sexta-feira, 29 de setembro de 2017

A redacção do Bruno

Retomo o tema do Fox. Porque o último dia de vida do Fox foi vivido muito intensamente cá em casa, com o Fox prostrado, mas ladrando, não em ampla voz de dor, mas em percucientes sons talvez de um mimo antigo. Passara a noite a chamar a atenção para ele, para as suas dores de um ser a desfazer-se, a querer a companhia de quem tinha a obrigação de lhe proporcionar a vida calma de antes. A pena por ele e o receio de incomodar os vizinhos mantinha-nos alerta em torno dele, mudando as roupas que a incontinência por várias vezes sujara. Pôs-se, pela primeira vez, o problema da eutanásia, como a mãe do Bruno lhe explicou que disso se tratara, quando à noite criou o seu texto. Acompanhei os estudos do Bruno, como sempre, à tarde, mas assim que soube que a médica viria cá a casa às seis horas, acobardei-me e fugi, para onde a Ângela pouco depois me encontrou, para a bica das nossas ficções de bem-estar.
Mas o Bruno quis assistir, como conta no seu texto, apesar do pedido insistente para vir comigo.  O Bruno é, de facto, um bom menino, embora teimoso. Fraco estudante, mas sedutor no seu sorriso e no seu discurso um pouco infantil, de quem não se sabe ainda defender das cruezas que a vida lhe poderá reservar – o nosso medo. 
O ter-se apercebido de que o Fox estava no fim da sua vida, pô-lo em estado de choque, falando na sua tristeza e querendo assistir à sua morte, contra o nosso desejo. Falou numa redacção que iria fazer nessa noite ao Fox, para ler aos colegas na aula de Português e achou que eu devia escrever um livro sobre o Fox, ou uns versos apenas. Quando hoje me leu a sua redacção, a Mafalda, que estava cá em casa, ouviu e chorou. Parece que o Bruno lhe tinha telefonado, e também à Beatriz, na véspera, pondo-as a chorar com pena do Fox.
Mas hoje não houve tempo para ler na aula, parece que vai ler amanhã a sua redacção, acompanhada duma fotografia do Fox que me pediu, para mostrar aos colegas e à sua professora. Eu também fiz ontem a minha redacção, de homenagem ao Fox. Mas ao ler a do Bruno senti quanto ele era esse bom menino, de sentimentos generosos e de coração amplo e simples, que os dois parágrafos finais do seu texto retratam, e senti-me feliz: «O Fox há de estar sempre no meu coração como no da minha grande família. Que ele esteja sempre em paz, em descanso, e que pense sempre em nós
Parabéns, Bruno, pela tua linda redacção! Eu penso do Fox o mesmo que tu. Que ele pense sempre em nós e sobretudo seja, para ti e os teus primos, uma fada benfazeja que vos proteja.

O FOX
O Fox era um cão muito dócil, muito calmo, esperto e manso.
Quando ele era bebé eu estava na barriga da minha mãe. Quando eu nasci ele estava na casa dos meus avós, eu comecei a brincar com ele, a fazer-lhe festas e a atirar a bola.
Acompanhei-o a passear com ele todos os dias quando eu era pequeno, quando eu entrei na primária não o via sempre, só aos domingos é que eu o via.
O Fox no ano passado fez 15 anos, o que equivale a 105 anos.
As pernas de trás do Fox nestes últimos dias paralisaram, ou seja, morreram e ele sofria muito.
Hoje, 27/9/2017, ele teve de levar 4 injeções, até perder todos os sentidos. Morreu à minha frente e eu chorei imenso.
O Fox há de estar sempre no meu coração como no da minha grande família.
Que ele esteja sempre em paz, em descanso, e que pense sempre em nós.

Bruno Salvador.


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