terça-feira, 2 de outubro de 2018

II – Os poderosos, os poderes, o mar como alternativa (cont.)



2ª Parte da crónica anterior, de Gonçalo Magalhães Collaço “ Trump, Portugal e a Europa na transição para uma nova era /Premium”. Rigorosa, assustadora. 

II- Uma nova Era 
Trump, Portugal e a Europa na transição para uma nova era /premium
OBSERVADOR,24/9/2018
Como não será difícil de perceber, olhando de Washington, toda esta situação num ponto tão estratégico como o Mar do Sul da China e todo o Sudeste Asiático, não deixará de ser, muito provavelmente, a maior preocupação actual da Diplomacia dos Estados Unidos, e tanto mais quanto, de um ponto de vista geoestratégico, a aproximação entre a China e a Rússia no Árctico, não apenas pelos projectos desenvolvidos em conjunto na Península de Yamal para extracção de Gás Natural mas, mais séria e gravemente, pela crescente militarização da região com a construção de novas bases Militares Russas em Novaya Zemlya, no Mar de Kara, a Norte do Mar de Barents e não muito distante da Noruega, não se eximindo sequer à instalação dos mais recentes e sofisticados mísseis SS-300 e SS-400.
A importância estratégica, ou geoestratrégica, do Árctico, hoje, também já não oferece quaisquer dúvidas, seja pelos recursos disponíveis, sobretudo em relação aos hidrocarbonetos, seja pelas novas rotas marítimas que já proporciona, sendo pelo patente atraso que os Estados Unidos têm na região em relação à Rússia que dispõe já de meios muito superiores aos seu rivais, desde quebra-gelos nucleares a todos o tipo de veículos terrestres, com efectiva ocupação por forças devidamente preparadas e prontas a entrarem em acção nas mais geladas e inóspitas condições, afirmando, por consequência, uma superioridade que não deixará, por certo, de preocupar Washington e muito em particular o próprio Pentágono, não surpreendendo, por isso mesmo, o crescente incremento do número de militares e exercícios que os Estados Unidos têm vindo a estacionar e a realizar no Alasca, bem como, em diferente âmbito, ou seja, no âmbito da NATO, no Norte da Noruega.
Depois do Mar do Sul da China e do Sudeste Asiático em geral, a preocupação com o Árctico não deixará de ser, com certeza, uma outras das maiores preocupações dos Estados Unidos, havendo já inclusivamente quem afirme temer encontrar-se, neste momento, exactamente nesses mais gélidos ambientes do globo, os mais escaldantes e explosivos pontos críticos da actualidade.
Neste enquadramento, se recordarmos o facto de a China ser já Observador Permanente do respectivo Conselho do Árctico, não se  eximindo sequer à realização de importantes exercícios militares conjuntos com a Rússia na região, ainda melhor se poderão perceber as preocupações dos Estados Unidos, e ainda mais quando a tudo isso juntamos igualmente as diligências de Pequim, sem qualquer envolvimento nas disputas de limites territoriais  que opõem na Região, Canadá, Dinamarca, Estados Unidos e Rússia, em estabelecer alianças com outras nações com interesse ou ligação directa à região, como uma Finlândia, uma Noruega ou uma Gronelândia, onde algumas das suas empresas de mineração, em parceria com terceiras empresas Europeias, como a britânica London Mining, procuram já a exploração de metais não ferrosos como zinco, urânio e terras-raras, bem como o estabelecimento e desenvolvimento de relações cada vez mais estreitas com uma Islândia, região onde os Estados Unidos já não possuem qualquer Base permanente, mas que não deixa de continuar a constituir-se como um dos pontos mais críticos e decisivos de passagem entre o Árctico e o Atlântico.
Outras áreas críticas como o Médio-Oriente, uma vez derrotado o ISIS, com o seu activo empenho, têm vindo a perder, naturalmente, alguma importância estratégica tal como anteriormente tida, para os Estados Unidos. Não que os seus interesses no Médio-Oriente tenham desaparecido completamente mas a aproximação pode ser, e é, hoje, outra.
Embora tendo passado relativamente despercebido, um dos mais importantes resultados da última Cimeira entre Trump e Putin em Helsínquia foi exactamente o acordo estabelecido para um cessar-fogo permanente entre a Síria e Israel, negociado pelos Estados-Unidos, Rússia e Israel, tendo como contrapartida a manutenção de Bashar al-Assad no poder.
