sábado, 13 de outubro de 2018

E também um quadro misterioso e belo, a compensar


Li esta manhã, num dos Públicos, um artigo de Carlos Fiolhais sobre OS PAÍSES BAIXOS, como espaço de uma memória que também é portuguesa, embora num mau sentido de perseguição religiosa inquisitorial, que fez que um nome ilustre na Filosofia – ESPINOSA – fosse descendente de um judeu português, além da referência à Companhia das Índias Orientais, só possível graças ao pioneirismo expansionista português, e outras referências à Holanda, ligada não só à época alta do comércio português provindo do Oriente, mas também à época da invasão estrangeira a colónias portuguesas, numa época de decadência momentânea. Um artigo de muito interesse histórico, lembrando a necessidade de um museu dos Descobrimentos portugueses, tal como têm os holandeses, e “semelhante ausência de complexos” relativamente a práticas de esclavagismo que é a peça chave dos nossos actuais instigadores da construção de um museu não de glórias mas de safadezas racistas. O Editorial de Manuel de Carvalho, publicado no Público da véspera, fizera referência a esse zelo nacional e europeu de edição de uma nova história portuguesa, não só expressiva das glórias, mas das crueldades que mancharam aquelas, e que a seguinte frase resume: “Sejamos francos: o que está em causa não é a factualidade da História mas a criação de um novo historicismo baseado na maldade intrínseca do homem branco ou no horrível modelo civilizacional que a mobilizou para desgraça dos outros povos.”
Acrescento, à condenação de Manuel de Carvalho, desses impulsos - “honestos”? - de critério segundo um modelo seguidor do politicamente correcto, que é o que está a dar, na sua fraternidade forjada no ódio, a evocação do cônsul Aristides de Sousa Mendes, que salvou milhares de judeus fugidos à perseguição nazi, distribuindo vistos contra as ordens de Salazar, para lembrar que os portugueses foram também capazes de gestos nobres, para além dos de coragem passados.
Nem de propósito, recebi um convite por email, que difundo, do EME, para visitar a exposição Histórias e Vivências Judaicas em Portugal, confirmativa dessas tragédias dos tempos da guerra mais recentes.
Um museu das Descobertas não eivado de espírito destruidor do que, para todos os efeitos, merece o galardão do mundo, quais gloriosas pirâmides egípcias eternas, mau trado o que elas significaram de exploração do trabalho escravo.
Mas, voltando ao primeiro texto, de Carlos Fiolhais, sobre a Holanda, vivamos com ele o prazer da sua visita enriquecedora, e extasiemo-nos perante a beleza do quadro de VERMEER,”Rapariga com o Brinco de Pérola”, de 1665, imagem de tão expressiva e misteriosa sedução.
I - OPINIÃO
Nos Países Baixos
Fiquei a pensar na falta que nos faz um museu das descobertas e semelhante ausência de complexos em relação a um passado, que foi o que foi, sem que possamos interferir.
5 de Setembro de 2018
Um português em turismo nos Países Baixos não pode deixar de dar uma volta de barco pelo labirinto dos canais de Amesterdão, ligados ao rio Amstel. Farid, o “capitão-guia” da minha embarcação, era euroafricano, de pai holandês e mãe marroquina. Ao passar perto da réplica do navio da Companhia das Índias Orientais (a VOC), que é a atracção maior do Museu Marítimo Nacional, falou, com indiscutível orgulho, da “idade de ouro” da Holanda, na primeira metade do século XVII, quando continuou o caminho da globalização que tinha sido iniciado pelos portugueses. E despachou o tema da escravatura, comentando que foi uma página negra de uma história muito rica. Nós temos em Almada uma reconstrução do último navio da carreira da Índia, mas fiquei a pensar na falta que nos faz um museu das descobertas e semelhante ausência de complexos em relação a um passado, que foi o que foi, sem que possamos interferir. Marcas da primitiva globalização estão por todo o lado na grande metrópole holandesa, seja na toponímia (por exemplo, a Praça de Suriname), seja na restauração (por exemplo, a gastronomia indonésia).
O viajante luso não podia deixar de visitar a Sinagoga Portuguesa de Amesterdão. Foi mandada construir em 1670 pela comunidade sefardita portuguesa na que é hoje a Mr. Visserplein (Praça do Sr. Visser, um juiz que defendeu os judeus na Segunda Guerra Mundial). Perto, na Sint Antoniesbreesstraat (Rua Larga de Santo António), fica a Huis de Pinto, a casa de Isaac de Pinto (1717-1787), um rico judeu português, accionista da VOC, economista e filósofo. Karl Marx, que está a fazer 200 anos, cita Pinto no Capital para criticar o liberalismo económico.
Não se pode falar dos judeus holandeses sem nomear o filósofo Bento de Espinosa (1632-1677), que era filho de um mercador expulso de Portugal pela intolerância religiosa. Espinosa nasceu e viveu em Amesterdão, mas foi banido da Sinagoga Portuguesa em 1656, tendo de abandonar a cidade. O chérem que sofreu é a punição máxima da religião judaica, mas, de início, nada fazia prever a heresia. Aprendeu o cânone hebraico, preparando-se para ser rabi. Conheceu aos 14 anos o Padre António Vieira, quando este visitou a comunidade portuguesa de Amesterdão. O abandono da tradição religiosa familiar deveu-se à sedução pelas ideias de Descartes (quando Espinosa nasceu, Descartes vivia em Amesterdão). Não admira, portanto, que na sua Ética a moral seja tratada no estilo da geometria cartesiana. Além de filosofar, Espinosa polia lentes para telescópios e microscópios, numa terra que viu nascer esses instrumentos. Morreu de doença pulmonar associada à poeira do vidro e está sepultado em Haia, que o homenageou com uma estátua no centro histórico. Ramalho Ortigão escreveu em A Holanda: “Quem nos dissesse no século XVI que o obscuro e desprezível judeu, pai de Espinosa, ao emigrar de Lisboa nos arrebatava uma riqueza comparável à dos imensos territórios do país brasileiro teria o ar de um utopista em delírio”. Mas foi mesmo assim: “Espinosa, tornado holandês pela intolerância do nosso despotismo católico, funda no país a que o rejeitámos as bases de um novo critério que põe a Holanda à frente de todo o grande movimento filosófico do mundo moderno.”
Sobre o Brasil: no coração de Haia está a casa de João Maurício de Nassau (1604-1679), de cognome “O Brasileiro” por ter sido governador de Pernambuco, a “Nova Holanda”. Ao serviço da Companhia das Índias Ocidentais (a WIC), edificou o Recife à maneira holandesa. Foi ele que, depois de ter tentado tomar a Bahia, enfrentou uma poderosa armada luso-hispânica em 1639. Em 1640 Vieira pregou na Bahia o Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal contra as de Holanda, onde ameaçava deixar Deus se ele deixasse os portugueses. Como é sabido, Deus não deixou os portugueses. Em 1641 foi celebrado um primeiro tratado de paz em Haia entre a Holanda e Portugal, que conduziria a outro, ainda em Haia, vinte anos depois, pelo que João Maurício não tardou a regressar a casa. Hoje o turista pode ir, na capital holandesa, à Mauritshuis, que alberga um belo museu. É lá que pode ver a obra maior de Vermeer, Rapariga com o Brinco de Pérola, de 1665. A rapariga, cujo brinco resultou de duas breves mas geniais pinceladas, vale por si só uma visita à Holanda.
Professor universitário

