Enviou-me João Sena vários textos de História sobre a
Primeira Guerra Mundial, para recordar. Escolhi este que segue e mais o início
de outro, recordando, todavia, o site, de muito interesse, onde se podem ler os textos vários, com fotos adequadas:
David Martelo <dm3@netcabo.pt> Data:
30 de agosto de 2017 às 22:12 Assunto:
Novidades n'A BIGORNA
Sobre a matéria do segundo
texto, recordo os três volumes finais de “Les Thibault” - “L’ÉTÉ” - de
Roger Martin du Gard, com a figura de Jacques Thibault participando
activamente na sua luta antibelicista, acabando por se despenhar com o avião
donde lançava os seus panfletos, tendo morrido igualmente – gazeado - o seu
irmão médico, Antoine, que nela participara.
VERÃO DE 1917 O CORPO
EXPEDICIONÁRIO PORTUGUÊS, EM FRANÇA, ENTRA EM SECTOR
David Martelo – Agosto de 2017
O transporte do Corpo Expedicionário Português (CEP) para França foi
concretizado, por fases, entre 30 de Janeiro e 20 de Novembro de 1917. Nos termos de uma Convenção Militar
assinada entre os governos de Londres e de Lisboa, a Grã-Bretanha dispusera
sete navios para esse fim, a que se juntaram dois navios portugueses – o
Gil Eanes e o Pedro Nunes. Os embarques eram efectuados em Lisboa e
o destino, em França, era o porto de Brest. Daí, as unidades do CEP iam
seguindo, por via-férrea, para a Flandres, para a zona de concentração de
Aire-sur-la-Lys e Saint-Omer, deslocação essa que demorava dois dias.
Considerando que o CEP ia integrar-se no dispositivo da Força Expedicionária
Britânica (FEB) e o traçado da Linha de Contacto (LC), a posição geográfica
do sector que viria a ser atribuído às tropas portuguesas era no extremo
norte da parte situada em território francês, já muito próximo do ponto
onde a LC cruzava a fronteira franco-belga. Os primeiros contingentes do
CEP a chegar a França, em pleno Inverno, tiveram de enfrentar temperaturas
negativas a que não estavam habituados. Ao findar o mês de Fevereiro, já
estavam presentes na zona de concentração 9 batalhões de infantaria e 1
bateria de artilharia. Com o passar das semanas, o efectivo presente foi
aumentando. Apesar da sua designação de ‘Corpo’, o CEP
estruturava-se segundo o modelo de uma Divisão de Infantaria, de acordo
com a doutrina organizativa, de inspiração francesa, que vinha sendo adoptada
desde o final do século XIX. Já depois de algumas unidades da divisão
portuguesa estarem em território francês, o chefe da missão militar britânica
junto do Quartel General do Corpo avançou com uma proposta de reorganização
do CEP, mediante a qual seria possível transformar a divisão num corpo de
exército a duas divisões. Bastava, para tal, mobilizar mais seis batalhões
de infantaria, eliminar o escalão ‘regimento’ e manter o escalão ‘brigada’, do
qual dependeriam os batalhões. Com estas alterações, as divisões portuguesas
ficariam com uma organização idêntica às divisões britânicas. O general
Tamagnini de Abreu e Silva, comandante do CEP, acolheu favoravelmente a
sugestão britânica e apresentou-a ao Ministério da Guerra português, que a
aceitou. Seria necessário, contudo, rever o programa de transporte e reforçar o
equipamento, designadamente 2 no tocante à artilharia pesada, o que
obrigaria o ministro Norton de Matos a uma deslocação a Londres para
tentar acertar todos os pormenores decorrentes da modificação. A solução
final contemplaria as duas divisões, mas, embora tendo-se constituído um Corpo
de Artilharia Pesada, este não viria a actuar na dependência do CEP, sendo
integrado em unidades britânicas. No final de Setembro, os efectivos
das duas divisões do CEP estavam já presentes em França. Cada divisão era
composta por 3 brigadas de infantaria e cada brigada por 4 batalhões de
infantaria e uma bateria de morteiros ligeiros de 7,5. A artilharia foi,
também, reorganizada de acordo com o novo tipo de ordem de batalha. Assim,
foram formados seis Grupos de Baterias de Artilharia (GBA), tendo cada
Grupo três baterias de peças de 7,5 cm e uma de obuses 11,4 cm.
Coube à 1.ª Divisão,
comandada pelo general Gomes da Costa, a primazia da instalação numa zona
avançada, já próxima da frente de combate. Esse movimento ocorreu a
partir de 2 de Abril de 1917, ficando a tirocinar junto da 49.ª Divisão da
FEB. Em 7 de Maio, a primeira unidade do CEP, de escalão companhia, ocupa
posição na linha de combate. No final de Maio, a 1.ª Divisão guarnece já os
sectores de Ferme du Bois e Neuve Chapelle, sofrendo o primeiro ataque, no
primeiro daqueles sectores, na noite de 3/4 de Junho. Neste mês, ocorrerem vários
ataques alemães aos dois sectores portugueses. Só a 3 de Julho é que o comando
da 1.ª Divisão assume a responsabilidade de todo o sector divisionário, o qual,
além de Ferme du 1 Gomes da Costa era coronel, mas fora graduado em general
para comandar a 1.ª Divisão. Esta medida diz alguma coisa sobre a qualidade dos
generais disponíveis. 3 Bois e Neuve Chapelle, incluiria, ainda,
Fauquissart. Nesta fase, a subordinação de 1.ª Divisão é feita ao XI Corpo/1.º
Exército da FEB, comandado pelo general Richard Haking. As brigadas da 1.ª
Divisão dispunham-se, em cada um dos 3 sectores, segundo duas linhas.
