
modo de lidar com o problema da migrações ou a incapacidade de compreender,
primeiro, e saber gerir, depois, o Brexit, para referirmos o mínimo de
exemplos.
A mesma Europa que ainda hoje se
mostra mais preocupada em elogiar Barack Obama, esquecendo os tremendos erros
cometidos, seja em relação ao Iraque, à Síria ou mesmo em relação à própria
Europa e União Europeia e ao Atlântico, mas não se cansando de perder tempo a
verberar alegremente o penteado de Donald Trump, demonstrando plenamente não só
não conseguir compreender nada de quanto mais importante está a ocorrer
verdadeiramente no mundo como pouco ter a oferecer ao mundo que existe
realmente muito para além do velho do eixo Paris-Berlim, efectivamente, cada
vez mais decadente e trôpego. A menos, evidentemente, que alguma subtileza da
política Alemã ainda surpreenda e infirme tudo quanto aqui dito, o que se
afigura importante à Europa compreender é que Donald Trump é muito mais do que
Donald Trump, mas o representante, o actual e efectivo Presidente dos Estados
Unidos.
Para
nós que não somos cidadãos Norte-Americanos, não é a figura de Donald Trump que
nos deve preocupar, muito menos o seu penteado, mas exactamente o seu papel
enquanto Presidente dos Estados Unidos, para todos os efeitos, ainda a maior
Potência do Mundo e, por consequência, em torno do qual o mesmo Mundo ainda
gira, bem como o sentido da respectiva política, sobretudo em termos
internacionais, porque não compreender a mesma política no sentido mais
marcadamente geoestratégico, conduz, naturalmente, a não compreender o que
realmente se passa hoje no mesmo mundo, não deixando tal incompreensão de vir a
poder gerar e ter as mais graves, senão mesmo dramáticas, consequências.
Neste enquadramento,
independentemente da errância estratégica da Europa, ou até mesmo por causa disso,
Portugal tem uma oportunidade extraordinária para se afirmar como a verdadeira
Nação Marítima da Europa, i.e., como a Nação que, pela afirmação da sua Visão
Marítima, poderá conduzir a própria Europa a um novo e mais elevado plano de
consciência geopolítica e geoestratégica marítima, a começar exactamente pelo
Atlântico.
Com isto, não estamos nem queremos, ou
podemos sequer, diminuir a importância, consciência e efectivo contributo de
outras nações da União Europeia têm tido, e têm, no desenvolvimento de uma
consciência e consequente acção marítima.
Se criticamos o modo como foi gizado,
preparado e lançado o embrião de uma possível futura verdadeira Guarda Costeira
Europeia através da subtileza da actual Agência Europeia da Guarda de
Fronteiras e Costeira, tal crítica implica, naturalmente, o reconhecimento a
outras nações europeias de um propósito que não pode deixar de significar um
mínimo de consciência marítima, sem o que nada teria sentido.
Para além disso, é igualmente impossível
não reconhecer e assinalar os inegáveis esforços, com escassa ou mesmo nula
repercussão, do Presidente François Hollande para conjugar esforços no sentido
de tornar possível delinear uma efectiva política europeia para o Mar do Sul da
China, para onde chegou a enviar o Porta-Aviões Charles de Gaulle, tal como
Inglaterra não deixou de enviar igualmente em missão algumas das suas Fragatas,
para reafirmação do entendimento Europeu no que respeita ao exercício da
liberdade de navegação em águas internacionais, ou até a decisão da Dinamarca
de se tornar uma Nação Oceânica, desfazendo-se, há anos já, dos famosos
Patrulhas de Costa Stanflex para aquisição de novos Patrulhas Oceânicos, além
da continuidade de desenvolvimento da capacidade de construção de navios
militares por parte de Itália, França e Alemanha, mantendo mesmo, neste caso,
independentemente de todas as relutâncias em relação ao desenvolvimento de uma
efectiva Política de Defesa Europeia, uma das mais avançadas tecnologias no que
respeita à construção de submarinos, para referirmos apenas alguns casos mais
notáveis.
Não,
o queremos dizer e significar é que, não existindo uma verdadeira visão
Europeia, global, coerente e integrada, Portugal tem todas as condições para a
conceptualizar e, por consequência, liderar, sobretudo no que respeita ao
Atlântico que deverá ser o elemento decisivo de toda a Política Marítima
Europeia e em função da qual todas as demais se deverão orientar e, de algum
modo, subordinar.
Curiosamente, algumas iniciativas,
desde a aproximação a Cabo Verde ao projecto do Air Centre nos Açores e ao
estreitamento das relações com os Estados Unidos para tornarem Sines no porto
de referência para a recepção de LNG Norte-Americano na Europa, podem ser
vistas como um bom prenúncio mas ainda falta uma visão de conjunto a agregar
todas essas mesmas iniciativa, não permitindo que se percam como iniciativas
desgarradas, singulares, únicas, sem que cheguem verdadeiramente a
constituir-se como os elementos mais visíveis de um todo muito mais amplo,
determinante e decisivo.
Esse
é o desafio. E a questão a saber agora é se temos condições e se queremos,
efectivamente, seguir tal desígnio ou se preferimos continuar a discutir o
penteado de Donald Trump, confundindo o essencial com o acessório.
Diretor do Jornal da Economia do Mar
Nenhum comentário:
Postar um comentário