II - EDITORIAL
O Conselho da Europa quer que recontemos a História
Sejamos francos: o que está em causa não é a factualidade da História mas a criação de um novo historicismo baseado na maldade intrínseca do homem branco ou no horrível modelo civilizacional que a mobilizou para desgraça dos outros povos.
MANUEL CARVALHO
PÚBLICO; 4 de Outubro de 2018
E sem nada que o fizesse supor, o Conselho da Europa decidiu alinhar-se com as franjas mais radicais do politicamente correcto para intimar as autoridades portuguesas a “repensar o ensino da História e, em particular, a História das ex-colónias”. Como é hábito acontecer neste género de debates – e o caso do museu dos Descobrimentos é a propósito exemplar -, o que está em causa não é um diálogo destinado a melhorar o conhecimento que temos sobre o nosso passado colectivo: seja pelos métodos, seja pela linguagem utilizada ou até pela invocação de uma pretensa superioridade moral, o que as ideologias como a que o Conselho da Europa veiculou pretendem em primeiro e último lugar impor a sua visão da história sobre a que hoje existe e se cristaliza nos nomes das ruas, dos museus ou das páginas dos livros de História.
Quem tem filhos no ensino básico tem condições mais do que suficientes para constatar que nos últimos anos houve um esforço sério por parte dos autores, das editoras e do Ministério da Educação em abolir o bafio da historiografia tradicional para abarcar o lado mais sinistro do racismo colonialista dos portugueses. Episódios como os de 1961 no Norte de Angola são assim descritos: “Um sentimento generalizado de medo entre os colonos levou-os a matar muitos indígenas enquanto outros fugiram, indo juntar-se aos guerrilheiros. Posteriormente, tribos do Norte de Angola assassinaram centenas de colonos.” Ou seja, reconhece-se a matança dos portugueses e enquadra-se a matança que se seguiu perpetrada pelos angolanos. Mas são exemplos como estes que levam os fundamentalistas que redigiram o capítulo português do relatório do Conselho da Europa a pedir mudanças. Como? Omitindo a morte de “centenas de colonos”?
Sejamos francos: o que está em causa nesta ofensiva não é a factualidade da História mas a criação de um novo historicismo baseado na maldade intrínseca do homem branco ou no horrível modelo civilizacional que a mobilizou para desgraça dos outros povos. É por isso uma posição que ergue barricadas, que alimenta facções e proíbe um esforço sensato de se perceber a natureza profunda do colonialismo português e dos seus imensos horrores – mas também das suas virtudes. É uma posição que merece combate, venha da academia minada pelo politicamente correcto ou do Conselho da Europa.

III- Espaço Memória dos Exílios | visita orientada
Espaço Memória Exílios 
Caros amigos do EME,
O Espaço Memória dos Exílios tem patente até dia 28 de Dezembro a exposição Histórias e Vivências Judaicas em Portugal. Esta exposição itinerante, promovida pela Rede de Judiarias de Portugal, ganha destaque em Cascais pela apresentação de objectos e documentos inéditos recentemente localizados no arquivo do médico e historiador de arte Reynaldo dos Santos, cujo espólio foi doado ao município. Pela primeira vez, tomamos conhecimento de correspondência trocada entre médicos alemães e austríacos, que, por serem judeus, procuravam fugir à perseguição nazi, procurando refúgio em Portugal. Outros objectos em exposição incluem a lápide de Mértola, possível testemunho mais antigo da presença judaica naquele território; peças de uso familiar nas celebrações do calendário judaico; e os boletins de alojamento no Grande Hotel (Monte Estoril, de Alma Mahler e de seu marido Franz Werfel.
No próximo dia 18 de Outubro, às 20h00, tem lugar a primeira de duas visitas nocturnas à exposição, orientada pelo Prof. Paulo Mendes Pinto.
Esperamos por si!

Inês Fialho Brandão - Coordenadora, Espaço Memória dos Exílios - Divisão de Animação e Promoção Cultural - Departamento de Inovação e Comunicação - Câmara Municipal de Cascais

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