Uma solução importante para a região, naturalmente, que terá recebido todo o apoio tanto da Arábia Saudita como dos Emiratos Árabes Unidos, segundo igualmente noticiado, bem como da Turquia, dado tanto a crescente aproximação como mesmo influência de Moscovo sobre Ancara.
Ou seja, neste panorama, não esquecendo os exercícios militares conjuntos realizados já pela China e Rússia tanto no Mar Báltico como inclusive no Mediterrâneo, não surpreenderá muito admitir-se como primordial preocupação dos Estados Unidos uma excessiva aproximação entre a China e a Rússia, entre a Potência Desafiante e a Potência Expectante, como anteriormente referido, procurando assim, diplomaticamente, acentuar os interesses divergentes que ambas, não obstante, mantêm e que, imagina-se, assim se esperará que continue a ser.
Nessa perspectiva, uma estratégia possível afigura-se ser exactamente a de evitar que o Kremlin se sinta demasiado acossado, permitindo-se-lhe alguma liberdade de movimento e acção em defesa do que poderá ser considerado como sua área natural de influência, segurança e interesse estratégico. A Rússia de hoje não é a União Soviética de ontem mas há interesses, perspectivas e doutrinas que permanecem, como, para além da Ucrânia, é o caso da Geórgia onde o Kremlin não deixa de ir conquistando terreno, passo a passo, e cuja possível entrada na NATO continua a ser tido como passível de ser considerada por Moscovo como casus belli, como permanece a rivalidade de séculos, não sem o seu quê de emulação também, em relação à Europa, não deixando nunca de tudo fazer quanto possível para a enfraquecer, não sendo, porém, quanto importa agora considerar.
A situação de equilíbrio não deixa, contudo, de ser, evidentemente, delicada. Em determinados casos, mesmo muito delicada, mas o facto é também que se afigura estarmos a entrar numa nova era, como as comemorações do Dia da Marinha Russa, realizadas simultaneamente em São Petersburgo, Vladivostok e no porto Sírio de Tartous, não deixam, de algum modo, de assinalar, assim como a presente demonstração de força com o Exercício Vostok 2018 levado a cabo por Moscovo, envolvendo, como amplamente noticiado, números na ordem dos 300 mil militares, mais de mil meios aéreos, entre aviões, caças, helicópteros e VANT (Veículos Aéreos Não Tripulados), cerca de 80 navios e cerca de 36 mil meios terrestres, divididos entre tanques e vários meios blindados de transporte de tropas e logística, a decorrer em três mares, mar do Japão, Mar de Bering e o Mar de Okhotsk ou Ocóstsqui, em que a China e a Manchúria se farão igualmente representar e participar oficialmente com uma pequena delegação militar.
De facto, atendendo e revendo tudo quanto se passa actualmente no Mundo, não parecerá exagero se afirmarmos estarmos a viver o fim de um Ciclo que mais não é senão o fim do Ciclo da Revolução Francesa, se assim podemos dizer.
O que também sucede nestes momentos de transição é que, entre o fim de um Ciclo e a entrada numa Nova Era, a tendência natural é para se atravessar um período confuso em que, apesar de se afirmarem com relativa nitidez algumas das novas tendências, o todo nem sempre é passível de ser imediata e completamente apreendido dada a própria natureza do processo em consequente acelerada mutação e evolução em busca de novas constantes e, quem sabe, de uma nova estabilidade até.
No caso, porém, algumas das novas tendências afiguram-se serem já perfeitamente perceptíveis, razão também que justifica e legitima poder estar a falar-se, de facto, do fim de um Ciclo, como o Ciclo da Revolução Francesa, e na entrada numa Nova Era, mesmo que não saibamos perfeitamente como a designar ainda.
Para o que aqui importa considerar, porém, a primeira e talvez mais importante tendência respeite ao regresso da ideia de Nação como princípio fundador da existência e organização comum, conferindo assim uma determinante prioridade à defesa dos interesses nacionais em abandono da preocupação pela disseminação e imposição dos mesmos ideais universais, tal como concebido pela Revolução Francesa, a toda a Humanidade.
Diretor do Jornal da Economia do Mar



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