Li esta manhã,
num dos Públicos, um artigo de Carlos Fiolhais sobre OS PAÍSES BAIXOS, como espaço de uma
memória que também é portuguesa, embora num mau sentido de perseguição
religiosa inquisitorial, que fez que um nome ilustre na Filosofia – ESPINOSA – fosse descendente de um judeu português, além da referência à Companhia
das Índias Orientais, só possível graças ao pioneirismo expansionista
português, e outras referências à Holanda, ligada não só à época alta do
comércio português provindo do Oriente, mas também à época da invasão
estrangeira a colónias portuguesas, numa época de decadência momentânea. Um
artigo de muito interesse histórico, lembrando a necessidade de um museu dos
Descobrimentos portugueses, tal como têm os holandeses, e “semelhante
ausência de complexos” relativamente a práticas de esclavagismo que é a
peça chave dos nossos actuais instigadores da construção de um museu não de
glórias mas de safadezas racistas. O Editorial de Manuel de Carvalho,
publicado no Público da véspera, fizera referência a esse zelo nacional e
europeu de edição de uma nova história portuguesa, não só expressiva das
glórias, mas das crueldades que mancharam aquelas, e que a seguinte frase
resume: “Sejamos francos: o que está em
causa não é a factualidade da História mas a criação de um novo historicismo
baseado na maldade intrínseca do homem branco ou no horrível modelo
civilizacional que a mobilizou para desgraça dos outros povos.”
Acrescento, à condenação de Manuel
de Carvalho, desses impulsos - “honestos”?
- de critério segundo um modelo seguidor do politicamente correcto, que é o que
está a dar, na sua fraternidade forjada no ódio, a evocação do cônsul Aristides de Sousa Mendes, que salvou
milhares de judeus fugidos à perseguição nazi, distribuindo vistos contra as
ordens de Salazar, para lembrar que os portugueses foram também capazes de
gestos nobres, para além dos de coragem passados.
Nem de propósito, recebi um convite por email, que difundo, do EME, para visitar a exposição Histórias e Vivências Judaicas em Portugal, confirmativa dessas tragédias dos tempos da
guerra mais recentes.
Um museu das Descobertas não eivado de espírito destruidor do que, para
todos os efeitos, merece o galardão do mundo, quais gloriosas pirâmides
egípcias eternas, mau trado o que elas significaram de exploração do trabalho
escravo.
Mas, voltando ao primeiro
texto, de Carlos Fiolhais, sobre a
Holanda, vivamos com ele o prazer da sua visita enriquecedora, e extasiemo-nos
perante a beleza do quadro de VERMEER,”Rapariga com o Brinco de Pérola”, de
1665, imagem de tão expressiva e
misteriosa sedução.
I - OPINIÃO
Nos Países Baixos
Fiquei a pensar na falta que nos faz um
museu das descobertas e semelhante ausência de complexos em relação a um
passado, que foi o que foi, sem que possamos interferir.
5 de Setembro de 2018
Um português em turismo nos
Países Baixos não pode deixar de dar uma volta de barco pelo labirinto dos
canais de Amesterdão, ligados ao rio Amstel. Farid, o “capitão-guia” da minha embarcação, era euroafricano, de
pai holandês e mãe marroquina. Ao passar perto da réplica do navio da
Companhia das Índias Orientais (a VOC), que é a atracção maior do Museu
Marítimo Nacional, falou, com indiscutível orgulho, da “idade de ouro” da Holanda, na primeira
metade do século XVII, quando continuou o caminho da globalização que tinha
sido iniciado pelos portugueses. E
despachou o tema da escravatura, comentando que foi uma página negra de uma
história muito rica. Nós temos em Almada uma reconstrução do último
navio da carreira da Índia, mas fiquei a pensar na falta que nos faz um museu
das descobertas e semelhante ausência de complexos em relação a um passado, que
foi o que foi, sem que possamos interferir. Marcas da primitiva globalização
estão por todo o lado na grande metrópole holandesa, seja na toponímia (por
exemplo, a Praça de Suriname), seja na restauração (por exemplo, a gastronomia
indonésia).
