terça-feira, 2 de outubro de 2018

III - Os poderosos, os poderes, o mar como alternativa (Conclusão)



3ª Parte da crónica anterior, de Gonçalo Magalhães Collaço “ Trump, Portugal e a Europa na transição para uma nova era /Premium”. Economia, Ciência, esgotamento, o mar como alternativa. A desatenção dos portugueses.

Trump, Portugal e a Europa na transição para uma nova era /premium
OBSERVADOR,24/9/2018
Nesse enquadramento e num momento dominada por um novo realismo político, a par de um extremo pragmatismo, devém como cousa quase natural o primado quase absoluto conferido à Economia, quase tudo se justificando e legitimando igualmente em seu nome.
Ora, quando se fala em Economia, pensa-se, acto imediato, em recursos, a começar, evidentemente, neste enquadramento, pelos recursos naturais, sejam recursos energéticos, antes de mais, como recursos alimentares, uma preocupação sempre, não obstante, hoje, como desde há poucos décadas, ter a humanidade conseguido atingir a capacidade de produzir, pela primeira vez na História, a quantidade suficiente de alimentos para, teoricamente, suprir todos as respectivas necessidades, bem como recursos minerais, por razões ambientais, nuns casos, por esgotamento noutros, de exploração cada vez mais complexa, difícil ou mesmo impossível em terra firme, bem como, crescentemente mais importante ainda e sinal dos novos tempos assim como da presente evolução científica e tecnológica, recursos biológicos, decisivos em áreas tão críticas como as da biotecnologia, biogenética, farmacologia, nutracêutica ou biomateriais, para nos referirmos apenas a algumas das mais significativas actividades já presentes e do futuro mais próximo.
Decorrente, em parte, deste novo enquadramento, como também de uma certa estabilização, tanto quanto possível no domínio político, das fronteiras terrestres, como do progressivo esgotamento de muitos dos tais recursos minerais em terra, bem como da necessidade de avançar decididamente para a pesquisa, recolha e exploração de novos recursos biológicos marinhos, a terceira grande tendência a marcar a nova era é exactamente a disputa pela conquista de novos territórios, neste caso, marítimos.
O ponto crítico de quanto se passa no Mar do Sul da China, no Mar do Japão, no Árctico, como no Atlântico, é esse mesmo.
Estranhamente, porém, nem a Europa, enquanto União Europeia, nem nós, enquanto primeira Nação Marítima que deveria ter consciência de o ser, não se afigura estarmos a prestar suficiente atenção a nada disto ou a atribuir sequer a importância ao Atlântico que o Atlântico tem, e vai continuar a ter, ao contrário dos Estados Unidos que, tal como em recente Editorialchamámos igualmente a atenção, não cometem o mesmo erro, tal como o anúncio de reactivação da sua II Esquadra, a ficar sediada na Base Naval de Norfolk, no Estado da Virgínia e sede também do ACT (Allied Command Transformation) da NATO, torna particularmente manifesto e significativo, sobretudo quando as incursões e crescente procura de influência tanto por parte da China como por parte da Rússia em toda a dimensão do Atlântico são também cada vez mais arrojadas, e notáveis.
A Europa, a União Europeia enquanto personificação da actual Europa, Potência em Decadência, conta pouco já e, de um ponto de vista estratégico, parece mesmo completamente perdida, não valendo muito a pena sequer estarmos agora a muito mais elaborarmos sobre a total ausência de verdadeira política sobre temas tão diversos quanto o disparate da Moeda Única, desde o modo e razões como foi criada até à forma como tem sido gerida, ao patético da evolução e constantes tergiversação ao longo das supostas negociações para uma possível integração da Turquia, para já nem referir a permanente incongruência e inconsistência nas relações com a Rússia, a incompreensão das Primaveras Árabes, o descalabro no modo de lidar com o problema da migrações ou a incapacidade de compreender, primeiro, e saber gerir, depois, o Brexit, para referirmos o mínimo de exemplos.
A mesma Europa que ainda hoje se mostra mais preocupada em elogiar Barack Obama, esquecendo os tremendos erros cometidos, seja em relação ao Iraque, à Síria ou mesmo em relação à própria Europa e União Europeia e ao Atlântico, mas não se cansando de perder tempo a verberar alegremente o penteado de Donald Trump, demonstrando plenamente não só não conseguir compreender nada de quanto mais importante está a ocorrer verdadeiramente no mundo como pouco ter a oferecer ao mundo que existe realmente muito para além do velho do eixo Paris-Berlim, efectivamente, cada vez mais decadente e trôpego. A menos, evidentemente, que alguma subtileza da política Alemã ainda surpreenda e infirme tudo quanto aqui dito, o que se afigura importante à Europa compreender é que Donald Trump é muito mais do que Donald Trump, mas o representante, o actual e efectivo Presidente dos Estados Unidos.
