2ª Parte da crónica
anterior, de Gonçalo Magalhães Collaço “ Trump, Portugal e a Europa na transição
para uma nova era /Premium”. Rigorosa, assustadora.
II- Uma
nova Era
Trump, Portugal e a Europa na transição para uma nova
era /premium
OBSERVADOR,24/9/2018
Como
não será difícil de perceber, olhando de Washington, toda esta situação num ponto
tão estratégico como o Mar do Sul da China e todo o Sudeste Asiático, não
deixará de ser, muito provavelmente, a maior preocupação actual da Diplomacia
dos Estados Unidos, e tanto mais quanto, de um ponto de vista geoestratégico, a
aproximação entre a China e a Rússia no Árctico, não apenas pelos projectos
desenvolvidos em conjunto na Península de Yamal para extracção de Gás Natural
mas, mais séria e gravemente, pela crescente militarização da região com a
construção de novas bases Militares Russas em Novaya Zemlya, no Mar de Kara, a
Norte do Mar de Barents e não muito distante da Noruega, não se eximindo sequer
à instalação dos mais recentes e sofisticados mísseis SS-300 e SS-400.
A
importância estratégica, ou geoestratrégica, do Árctico, hoje, também já não
oferece quaisquer dúvidas, seja pelos recursos disponíveis, sobretudo em
relação aos hidrocarbonetos, seja pelas novas rotas marítimas que já
proporciona, sendo pelo patente atraso que os Estados Unidos têm na região em
relação à Rússia que dispõe já de meios muito superiores aos seu rivais, desde
quebra-gelos nucleares a todos o tipo de veículos terrestres, com efectiva
ocupação por forças devidamente preparadas e prontas a entrarem em acção nas
mais geladas e inóspitas condições, afirmando, por consequência, uma
superioridade que não deixará, por certo, de preocupar Washington e muito em
particular o próprio Pentágono, não surpreendendo, por isso mesmo, o crescente
incremento do número de militares e exercícios que os Estados Unidos têm vindo
a estacionar e a realizar no Alasca, bem como, em diferente âmbito, ou seja, no
âmbito da NATO, no Norte da Noruega.
Depois
do Mar do Sul da China e do Sudeste Asiático em geral, a preocupação com o
Árctico não deixará de ser, com certeza, uma outras das maiores preocupações
dos Estados Unidos, havendo já inclusivamente quem afirme temer encontrar-se,
neste momento, exactamente nesses mais gélidos ambientes do globo, os mais
escaldantes e explosivos pontos críticos da actualidade.
Neste enquadramento, se recordarmos o
facto de a China ser já Observador Permanente do respectivo Conselho do
Árctico, não se eximindo sequer à realização de importantes exercícios
militares conjuntos com a Rússia na região, ainda melhor se poderão perceber as
preocupações dos Estados Unidos, e ainda mais quando a tudo isso juntamos
igualmente as diligências de Pequim, sem qualquer envolvimento nas disputas de
limites territoriais que opõem na Região, Canadá, Dinamarca, Estados
Unidos e Rússia, em estabelecer alianças com outras nações com interesse ou
ligação directa à região, como uma Finlândia, uma Noruega ou uma Gronelândia,
onde algumas das suas empresas de mineração, em parceria com terceiras empresas
Europeias, como a britânica London Mining, procuram já a exploração de metais não
ferrosos como zinco, urânio e terras-raras, bem como o estabelecimento e
desenvolvimento de relações cada vez mais estreitas com uma Islândia, região
onde os Estados Unidos já não possuem qualquer Base permanente, mas que não
deixa de continuar a constituir-se como um dos pontos mais críticos e decisivos
de passagem entre o Árctico e o Atlântico.
Outras
áreas críticas como o Médio-Oriente, uma vez derrotado o ISIS, com o seu activo
empenho, têm vindo a perder, naturalmente, alguma importância estratégica tal
como anteriormente tida, para os Estados Unidos. Não que os seus interesses no
Médio-Oriente tenham desaparecido completamente mas a aproximação pode ser, e
é, hoje, outra.
Embora
tendo passado relativamente despercebido, um dos mais importantes resultados da
última Cimeira entre Trump e Putin em Helsínquia foi exactamente o acordo
estabelecido para um cessar-fogo permanente entre a Síria e Israel, negociado
pelos Estados-Unidos, Rússia e Israel, tendo como contrapartida a manutenção de
Bashar al-Assad no poder.