O viajante luso não podia deixar de visitar a Sinagoga Portuguesa de
Amesterdão. Foi mandada construir em 1670 pela
comunidade sefardita portuguesa na que é hoje a Mr. Visserplein (Praça do Sr.
Visser, um juiz que defendeu os judeus na Segunda Guerra Mundial). Perto,
na Sint Antoniesbreesstraat (Rua Larga de Santo António), fica a Huis de Pinto, a casa de
Isaac de Pinto (1717-1787), um rico judeu português, accionista da VOC,
economista e filósofo. Karl Marx, que está a fazer 200 anos, cita Pinto
no Capital para criticar o
liberalismo económico.
Não se pode falar dos judeus holandeses sem nomear o filósofo Bento de Espinosa (1632-1677), que
era filho de um mercador expulso de Portugal pela intolerância religiosa. Espinosa
nasceu e viveu em Amesterdão, mas foi banido da Sinagoga Portuguesa em 1656,
tendo de abandonar a cidade. O chérem que sofreu é a punição máxima da
religião judaica, mas, de início, nada fazia prever a heresia. Aprendeu o cânone hebraico, preparando-se
para ser rabi. Conheceu aos 14 anos o Padre António Vieira, quando este visitou
a comunidade portuguesa de Amesterdão. O abandono da tradição religiosa
familiar deveu-se à sedução pelas ideias de Descartes (quando Espinosa nasceu,
Descartes vivia em Amesterdão). Não admira, portanto, que na sua Ética a
moral seja tratada no estilo da geometria cartesiana. Além de filosofar, Espinosa polia lentes
para telescópios e microscópios, numa terra que viu nascer esses instrumentos.
Morreu de doença pulmonar associada à poeira do vidro e está sepultado em Haia,
que o homenageou com uma estátua no centro histórico. Ramalho Ortigão escreveu
em A Holanda: “Quem nos dissesse no século XVI
que o obscuro e desprezível judeu, pai de Espinosa, ao emigrar de Lisboa nos
arrebatava uma riqueza comparável à dos imensos territórios do país brasileiro
teria o ar de um utopista em delírio”. Mas
foi mesmo assim: “Espinosa, tornado holandês pela intolerância do nosso
despotismo católico, funda no país a que o rejeitámos as bases de um novo
critério que põe a Holanda à frente de todo o grande movimento filosófico do
mundo moderno.”
Sobre o Brasil: no coração de Haia está a casa de João Maurício de Nassau (1604-1679), de cognome “O Brasileiro” por ter
sido governador de Pernambuco, a “Nova Holanda”. Ao serviço da Companhia das Índias Ocidentais (a WIC), edificou o
Recife à maneira holandesa. Foi ele que, depois de ter tentado tomar a Bahia,
enfrentou uma poderosa armada luso-hispânica em 1639. Em 1640 Vieira pregou na
Bahia o Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal contra
as de Holanda, onde ameaçava
deixar Deus se ele deixasse os portugueses. Como é sabido, Deus não deixou os
portugueses. Em 1641 foi
celebrado um primeiro tratado de paz em Haia entre a Holanda e Portugal, que
conduziria a outro, ainda em Haia, vinte anos depois, pelo que João Maurício
não tardou a regressar a casa. Hoje o turista pode ir, na capital holandesa,
à Mauritshuis, que alberga um belo museu. É lá que pode ver a obra maior de
Vermeer, Rapariga com o Brinco de Pérola, de 1665. A rapariga, cujo
brinco resultou de duas breves mas geniais pinceladas, vale por si só uma
visita à Holanda.
Professor universitário
II - EDITORIAL
O Conselho da Europa quer que recontemos a História
Sejamos francos: o que está em causa não é a
factualidade da História mas a criação de um novo historicismo baseado na
maldade intrínseca do homem branco ou no horrível modelo civilizacional que a
mobilizou para desgraça dos outros povos.