Para nós que não somos cidadãos Norte-Americanos, não é a figura de Donald Trump que nos deve preocupar, muito menos o seu penteado, mas exactamente o seu papel enquanto Presidente dos Estados Unidos, para todos os efeitos, ainda a maior Potência do Mundo e, por consequência, em torno do qual o mesmo Mundo ainda gira, bem como o sentido da respectiva política, sobretudo em termos internacionais, porque não compreender a mesma política no sentido mais marcadamente geoestratégico, conduz, naturalmente, a não compreender o que realmente se passa hoje no mesmo mundo, não deixando tal incompreensão de vir a poder gerar e ter as mais graves, senão mesmo dramáticas, consequências.
Neste enquadramento, independentemente da errância estratégica da Europa, ou até mesmo por causa disso, Portugal tem uma oportunidade extraordinária para se afirmar como a verdadeira Nação Marítima da Europa, i.e., como a Nação que, pela afirmação da sua Visão Marítima, poderá conduzir a própria Europa a um novo e mais elevado plano de consciência geopolítica e geoestratégica marítima, a começar exactamente pelo Atlântico.
Com isto, não estamos nem queremos, ou podemos sequer, diminuir a importância, consciência e efectivo contributo de outras nações da União Europeia têm tido, e têm, no desenvolvimento de uma consciência e consequente acção marítima.
Se criticamos o modo como foi gizado, preparado e lançado o embrião de uma possível futura verdadeira Guarda Costeira Europeia através da subtileza da actual Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira, tal crítica implica, naturalmente, o reconhecimento a outras nações europeias de um propósito que não pode deixar de significar um mínimo de consciência marítima, sem o que nada teria sentido.
Para além disso, é igualmente impossível não reconhecer e assinalar os inegáveis esforços, com escassa ou mesmo nula repercussão, do Presidente François Hollande para conjugar esforços no sentido de tornar possível delinear uma efectiva política europeia para o Mar do Sul da China, para onde chegou a enviar o Porta-Aviões Charles de Gaulle, tal como Inglaterra não deixou de enviar igualmente em missão algumas das suas Fragatas, para reafirmação do entendimento Europeu no que respeita ao exercício da liberdade de navegação em águas internacionais, ou até a decisão da Dinamarca de se tornar uma Nação Oceânica, desfazendo-se, há anos já, dos famosos Patrulhas de Costa Stanflex para aquisição de novos Patrulhas Oceânicos, além da continuidade de desenvolvimento da capacidade de construção de navios militares por parte de Itália, França e Alemanha, mantendo mesmo, neste caso, independentemente de todas as relutâncias em relação ao desenvolvimento de uma efectiva Política de Defesa Europeia, uma das mais avançadas tecnologias no que respeita à construção de submarinos, para referirmos apenas alguns casos mais notáveis.
Não, o queremos dizer e significar é que, não existindo uma verdadeira visão Europeia, global, coerente e integrada, Portugal tem todas as condições para a conceptualizar e, por consequência, liderar, sobretudo no que respeita ao Atlântico que deverá ser o elemento decisivo de toda a Política Marítima Europeia e em função da qual todas as demais se deverão orientar e, de algum modo, subordinar.
Curiosamente, algumas iniciativas, desde a aproximação a Cabo Verde ao projecto do Air Centre nos Açores e ao estreitamento das relações com os Estados Unidos para tornarem Sines no porto de referência para a recepção de LNG Norte-Americano na Europa, podem ser vistas como um bom prenúncio mas ainda falta uma visão de conjunto a agregar todas essas mesmas iniciativa, não permitindo que se percam como iniciativas desgarradas, singulares, únicas, sem que cheguem verdadeiramente a constituir-se como os elementos mais visíveis de um todo muito mais amplo, determinante e decisivo.
Esse é o desafio. E a questão a saber agora é se temos condições e se queremos, efectivamente, seguir tal desígnio ou se preferimos continuar a discutir o penteado de Donald Trump, confundindo o essencial com o acessório.
Diretor do Jornal da Economia do Mar


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