Uma solução importante para a região,
naturalmente, que terá recebido todo o apoio tanto da Arábia Saudita como dos
Emiratos Árabes Unidos, segundo igualmente noticiado, bem como da Turquia, dado
tanto a crescente aproximação como mesmo influência de Moscovo sobre Ancara.
Ou
seja, neste panorama, não esquecendo os exercícios militares conjuntos
realizados já pela China e Rússia tanto no Mar Báltico como inclusive no
Mediterrâneo, não surpreenderá muito admitir-se como primordial preocupação dos
Estados Unidos uma excessiva aproximação entre a China e a Rússia, entre a
Potência Desafiante e a Potência Expectante, como anteriormente referido,
procurando assim, diplomaticamente, acentuar os interesses divergentes que
ambas, não obstante, mantêm e que, imagina-se, assim se esperará que continue a
ser.
Nessa perspectiva, uma estratégia
possível afigura-se ser exactamente a de evitar que o Kremlin se sinta
demasiado acossado, permitindo-se-lhe alguma liberdade de movimento e acção em
defesa do que poderá ser considerado como sua área natural de influência,
segurança e interesse estratégico. A Rússia de hoje não é a União Soviética de
ontem mas há interesses, perspectivas e doutrinas que permanecem, como, para
além da Ucrânia, é o caso da Geórgia onde o Kremlin não deixa de ir
conquistando terreno, passo a passo, e cuja possível entrada na NATO continua a
ser tido como passível de ser considerada por Moscovo como casus belli,
como permanece a rivalidade de séculos, não sem o seu quê de emulação também,
em relação à Europa, não deixando nunca de tudo fazer quanto possível para a
enfraquecer, não sendo, porém, quanto importa agora considerar.
A situação de equilíbrio não deixa,
contudo, de ser, evidentemente, delicada. Em determinados casos, mesmo muito delicada,
mas o facto é também que se afigura estarmos a entrar numa nova era, como as
comemorações do Dia da Marinha Russa, realizadas simultaneamente em São
Petersburgo, Vladivostok e no porto Sírio de Tartous, não deixam, de algum
modo, de assinalar, assim como a presente demonstração de força com o Exercício
Vostok 2018 levado a cabo por Moscovo, envolvendo, como amplamente noticiado,
números na ordem dos 300 mil militares, mais de mil meios aéreos, entre aviões,
caças, helicópteros e VANT (Veículos Aéreos Não Tripulados), cerca de 80 navios
e cerca de 36 mil meios terrestres, divididos entre tanques e vários meios
blindados de transporte de tropas e logística, a decorrer em três mares, mar do
Japão, Mar de Bering e o Mar de Okhotsk ou Ocóstsqui, em que a China e a
Manchúria se farão igualmente representar e participar oficialmente com uma
pequena delegação militar.
De
facto, atendendo e revendo tudo quanto se passa actualmente no Mundo, não
parecerá exagero se afirmarmos estarmos a viver o fim de um Ciclo que mais não
é senão o fim do Ciclo da Revolução Francesa, se assim podemos dizer.
O
que também sucede nestes momentos de transição é que, entre o fim de um Ciclo e
a entrada numa Nova Era, a tendência natural é para se atravessar um período
confuso em que, apesar de se afirmarem com relativa nitidez algumas das novas
tendências, o todo nem sempre é passível de ser imediata e completamente
apreendido dada a própria natureza do processo em consequente acelerada mutação
e evolução em busca de novas constantes e, quem sabe, de uma nova estabilidade
até.
No
caso, porém, algumas das novas tendências afiguram-se serem já perfeitamente
perceptíveis, razão também que justifica e legitima poder estar a falar-se, de
facto, do fim de um Ciclo, como o Ciclo da Revolução Francesa, e na entrada
numa Nova Era, mesmo que não saibamos perfeitamente como a designar ainda.
Para
o que aqui importa considerar, porém, a primeira e talvez mais importante
tendência respeite ao regresso da ideia de Nação como princípio fundador da existência
e organização comum, conferindo assim uma determinante prioridade à defesa dos
interesses nacionais em abandono da preocupação pela disseminação e imposição
dos mesmos ideais universais, tal como concebido pela Revolução Francesa, a
toda a Humanidade.
Diretor do Jornal da Economia do Mar
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