MANUEL CARVALHO
PÚBLICO; 4 de
Outubro de 2018
E sem nada que o fizesse
supor, o Conselho da Europa decidiu alinhar-se com as franjas mais radicais do
politicamente correcto para intimar as autoridades portuguesas a “repensar o
ensino da História e, em particular, a História das ex-colónias”. Como é hábito
acontecer neste género de debates – e o caso do museu dos Descobrimentos é a
propósito exemplar -, o que está em causa não é um diálogo destinado a melhorar
o conhecimento que temos sobre o nosso passado colectivo: seja pelos métodos,
seja pela linguagem utilizada ou até pela invocação de uma pretensa
superioridade moral, o que as ideologias
como a que o Conselho da Europa veiculou pretendem em
primeiro e último lugar impor a sua visão da história sobre a que hoje existe e
se cristaliza nos nomes das ruas, dos museus ou das páginas dos livros de
História.
Quem tem filhos no ensino básico tem condições mais do que suficientes
para constatar que nos últimos anos houve um esforço sério por parte dos
autores, das editoras e do Ministério da Educação em abolir o bafio da
historiografia tradicional para abarcar o lado mais sinistro do racismo
colonialista dos portugueses. Episódios
como os de 1961 no Norte de Angola são assim descritos: “Um sentimento
generalizado de medo entre os colonos levou-os a matar muitos indígenas
enquanto outros fugiram, indo juntar-se aos guerrilheiros. Posteriormente,
tribos do Norte de Angola assassinaram centenas de colonos.” Ou seja,
reconhece-se a matança dos portugueses e enquadra-se a matança que se seguiu
perpetrada pelos angolanos. Mas são exemplos como estes que levam os
fundamentalistas que redigiram o capítulo português do relatório do Conselho da
Europa a pedir mudanças. Como? Omitindo a morte de “centenas de colonos”?
Sejamos francos: o que está em causa nesta ofensiva não é a
factualidade da História mas a criação de
um novo historicismo baseado
na maldade intrínseca do homem branco ou no horrível modelo civilizacional que
a mobilizou para desgraça dos outros povos. É por isso uma posição que ergue
barricadas, que alimenta facções e proíbe um esforço sensato de se perceber a
natureza profunda do colonialismo português e dos seus imensos horrores – mas
também das suas virtudes. É uma posição que merece combate, venha da academia
minada pelo politicamente correcto ou do Conselho da Europa.
III- Espaço Memória dos Exílios | visita orientada
|
Caros amigos do EME,
O Espaço Memória dos
Exílios tem patente até dia 28 de Dezembro a exposição Histórias e
Vivências Judaicas em Portugal. Esta exposição itinerante, promovida pela
Rede de Judiarias de Portugal, ganha destaque em Cascais pela apresentação de
objectos e documentos inéditos recentemente localizados no arquivo do médico e
historiador de arte Reynaldo dos Santos,
cujo espólio foi doado ao município. Pela
primeira vez, tomamos conhecimento de correspondência trocada entre médicos alemães
e austríacos, que, por serem judeus, procuravam fugir à perseguição nazi,
procurando refúgio em Portugal. Outros objectos em exposição incluem a
lápide de Mértola, possível testemunho mais antigo da presença judaica naquele
território; peças de uso familiar nas celebrações do calendário judaico; e os
boletins de alojamento no Grande Hotel (Monte Estoril, de Alma Mahler e de seu
marido Franz Werfel.
No próximo dia 18 de Outubro, às 20h00, tem lugar a primeira de
duas visitas nocturnas à exposição, orientada pelo Prof. Paulo Mendes Pinto.
Esperamos por si!
Inês
Fialho Brandão - Coordenadora, Espaço
Memória dos Exílios - Divisão de Animação e
Promoção Cultural - Departamento de
Inovação e Comunicação - Câmara Municipal de
Cascais
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