terça-feira, 19 de setembro de 2017

O spot


O Luís está a atravessar uma fase má na sua vida. Foi-lhe diagnosticada uma depressão, perdeu o emprego, está ligado a um hospital que lhe prescreve a medicação adequada – ou não - num país de depressivos e de desistentes, ligado a um subsídio temporário. Está assustado, o futuro parece-lhe sombrio, envia currículos mas não é chamado, frequenta um curso numa escola de Informática.
Lembro o Luís de outrora, quando éramos sete à mesa e as refeições seguiam o decurso natural, numa vasta família que brincava e ria e às vezes também tinha desavenças. Éramos francos e alegres, creio que medianamente saudáveis, os pais trabalhando, os filhos cumprindo em liberdade, por isso nem sempre de harmonia com as ambições de quem os trouxe ao mundo.  E foram saindo, criando outros laços. Mas a amizade entre os irmãos permaneceu, e há festas em que nos reunimos todos em almoços familiares de alegria e disparate às vezes, adultos todos – (as crianças procurando os refúgios dos seus interesses próprios, com as tablets ou a internet das suas diversões) -  lembrando coisas, contando coisas, talvez disfarçando ansiedades, na ficção ou na realidade da harmonia, os filhos e netos – estes do Ricardo e da Paula – contribuindo para o calor e a alegria gerais, mostrando que a vida é uma continuidade de momentos que se reproduzem na sucessão dos tempos, as tristezas sendo abafadas pelo gosto de viver, até sempre, desde que não haja sofrimentos graves.
Ontem o Luís teve que fazer um spot publicitário para uma das suas aulas, que hoje me mostrou. E gostei do seu spot simples:

Goze as suas férias
Na linha de Cascais:
Na praia, piscinas,
Nos jardins ou em monumentos,
Faça sol ou chuva,
Nunca por demais.
Cascais é loucura
Em todos os seus momentos.

 O Luís, alma boa e doce que eu costumava dizer, a brincar, que seria um dia padre. Mas pelos vistos, tem boas recordações de Cascais, o que eu desconhecia.
Não foi padre, foi um ser insatisfeito, introvertido, em busca sempre de outra coisa, que chegou agora a um sentimento de frustração e derrota que não posso aceitar. Porque me lembro do passado feliz - ou menos - mas de amor sempre, e crença na felicidade dos filhos que os “parabéns a você” das festas de anos frisavam.
Afinal, o Luís fez o seu spot muito rapidamente, prova que tem capacidades, não pode desistir de lutar, à mercê do coitadinho, ou do refúgio orgulhoso em si próprio, que um dia rasgou versos seus, torrenciais, próprios da sua alma amarfanhada já então, e tenho pena que os tivesse rasgado.

Há sempre uma janela que se abre, quando a porta nos bate na cara. 

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