Deste modo, o dispositivo
inicial dos Batalhões de Infantaria (BI) tinha a seguinte composição: SECTOR
1.ª LINHA 2.ª LINHA Ferme du Bois BI 28 BI 34 (apoio) BI 21 BI 32 (apoio) Neuve
Chapelle BI 23 BI 7 (apoio) BI 35 BI 24 (reserva) Fauquissart BI 12 BI 14 BI 9
(apoio)
No cenário operacional que o CEP vai encontrar à sua chegada a França,
importa ter em atenção o facto de, nesses meses de 1917, a prioridade do
exército alemão se ter deslocado para a Frente Oriental, onde as dificuldades
do exército russo, decorrentes da revolução de Fevereiro, antecipavam uma
vitória germânica a curto prazo.
Quase em simultâneo, o comando aliado aproveitava o ensejo para lançar duas
ofensivas: uma, em Junho, de objectivo limitado, sobre Messines, e outra, de
grande envergadura, em território belga (3.ª batalha de Ypres/Passchendaele),
que teria o seu início em 31 de Julho. Essas ofensivas,
desencadeadas a alguma distância do sector português, conjugadas com a postura
expectante do exército alemão, explicam a relativa baixa intensidade das acções
que envolveriam o CEP durante todo o ano de 1917.
Ainda assim, no período que
vai desde a entrada em posição da 1.ª Divisão até à completa integração da 2.ª
Divisão, comandada pelo general Simas Machado, em 5 de Novembro, as tropas do
CEP viram-se envolvidas em diversos combates, resultantes de ataques de ambas
as partes, raides e patrulhas na terra de ninguém, de que resultaram, para as tropas
portuguesas, 352 mortos em combate. A estes se podem acrescentar, no
mesmo período, mais 45 por acidente, 63 por doença e 9 vítimas de gaseamento.
Ao todo, registavam-se 469 baixas mortais. A partir de 5 de Novembro,
já com a 2.ª Divisão integrada, o CEP assume a sua condição de Corpo de
Exército, deixando de depender do XI Corpo britânico e passando a subordinar-se
directamente ao 1.º Exército da FEB, comandado pelo general Horne. A
26 de Novembro, a frente do CEP começa a registar as primeiras rendições
internas, com a 2.ª Divisão a substituir unidades da 1.ª no sector de
Fauquissart. Concluído o reajustamento, a frente do CEP definia-se segundo
quatro sectores de brigada, dois por cada uma das divisões, ao longo de cerca
de 12 km. De norte para sul, Fauquissart e Chapigny ficavam atribuídos à
2.ª Divisão e Neuve Chapelle e Ferme du Bois à 1.ª Divisão. Embora o
cumprimento da entrada em posição do CEP pudesse parecer um momento de orgulho
para Portugal, as carências de toda a ordem que já então se verificavam não
podiam deixar de preocupar os seus principais responsáveis.
O general Gomes da Costa haveria
de recordar como, logo desde os primeiros meses de estada em França, era grave
a situação dos efectivos do CEP: Desde Julho de 1917 que eu vinha reclamando
do CEP contra a falta de efectivos e, sobretudo, de graduados, frisando a
impossibilidade absoluta de garantir a defesa, e 5 insistindo em que as minhas
considerações não tinham outro fim senão declinar a responsabilidade de
qualquer futuro acontecimento menos feliz, para mim certo.2 O aproximar do
final do ano vai trazer diversas perspectivas de mudança: chega o Inverno, com
temperaturas baixíssimas, para as quais os soldados portugueses não estavam
convenientemente preparados, por falta de hábito e por causa do deficiente
fardamento; começa a sentir-se o efeito da suspensão dos transportes marítimos
britânicos, afectando a logística e os recompletamentos de pessoal; e, por fim,
chegam notícias de Lisboa que anunciam a viragem política decorrente do golpe
militar liderado por Sidónio Pais. Na época, foi fácil ligar o
derrube do governo do Partido Democrático às tremendas dificuldades que se iam
sentindo nas fileiras do CEP. Todavia, importa sublinhar que, como vimos, a
suspensão dos transportes marítimos em navios britânicos já se notava antes do
golpe de Sidónio. Haverá muitas pequenas causas que contribuiriam para a
vulnerabilização do CEP, mas a principal era, seguramente, a falta dos
transportes marítimos para França. E, da parte britânica, havia uma forte razão
para tal: com a entrada dos EUA na guerra, em Abril de 1917, a prioridade
máxima da sua marinha ficara a ser o transporte para França da Força
Expedicionária Americana.
DA INUTILIDADE DA GUERRA
Debate nas vésperas da Grande Guerra Vimos, num artigo recente aqui
publicado, alguns exemplos de textos em que, nas vésperas da Grande Guerra, os
autores defenderam as virtudes e vantagens que achavam ser inerentes ao
desenvolvimento de grandes conflitos. Mas, em simultâneo, surgiram ideias
contrárias, não só as de teor claramente pacifista como a daqueles que, não se
intitulando pacifistas mas sim antibelicistas, anteviam, pura e simplesmente, a
inutilidade da guerra. No meio deste estimulante debate, fez grande sucesso a
obra A Grande Ilusão, do escritor e jornalista britânico Norman Angell,
publicada pela primeira vez em 1910 e reeditada, em 1912, numa versão
actualizada.
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